Opinião

Desafios e oportunidades na redução da reinjeção de gás no pré-sal

Campos com alta e baixa concentração de CO₂ determinam total ou menor injeção de GN, tanto por razões econômicas quanto por impossibilidade técnica de separar o gás natural do CO2 misturado. Há também que se considerar que os resultados financeiros das empresas impactam a arrecadação de Participações Governamentais.

Por Edmar de Almeida

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Coautores: Eloi Fernandez y Fernandez e Felipe Freitas da Rocha

O programa Gás para Empregar buscou identificar caminhos para aumento da oferta doméstica de gás natural no Brasil, em particular através da redução do elevado nível de reinjeção de gás no polígono do pré-sal. Um dos principais tópicos do Decreto nº 12.153/2024 foi aumentar o poder da ANP sobre o gerenciamento da produção. A agência poderá determinar a redução da reinjeção de gás natural, bem como poderá determinar o aumento da produção de gás natural para campos na fase de produção, incluindo campos maduros.

Para atingir esses objetivos, a ANP poderá revisar os planos de desenvolvimento já aprovados e exigir que os operadores dos campos em questão realizem os investimentos necessários para atender a expansão compulsória da produção (§ 1º e § 3º do Art. 5º-C).

Para avaliar a efetividade do decreto no que tange à redução do nível de reinjeção, é fundamental analisar várias questões técnicas, econômicas e regulatórias que muitas vezes são desconhecidas ou mal compreendidas pelos stakeholders do setor de gás e do governo. Primeiramente, é fundamental entender as razões pelas quais os níveis de reinjeção são tão elevados no polígono do pré-sal (67% do gás produzido entre janeiro e setembro de 2024), para que se possa identificar oportunidades e caminhos para uma eventual redução da reinjeção.

Efeito da contaminação do CO₂

Um determinante importante para a reinjeção é o nível de contaminação do gás por CO₂. O gás do pré-sal possui um nível de contaminação que varia, por campo, entre 5% e 40%. Para ser escoado, o CO₂ precisa ser separado e reinjetado. A primeira constatação importante é que uma parcela importante do que é reinjetado no pré-sal não é gás natural, mas sim CO₂. Cerca de 30% do volume reinjetado em 2023 foi de CO₂. 

Outra questão importante é que não é tecnicamente possível separar apenas o CO₂. A tecnologia de separação por membranas, geralmente utilizada nas plataformas do pré-sal, possui baixa seletividade, arrastando assim uma parcela do gás natural junto com o CO₂. Em campos com elevada contaminação de CO₂, não é atrativo separar o gás natural do CO₂, uma vez que o volume de gás natural que sobra para ser aproveitado não justifica o elevado custo do uso dos equipamentos para separação de CO₂ na plataforma. Este é o caso do campo de Mero, por exemplo.

Já nos campos com baixo teor de contaminação de CO₂ (até cerca de 30%), recentemente foi possível a Petrobras utilizar sistemas de separação de CO₂ nas plataformas. Em 2023, o Iepuc - Instituto de Energia da PUC.Rio, realizou uma análise do gás reinjetado no pré-sal e chegou à conclusão de que, do total de gás reinjetado, 29% correspondiam ao CO₂, 24% ao gás natural arrastado no processo de separação e outros 47% à parcela de gás natural que teoricamente poderia ser separada, mas era reinjetada por razões econômicas.

A parcela da reinjeção por razões econômicas se deve a três fatores básicos: i) para aumento do fator de recuperação de petróleo (injeção econômica); ii) falta de capacidade de escoamento (atraso da Rota 3 e problemas na Rota 1); iii) decisão dos operadores de não implementar sistemas de separação de CO2 nas plataformas em razão de elevado nível de contaminação de CO₂ (ex: Mero);

Gráfico 1 - Distribuição do gás reinjetado em campos do pré-sal por tipo - dez/2022

Gráfico, Gráfico de pizzaDescrição gerada automaticamente

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da ANP

O trabalho da ANP para verificar se é possível aumentar a oferta do gás necessariamente vai ter que focar na reinjeção econômica. Uma das avaliações a serem feitas é se realmente a reinjeção contribui para aumentar o fator de recuperação de petróleo.

Neste ponto, é importante entender a estratégia de reinjeção alternada de água e gás (Water Alternating Gas – WAG) desenvolvida pela Petrobras e parceiros para os campos do pré-sal. Trata-se de uma inovação proposta pela Petrobras, com a qual reinjeta-se água em um poço injetor até o ponto em que começa a aumentar a fração de água nos poços produtores adjacentes. Em seguida, injeta-se o gás, que tem o papel de bloquear a circulação de água, até o ponto em que ocorre um aumento da relação gás-óleo, quando se volta à reinjeção de água. Apesar do ineditismo desta tecnologia, não existem mais dúvidas de que está funcionando bem e tem contribuído para aumentar a taxa de recuperação de petróleo.

