Opinião
A intervenção do Poder Legislativo e o Custo da Tarifa de Energia
O ponto a se avaliar é o quanto determinadas propostas legislativas estão ou não alinhadas com princípios basilares do serviço público como a modicidade tarifária e com a política energética nacional.
Coautor: Mariana Saragoça
Em especial ao longo dos últimos anos, o poder legislativo – estadual e federal – viu no setor de energia elétrica, dada sua essencialidade e capilaridade, um foco relevante de atuação perante os consumidores/eleitores. Em paralelo, agentes do mercado e associações setoriais enxergaram o potencial de contribuição do poder legislativo para pleitear incentivos e oportunidades para os seus respectivos nichos de negócios.
Tal situação vem produzindo uma participação cada vez mais intensa do Congresso Nacional no setor, não havendo dúvida acerca da sua competência e legitimidade para tanto.
O ponto a se avaliar é o quanto determinadas propostas estão ou não alinhadas com princípios basilares do serviço público como a modicidade tarifária e com a política energética nacional.
Quanto ao interesse público e a modicidade tarifária, não é muito frisar que, ao longo da última década, os encargos e tributos – que, em regra, são criados e alterados pelo próprio Congresso Nacional – são, talvez, os principais ofensores das tarifas de energia, chegando a representar mais de 40% do valor das tarifas de energia elétrica e superando os custos de transmissão e distribuição.
Exemplificando, podemos citar a edição da (a) Lei nº 14.300/2022, que estabeleceu o novo marco legal para a micro e minigeração distribuída garantindo a estrutura tarifária até então vigente para alguns consumidores até 2045, (b) Lei nº 14.120/2021 que endereçou, dentre outros, os aspectos relacionados à manutenção do desconto nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição ou (c) Lei nº 14.182/2021 que, juntamente com a aprovação da desestatização da Eletrobras, trouxe uma série de obrigações de contratação de energia com impacto direto nas tarifas de energia elétrica.
O resultado dessas e demais ações podem ser objetivamente identificados se avaliados os impactos na Conta de Desenvolvimento Energético – CDE – que centraliza a cobrança dos encargos setoriais – que saltou de cerca de R$ 14,1 bilhões em 2013 para R$ 34,9 bilhões em 2023 com um aumento já esperado de cerca de 6,24%, totalizando cerca de R$ 37,1 bilhões para o ano de 2024, como destacado na Nota Técnica nº 140/2023-STR-SGM-SFF/ANEEL.
Com o risco de agravar o cenário já bastante sensível, nas últimas semanas de novembro, o setor foi surpreendido com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 11.247/2018 que, incialmente, trataria do marco legal para a exploração de potenciais energéticos offshore. Com alterações promovidas pelos deputados, o PL acabou por incluir uma série de questões, como a prorrogação de contratos de térmicas a carvão até 2050, o repasse dos custos para a construção de gasodutos para os consumidores de energia elétrica e a extensão do prazo limite para início da operação comercial de empreendimentos com desconto nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição.
Não há dúvidas que tais medidas, como vem sendo amplamente defendido por agentes e associações setoriais, têm potencial de impactar direta e negativamente as tarifas de energia elétrica, que já estão pressionadas pelas ações tomadas nos últimos anos e ainda pelos impactos da COVID-19 e da crise hídrica.
Sobre o tema, não perdemos de vista os efeitos positivos das referidas medidas para determinados agentes, mas, sem dúvida, há de se ampliar o olhar e ponderar o efetivo custo-benefício e, em especial, se as referidas políticas públicas devem ser custeadas pelos consumidores de energia elétrica – e não pelos contribuintes.
Outro aspecto que salta aos olhos é o fato de os próprios congressistas, que discutem e aprovam subsídios, encargos e tributos que vão de encontro à modicidade tarifária, são os primeiros a questionar sua aplicação nos reajustes/revisões tarifárias homologados pela Aneel por meio de novas leis, ações judiciais, ou mesmo Projetos de Decreto Legislativo, como abordado no artigo O Congresso Nacional entre a canetada e a redução estrutural das tarifas de energia.
Em linhas gerais, os órgãos, entidades e agentes do setor elétrico têm travado discussões com elevado grau técnico para ampliar a liberdade do setor de energia elétrica com a abertura do mercado livre, com a redução/racionalização dos encargos/subsídios em benefício da modicidade tarifária, uma adequada atribuição de responsabilidades e riscos sem esquecer das questões ambientais e da transição energética.
Ocorre que, mesmo com as valiosas discussões e algumas ações adotadas nos últimos anos, ano após ano o setor elétrico se depara com medidas que têm por objetivo ampliar/postergar a duração de benefícios que, muitas vezes, acabam por privilegiar agentes específicos em detrimento do setor elétrico como um todo.
O referido Projeto de Lei ainda está sujeito à avaliação pelo Senado Federal, que pode e deve ampliar as discussões técnicas sobre o tema e realizar as devidas análises sobre custo-benefício, retirando do texto “jabutis” que certamente agravarão os problemas acima citados.
Resta aguardar a tramitação do processo no Congresso Nacional, valendo resgatar os princípios do setor elétrico aprovados pela Portaria nº 86/2018, em especial, a transparência e participação da sociedade nos atos praticados e a priorização de soluções de mercado frente a modelos decisórios centralizados.
Frederico Accon é Head de Energia do Stocche Forbes Advogados; Mariana Saragoça é sócia de Energia e Infraestrutura do Stocche Forbes Advogados