Opinião
Análise de Riscos de Projetos de Geração Eólica pelo Investidor
Fundamental no processo de análise e tomada de decisão de investimento, a análise de riscos visa constatar se o nível de exposição do investidor a riscos do projeto é tolerável e compatível com o retorno esperado
- Por Eduardo Tobias N. F. Ruiz e André Dabus
A análise de riscos é etapa fundamental no processo de análise e tomada de decisão de investimento e de financiamento de um projeto de geração eólica. Imagine investir em um projeto e, na fase operacional, defrontar-se com uma produção anual de energia elétrica, na média, 10% abaixo do P50 estimado.
Relatório publicado pela Fitch Ratings (2020)[1] apresenta uma análise comparativa da estimativa inicial de produção anual de energia elétrica P50 certificada com a produção efetiva de 58 projetos operacionais de geração eólica e solar FV localizados em 12 países. Dentre os projetos eólicos, 89% das medições anuais foram inferiores à estimativa P50, sendo 53% abaixo em mais de 10%. Este é apenas um de inúmeros riscos que projetos de geração eólica estão sujeitos.
É, portanto, essencial que o investidor/credor realize – previamente ao investimento – uma análise de riscos detalhada, completa, fundamentada e isenta. Neste sentido, o objetivo deste artigo é propor metodologia para análise de riscos de projeto eólico e definição da estratégia de mitigação e alocação destes riscos, do ponto de vista do investidor.
Metodologia para Projetos de Geração Eólica
No caso de projetos de geração eólica, propõem-se as seguintes etapas para a metodologia de análise de riscos e estratégia de gerenciamento:
Figura 1. Etapas da análise e gerenciamento de riscos de um projeto de geração eólica
Etapa 1: Identificação e Segmentação dos Riscos
Nesta primeira etapa, a identificação dos possíveis riscos deve ser exaustiva. Devem ser considerados riscos desde a fase de desenvolvimento do projeto, da construção, da partida da usina até a fase operacional. Após a identificação, a próxima etapa é a segmentação em categorias. A segmentação é uma forma de organizar e categorizar os riscos. Facilita sua identificação, análise e definição da estratégia de gerenciamento. De forma a contemplar as particularidades de projetos de geração eólica no Brasil, propõe-se metodologia com 14 categorias de risco, conforme figura abaixo.
Figura 2. Categorias de riscos de projetos de geração eólica
a) Categoria: Engenharia, Construção, Instalação e Montagem
São, por exemplo, os riscos de acidentes durante a instalação e montagem de aerogeradores, sobrecusto no investimento, atraso do início da operação comercial, erros que afetem o desempenho futuro da usina (eficiência e disponibilidade) e performance contratual de terceiros contratados que podem não cumprir preço, prazo ou qualidade especificada nos contratos.
b) Categoria: Operacionais
Consideram-se riscos operacionais todos aqueles inerentes à manutenção, operação e conservação da usina eólica que impactem seus custos, desempenho (eficiência e disponibilidade) ou vida útil.
c) Categoria: Responsabilidades
Englobam riscos de danos a terceiros, usuários, empregados e subcontratados. Os riscos de responsabilidades são amparados pelo Código Civil brasileiro. Ele estabelece, no Parágrafo Único do artigo 927[2], que aquele que causar um dano a outrem será obrigado a repará-lo.
d) Categoria: Socioambientais
O risco ambiental existe quando os impactos e características ambientais da implantação e operação do projeto possam causar um atraso ou restrição em seu desenvolvimento e operação. Ou quando demande investimentos e/ou compensações acima do previsto. O risco social surge quando os impactos sociais do projeto possam causar um atraso ou restrição em seu desenvolvimento e operação.
e) Categoria: Caso Fortuito e Força-maior
Trata-se de eventos que vão além do controle dos participantes de um projeto e que possam impactar, no curto prazo, sua operação ou, por período prolongado, sua continuidade. São exemplos: catástrofes naturais, guerra e, em alguns casos, greves.
f) Categoria: Crédito
Este é o risco da usina vender e entregar a energia elétrica, porém não ser paga, parcial ou integralmente, ou ser paga em atraso.