Um dos pontos ainda pouco explorados em debates em relação à tecnologia WAG é o seu efeito sobre a recuperação do gás natural numa fase avançada de maturidade dos campos. A experiência de outros países, com a exploração de campos gigantes de gás associado, é que é possível produzir parte do gás reinjetado no fim do ciclo de vida do campo. Ou seja, existe a oportunidade de rever a estratégia de produção e “converter” o campo para produzir mais gás. No caso do Brasil, será necessário avaliar o efeito do WAG no aproveitamento de parte do gás reinjetado.

Utilização de plataformas vocacionadas ao petróleo

O plano de desenvolvimento do campo de Bacalhau, operado pela Equinor, inaugurou uma nova estratégia de monetização de campos com gás associado no Brasil. Este plano propôs a utilização de plataformas com maior capacidade de produção e armazenamento de petróleo (220 mil barris) e reinjeção de todo o gás. Ressalte-se que, no caso de Bacalhau, o gás natural não tem contaminação por CO₂. Portanto, a principal razão para reinjeção do gás não é a economia com investimento em processos de separação do CO₂. A principal vantagem foi aumentar a capacidade de produção e armazenamento de petróleo, com a construção de uma plataforma orientada para produção de óleo.

Ressalte-se que, no início do desenvolvimento dos campos do pré-sal, a Petrobras adotou seis plataformas replicantes que tinham uma capacidade de produção de 150 mil barris de óleo e cerca de 6 MMm³/dia de gás. Em seguida, atualizou o projeto das plataformas para 180 mil barris, mantendo a produção do gás em 6 MMm³/dia de gás. Mais recentemente, a Petrobras adotou a mesma estratégia da Equinor no campo de Búzios, com a contratação de quatro plataformas (Búzios 7, 9, 10 e 11) com capacidade de produção de 225 mil barris de petróleo, com a reinjeção de todo o gás.

Ressalte-se que, no caso das plataformas de 225 mil barris/dia a maior capacidade de produção de óleo se deve ao fato de não incluir equipamentos necessários à produção de gás. Em particular, em Búzios existe a necessidade de separar CO₂. Assim, entre os benefícios da reinjeção do gás está o maior volume de óleo produzido.

Vale ressaltar que o petróleo adicional agrega mais valor ao projeto que a receita do gás. Por exemplo, é possível comparar facilmente a receita anual de plataformas de 180 mil barris e 6 MMm³/dia gás disponível, com plataformas de 225 mil barris/dia de petróleo sem gás disponível.

Em um cenário de preços de petróleo em longo prazo a US$70/barril e de preço de gás na plataforma a US$4/MMbtu, a plataforma de 180 mil barris teria uma receita anual total de US$ 4,92 bilhões. Já a plataforma de 225 mil barris/dia teria uma receita de US$ 5,75 bilhões. Convém salientar que esses resultados financeiros também se estendem as Participações Governamentais, aumentando as arrecadações dos governos.

Sobre a revisão de planos de desenvolvimento

A análise acima deixa claro que a avaliação técnica e econômica de projetos de produção de óleo e gás é muito complexa. A determinação do nível ideal de reinjeção econômica requer uma avaliação extremamente complexa e depende de variáveis geológicas de cada campo e de premissas técnicas e econômicas que podem evoluir ao longo do tempo. Entretanto, as decisões tomadas no processo de aprovação do projeto apresentam um forte grau de irreversibilidade.

A decisão sobre a estratégia de reinjeção é tomada no momento de elaboração e aprovação do plano de desenvolvimento. As empresas avaliam vários cenários de reinjeção para escolher o nível de reinjeção que maximiza o valor do campo. Uma vez definida a estratégia de reinjeção, dificilmente esta estratégia pode ser mudada após a contratação e o início da construção da plataforma.

Qualquer modificação importante poderia implicar em atrasos de anos no projeto. No caso de plataformas já em operação, seria necessário parar a produção de petróleo por meses, senão anos, para mudar a configuração da plataforma. Na maioria dos casos, a perda de valor com atrasos ou interrupção da produção de petróleo seria muito superior ao valor adicionado pela produção de gás.

