Opinião
Imposto de exportação de petróleo e a atratividade do regime fiscal do setor de óleo e gás no Brasil
A criação de um novo imposto apenas para empresas de petróleo que afeta todo o valor do produto, independentemente da sua rentabilidade, mudou de forma importante a percepção de risco para investimentos na indústria petrolífera nacional.
A competitividade de um país no setor de exploração e produção de petróleo tem duas dimensões complementares. A primeira certamente é a atratividade geológica do país, que pode ser caracterizada pelo volume de recursos petrolíferos e pelo custo de produção dos mesmos. A segunda, é a atratividade dos regimes contratuais e fiscais no segmento de upstream. O Brasil se destacou no setor petrolífero internacional nas últimas duas décadas porque se posicionou de forma competitiva nas duas dimensões.
Primeiramente, as descobertas de campos gigantes na bacia do Pré-sal atraíram a atenção da indústria de petróleo offshore mundial para o Brasil. Muitas empresas se movimentaram para participar da corrida ao óleo do Pré-sal. Com o grande interesse despertado na indústria mundial do petróleo, o governo brasileiro se animou a mudar o regime contratual e fiscal com a aprovação da Lei da Partilha (Lei 12.351/2010), que sacramentou o aumento da carga fiscal sobre o setor, com o argumento de que o Pré-sal tinha baixíssimo risco geológico (a tese do bilhete premiado). Apesar deste aumento da carga fiscal, os projetos para desenvolvimento dos campos gigantes do Pré-sal seguiram adiante. Isto porque o regime de partilha se aplicou apenas a novos contratos. Ou seja, os contratos sob regime de concessão se mantiveram, mantendo a atratividade dos campos já descobertos.
Entretanto, o regime fiscal da Partilha decepcionou na sua capacidade de atrair investimentos em exploração. Os leilões do Pré-sal para áreas exploratórias (sem descobertas) atraíram menos interesse do que o esperado. Alguns blocos arrematados nos primeiros leilões foram devolvidos à União, tais como os blocos de Saturno e de Peroba. Aquilo que foi leiloado sob regime de partilha, com a premissa de que teria baixíssimo risco geológico, na verdade tinha, sim, um risco importante. Ou seja, o perfil de risco geológico do polígono do Pré-sal se revelou diferente da premissa adotada pelo governo em 2010 para mudar o regime contratual e aumentar a taxação.
Nos últimos três anos, o Brasil saiu dos holofotes da indústria de petróleo offshore mundial. Os holofotes da indústria estão focados nas descobertas de volumes de petróleo similares aos do Pré-sal na Guiana e, mais recentemente, no sucesso exploratório nas águas da Namíbia. Infelizmente, o Brasil não é mais a fronteira geológica offshore queridinha da indústria.
Neste contexto de aumento da concorrência internacional por investimentos, o Brasil acaba de cometer um erro de política petroleira que poderá custar muito caro para nossa atratividade. A criação de um imposto de exportação de petróleo sinalizou para a indústria que as autoridades energéticas do país podem fazer alterações do regime fiscal com impactos em contratos já assinados. Foi exatamente isto que foi feito no Brasil ao se criar um imposto específico (sobre exportação de petróleo) que não fazia parte dos descritos nos contratos existentes tanto de partilha como de concessão. Trata-se de um precedente importante no regime fiscal do setor petrolífero nacional. As empresas que exportam petróleo brasileiro devem pagar 9,2% sobre o valor do óleo exportado. No caso das empresas internacionais presentes no país, isto representa uma taxação adicional de 9,2% sobre todo o valor da produção, já que elas exportam todo o óleo que produzem.
A mudança de impostos específicos com efeito em contratos assinado é um problema bem conhecido das empresas de petróleo. Em países de elevado risco político e regulatório é muito comum o governo propor contratos atraentes na busca de investimentos em exploração com elevado risco, mas decidirem mudar as condições fiscais após as descobertas de petróleo. Para evitar isto, normalmente as empresas de petróleo negociam contratos onde os impostos específicos são descritos nos contratos e são blindados de mudanças futuras. Isto limita as alterações de impostos para o regime tributário geral, ou seja, basicamente impostos que se aplicam a todas as empresas da economia. O recurso à blindagem contratual de impostos é aplicado em países com elevado risco político e regulatório. Em geral, países da OCDE não aceitam este tipo de blindagem contratual, uma vez que a legislação tributária dos países já possui instrumentos que limitam a criação de impostos específicos com efeitos retroativos nos contratos.
O Brasil era considerado um país confiável pela indústria de petróleo uma vez que sempre respeitou contratos. Por esta razão, mesmo a legislação brasileira não permitindo a blindagem contratual de impostos, havia a expectativa dos investidores de que o risco de mudanças ou criação de impostos específicos que afetassem contratos assinados era baixo. A criação de um novo imposto apenas para empresas de petróleo que afeta todo o valor do produto, independentemente da sua rentabilidade, não apenas surpreendeu, mas mudou de forma importante a percepção de risco para investimentos na indústria petrolífera nacional.
A percepção de risco foi afetada não apenas pelo impacto econômico nos contratos atuais. Mas também pela forma que o imposto foi criado. Este imposto foi criado por Medida Provisória sem debate com o Congresso Nacional, sem ouvir as partes envolvidas, sem estudos que embasassem seus impactos econômicos, financeiros e contratuais.
Diante do contexto descrito acima, o governo brasileiro vai ter que fazer uma escolha importante nos próximos anos. A primeira opção é seguir no caminho atual e deixar minguar os investimentos em exploração no país e consequentemente frustrar uma expectativa de aumento e manutenção da produção e exportação de petróleo. A segunda é indicar claramente que tem interesse e como pretende atrair investimentos de muitos bilhões de dólares para exploração de petróleo tanto no polígono do Pré-sal, como na nova fronteira geológica da Margem Equatorial.
Para ter credibilidade na segunda opção, o governo terá que trabalhar muito para avaliar com método e seriedade os desafios econômicos, financeiros, ambientais e tecnológicos para expansão dos investimentos em exploração no país. Ademais, será fundamental estabelecer um diálogo construtivo com os agentes do setor, para recriar uma relação de confiança, capaz de convencê-los a colocar bilhões de dólares na empreitada.
Edmar de Almeida, professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC, escreve na Brasil Energia a cada quatro meses