g) Categoria: Financeiro e Variação Cambial
É a exposição aos efeitos de possíveis desequilíbrios no fluxo de caixa da usina, decorrentes das projeções quanto à inflação, taxa de juros e de câmbio (BORGES; FARIA, 2002)[3]. Deve também ser considerada como um risco financeiro a incompatibilidade de prazos médios de recebimento e pagamento entre os diversos contratos do projeto.
h) Categoria: Mercado
É o risco do projeto, ao longo de sua vida útil, não gerar a receita esperada a partir de um dado volume de produção. De forma simplificada, trata-se da equação “volume de venda” multiplicado por “preço de venda”.
i) Categoria: Regulatório e Tributário
É o risco de decisões governamentais regulatórias e tributárias impactarem negativamente o fluxo de caixa do projeto. Por exemplo, potenciais impactos causados pelas reformas do setor elétrico (PLS nº 232/2016[4]) e tributária em discussão.
j) Categoria: Político e Ato de Administração
Consideram-se riscos políticos, de modo geral, as decisões políticas que afetem o projeto por meio de manifestações unilaterais de governantes, políticos, administradores públicos e legisladores (DABUS, 2017[5]). Exceção feita a decisões políticas regulatórias e tributárias, enquadradas na categoria de risco “Regulatório e Tributário”.
k) Categoria: Tecnológico
“... existe quando a tecnologia adotada, na escala proposta ao projeto, não tem um desempenho de acordo com as especificações ou se torna prematuramente obsoleta” (FINNERTY, 2013, p. 79, tradução nossa[6]). Por exemplo, eventual frustração de desempenho de turbinas de maior potência sem histórico operacional no Brasil.
l) Categoria: Financiabilidade
É o risco de insuficiência parcial ou total de recursos para financiar o projeto. Engloba capital próprio (equity) e de terceiros (dívida), tanto para implementação do projeto quanto para eventuais aportes complementares para concluí-lo ou recompor seu fluxo de caixa. Do lado da dívida, contempla também o risco de atraso na contratação e/ou desembolso de recursos e a obtenção de financiamento em condições menos favoráveis do que o esperado.
m) Categoria: Recurso Eólico
É o risco do recurso eólico ser inferior ao estimado ou a produção de energia elétrica a partir de um dado recurso eólico ser inferior devido a interferências naturais.
n) Categoria: Margem de Escoamento
É o risco do projeto sofrer qualquer restrição de acesso ao sistema de transmissão/distribuição de energia elétrica ou de, tendo o acesso, sofrer qualquer restrição de despachar energia elétrica. A restrição de acesso ou de despacho pode ser tanto temporária quanto definitiva. No caso da restrição de despachar, ela pode ser tanto sobre uma parcela do volume de energia elétrica produzida, quanto sobre o volume total.
Deve-se avaliar, para cada risco, possíveis causas, consequências, a severidade do potencial impacto no fluxo de caixa do projeto e respectiva probabilidade de ocorrência. Ao final, será possível concluir quais são os riscos mais críticos para os quais se deve dar maior prioridade na elaboração da estratégia de gestão de riscos do projeto. Recomenda-se o uso de uma matriz de riscos para facilitar a análise.
Na Tabela 1 segue proposta de Matriz de Riscos, adequada para projetos de geração eólica. Para exemplificar seu uso, listou-se dois riscos hipotéticos aplicáveis a projetos do setor. Ambos foram classificados sob as categorias “Engenharia & Construção”.
Tabela 1. Matriz de Riscos de projeto de geração eólica
Na segunda coluna da esquerda (“Risco”), devem ser listados riscos identificados específicos ao projeto em análise. Na coluna “Categoria” a segmentação do respectivo risco. Na coluna “Causas”, devem ser listadas todas as possíveis causas e atribuída nota referente à “probabilidade” de ocorrência deste risco, derivado destas causas. Na sequência, na coluna “Consequências”, devem ser listadas as prováveis consequências decorrentes da ocorrência do risco e atribuída nota referente à “severidade” do impacto no fluxo de caixa do projeto. Por fim, na última coluna da direita está a multiplicação dos parâmetros “severidade” e “probabilidade”, que possibilitará o mapeamento dos riscos mais críticos.