O Decreto 12.153/2024 deixa claro que a revisão dos planos de desenvolvimento deve respeitar a viabilidade econômica. Ou seja, será necessário identificar oportunidade de aumentar a oferta de gás com ganhos adicionais de receita para os projetos. Uma oportunidade a ser explorada são campos maduros de gás associado. Neste caso, a revisão dos planos de desenvolvimento pode definir novas estratégias de aproveitamento do gás natural.

Para campos de gás ainda em fase inicial da produção, uma oportunidade a ser avaliada é a utilização de plataformas para separação e tratamento de gás (Hub de Gás), que poderia receber gás de mais de uma plataforma existente. Neste caso, será necessário avaliar se é possível reduzir a injeção de gás sem afetar o fator de recuperação de óleo e se o volume de gás disponibilizado cobre o custo do Hub de Gás.

Limitações das Rotas de escoamento

Uma eventual redução do nível de reinjeção de gás no polígono do pré-sal deverá ser acompanhada do aumento da capacidade de escoamento. A capacidade de escoamento e tratamento atual está limitada a um máximo de 44 MMm³/dia.

Estudo realizado pelo Instituto de Energia da PUC-Rio estimou a produção potencial máxima em campos com capacidade de separação de CO₂ no pré-sal. Ou seja, estimou a capacidade de produção sem a reinjeção econômica. Neste cenário, a produção de gás é maior do que a capacidade de escoamento de gás natural (gráfico 2). Assim, a capacidade de escoamento atual é insuficiente para escoar todo o potencial técnico de produção de gás do pré-sal

Gráfico 2 - Oferta potencial máxima após a reinjeção técnica em plataformas que podem separar e “exportar” gás no Pré-sal

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da ANP, EPE e Petrobras

Outro problema importante a ser considerado é que a UPGN da Rota 1 não é capaz de especificar o gás do pré-sal. Ou seja, a UPGN de Caraguatatuba não é capaz de retirar o etano do gás, não sendo, assim, capaz de concentrar o metano para atingir o teor mínimo requerido na Resolução ANP nº 16/2008. Com isso, para atingir a especificação da ANP que determina um mínimo de 85% de metano e um máximo de 12% de etano, é necessário misturar o gás do pré-sal com uma corrente de gás pobre de Mexilhão.

Como o campo de Mexilhão encontra-se em declínio, a UPGN já não é capaz de garantir um mínimo de 85% de metano. Assim, é necessário revisar a especificação do gás tratado ou dar um waiver para o gás da Rota 1, como já vem ocorrendo atualmente por meio da Autorização ANP nº 836/2020. Ademais, a realização de investimentos para adequar a UPGN de Caraguatatuba para o gás do pré-sal apresenta importantes desafios técnicos, tais como: o transporte dos líquidos a partir da UPGN e a necessidade de parada para realização de obras. Assim, qualquer política para redução do nível de reinjeção teria que ser combinada com políticas para aumentar a capacidade de escoamento e tratamento de gás.

Considerações finais

Este artigo buscou mostrar as razões que explicam os elevados níveis de reinjeção do gás no polígono do pré-sal. Várias razões de caráter técnico e econômico determinaram as estratégias para o aproveitamento do gás do pré-sal. É fundamental reduzir a assimetria de informações entre os stakeholders envolvidos no debate sobre reinjeção de gás no Brasil.

Uma das formas de se fazer isto é através do aumento da transparência sobre o processo de avaliação e aprovação da estratégia de reinjeção econômica dos campos de gás natural. Até agora, o processo de aprovação não foi acompanhado da devida transparência por parte dos agentes públicos envolvidos no processo (PPSA e ANP). Estes agentes públicos podem elaborar pareceres para explicar e justificar as decisões envolvendo a reinjeção econômica.

Outra forma de reduzir a assimetria de informação é a regulamentação do acesso às infraestruturas essenciais (dutos de escoamento e UPGNs), que permitirá aumentar a transparência sobre os custos para o uso destas infraestruturas. 

Finalmente, cabe salientar que a revisão de planos de desenvolvimento será uma tarefa muito desafiadora e complexa. Neste sentido, será fundamental identificar as oportunidades que têm viabilidade econômica, preservando a segurança jurídica dos investimentos no setor de óleo e gás no Brasil. Respeitado este princípio, as políticas públicas e o planejamento setorial previsto no Decreto 12.153/2024 podem ser instrumentos efetivos para aumento da oferta de gás no Brasil.

 

Eloi Fernandez y Fernandez é diretor geral do Instituto de Energia da Puc-RJ (Iepuc) e Felipe Freitas da Rocha é pesquisador na mesma instituição.

 

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