O parâmetro “probabilidade” representa a chance esperada de ocorrência de determinado risco. Deve ser dada nota de 1 a 5, sendo “1” possibilidade remota e “5” provável. O parâmetro “severidade” avalia o nível do impacto decorrente da materialização do risco no fluxo de caixa do projeto. Deve ser dada nota de 1 a 5. Quanto maior o produto dos parâmetros “severidade” pela “probabilidade”, maior atenção deve ser dada a este risco. Esta informação vale tanto para direcionar quais premissas devem ser submetidas à análise de sensibilidade (etapa 3), quanto para priorizar esforços na definição e aplicação da estratégia de alocação e mitigação destes riscos (etapa 4).
Tabela 2. Mapa de gestão de riscos
Etapa 3: Análise de Sensibilidade
Classificados os riscos mais relevantes, deve-se quantificar objetivamente seus potenciais impactos no fluxo de caixa do projeto. Para isso, recomenda-se fazer análises de sensibilidade de premissas – individualmente – no modelo econômico-financeiro. Nem todos os riscos identificados corresponderão a uma premissa específica do modelo. Nestes casos, para quantificá-lo, deve-se considerar suas consequências econômicas no fluxo de caixa do projeto.
Todos os resultados das sensibilidades devem ser comparados ao cenário base. Recomenda-se avaliar não somente os impactos no VPL e na TIR do fluxo de caixa livre ao acionista, mas também na TIR do fluxo de caixa livre ao projeto, no endividamento sobre usos totais e no volume de capital próprio necessário.
Estas análises municiarão o investidor/credor na avaliação da robustez da geração de caixa do projeto quando sujeito a situações adversas. Quanto maior a variação do retorno do projeto para cada variação unitária de uma premissa, mais representativa é esta premissa e este risco. Logo, maior deve ser a dedicação em mitigá-lo e compartilhá-lo com terceiros.
Etapa 4: Estratégia de Mitigação e Alocação dos Riscos
Mapeados os riscos mais relevantes e quantificados seus impactos potenciais, deve-se elaborar a estratégia de gerenciamento destes riscos. Quais ações tomar para diminuir a probabilidade de ocorrência de riscos e atenuar a severidade de suas consequências financeiras no fluxo de caixa do projeto?
Podem ser tomadas medidas de dois tipos: mitigadoras das causas dos riscos, visando diminuir a probabilidade de sua ocorrência; e mitigadoras das consequências, visando atenuar a severidade das consequências financeiras de sua materialização. A primeira trata de ações preventivas. A segunda, principalmente, de medidas para alocação/compartilhamento dos impactos financeiros dos riscos com terceiros.
Para ilustrar a diferença destes dois conceitos, serão analisadas ações de mitigação aplicáveis ao risco “sobrecusto na construção”, considerado na Matriz de Riscos da Tabela 1. Neste exemplo, seria medida de mitigação da causa realizar análise de solo e subsolo no local onde será construída cada uma das torres, previamente à contratação da construção. Com isso, seria possível estimar com maior precisão o orçamento para fundações. Seria medida de mitigação da consequência contratar apólice de seguro de Risco de Engenharia com cobertura para acidentes decorrentes de fundações e serviços correlatos. Neste caso, o sobrecusto seria alocado à seguradora até o valor do limite da cobertura. Portanto, a consequência financeira do risco seria compartilhada.
São cinco as estratégias possíveis de alocação das consequências da materialização de um risco: (i) para terceiros via contratos; (ii) para terceiros via apólices de seguro; (iii) para terceiros via o uso de derivativos; (iv) para terceiros por meio de instrumentos de garantias financeiras, como Seguro Garantia e Fiança Bancária; ou (v) assumir integralmente o risco. A estratégia de alocação para terceiros pode ser integral ou parcial (compartilhamento).
Na maioria dos casos as medidas de mitigação, tanto de causas quanto de consequências, trazem custo adicional ao projeto. Caberá ao investidor avaliar, via análise de sensibilidade no modelo financeiro, a relação risco retorno de cada medida.
Conclusões
A identificação dos diversos riscos depende do entendimento de um projeto em específico, inserido em um setor específico com localização específica (HOFFMAN, 2008)[7]. Para isso, é necessário entender e considerar as particularidades e riscos de projetos eólicos aplicados à realidade brasileira.
Da mesma forma, a relevância e abrangência de cada risco, assim como suas possíveis estratégias de mitigação e alocação dependerão das características de cada projeto. Para Hoffman (2008), os riscos de um projeto, cuja estruturação é feita por meio de project finance, devem ser alocados àqueles participantes mais capacitados a gerenciá-los. O racional é o de evitar agravação excessiva e desnecessária dos custos do projeto. Em todos os casos, medidas mitigatórias para as causas dos riscos são bem vindas. Isso, pois mesmo que um terceiro assuma determinado risco, ele irá buscar uma remuneração adequada por assumi-lo.
Ao final, o objetivo da análise é constatar se o nível de exposição pelo investidor/credor a riscos do projeto é tolerável e compatível com o retorno esperado.
[1] Fitch Ratings. Global renewables performance review: solar continues to surpass wind. Global Infrastructure & Project Finance. Special Report. Publicado em 16/01/2020.
[2] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília. 2002.
[3] BORGES, Luiz F. X.; FARIA, Viviana C. S. Project Finance: considerações sobre a aplicação em infraestrutura no Brasil. Revista do BNDES, v. 9, n. 18, p. 241-280, dez. 2002.
[4] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 232/2016. Dispõe sobre o modelo comercial do setor elétrico, a portabilidade da conta de luz e as concessões de geração de energia elétrica, altera as Leis nº 9.427/1996, 9.478/1997, 9.648/1998, 10.847/2004, 10.848/2004, 12.783/2013 e a MP n. 2.227/2001.
[5] DABUS, André. Riscos gerenciáveis e não gerenciáveis em concessões de rodovias. Revista de Direito Público da Economia, v. 15, n. 57, p. 43-79, jan-mar. 2017.
[6] FINNERTY, John D. Project financing: asset-based financial engineering. 3. ed. New York: John Wiley, 2013.
[7] HOFFMAN, Scott L. L. The law and business of international project finance. 3. ed. Ardsley: Cambridge, 2008.
Eduardo Tobias Ruiz é sócio fundador e Diretor da Watt Capital, empresa de assessoria financeira para investimentos e financiamento no setor de energias renováveis no Brasil. É especialista em análise de investimento, financiamento de projetos, M&A e desenvolvimento de negócios no setor de energias renováveis no Brasil. Foi Diretor e sócio da CELA Clean Energy Latin America de 2014 a 2020 e trabalhou como gerente de Project Finance e Desenvolvimento de Negócios na ERB – Energias Renováveis do Brasil de 2010 a 2014. Anteriormente, trabalhou na Bloomberg New Energy Finance (BNEF), Infinity Bio-Energy e banco JPMorgan Chase. Eduardo é professor da FGV Management e da FIA Business School e autor do livro “Análise de Investimento em Projetos Greenfield de Bioenergia”. Foi membro do Finance Expert team do Clean Energy Finance Solutions Center (NREL) de 2016 a 2018, membro do Subgrupo de Energias Limpas para o Brasil do Climate Bonds Initiative de 2017 a 2018 e Vice-Coordenador e co-fundador do Grupo de Trabalho de Financiamento da ABSOLAR de 2016 a 2017.
André Dabus é Diretor de Infraestrutura e Construção na Marsh Brasil. Com 37 anos de atuação no mercado de seguros, tem experiência em análise e desenvolvimento de Programas de Gestão de Riscos, Seguros e Garantias para os segmentos de Infraestrutura e Construção. Corretor de Seguros habilitado pela SUSEP e Advogado formado pela PUC-SP, é Pós-graduado em Direito da Infraestrutura pela Escola de Direito da FGV e certificação CP3P-F em PPPs pela AMPG Internacional. André também é Professor de MBA de Direito de Seguros e Resseguros da ENS-Escola Nacional de Seguros, Professor de MBA PPP´s e Concessões - FESP/LSE/REDEPPP, e Coordenador do Curso de Seguros e Garantias para Infraestrutura na ABDIB. Durante 2 anos, foi Presidente do Conselho Fiscal da ABSOLAR. Atualmente é Membro do Conselho Superior de Infraestrutura da FIESP, Membro do Conselho Consultivo da ABDIB, Membro do IBIDiC (Instituto Brasileiro de Direito da Construção) e Membro da AIDA (Associação Internacional de Direito de Seguros).
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