Opinião

Conflitos de interesse na distribuição, comercialização e GD

Aumentar o nível de interferência nas relações jurídicas e econômicas entre comercializadoras e consumidores no ACL ou, no limite, proibir tal atividade pode se revelar decisão com viés punitivo e desproporcional

Por Frederico Accon

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Coautor: Mariana Saragoça

Já há alguns anos, há um consenso acerca do caminho sem volta para um maior protagonismo do consumidor no setor elétrico, seja por meio da abertura do mercado livre de energia – como destacado no nosso artigo A abertura do mercado livre e respeito aos contratos – ou ainda por meio da exploração da micro e minigeração distribuída.

Essa nova dinâmica acaba por jogar luz sobre uma série de relações jurídicas complexas que vêm chamando a atenção dos órgãos, instituições e agentes do setor, como também comentado em Aneel, TCU e a segurança jurídica para os investimentos em GD.

Nos últimos meses, viu-se um crescimento de debates e questionamentos acerca da participação de grupos econômicos em diferentes elos desta cadeia, em especial nos segmentos de distribuição, comercialização e geração distribuída, o que resultou em manifestações da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel no sentido de “determinar que as áreas técnicas avaliem a legalidade e pertinência de declarar involuntariedades de sobras de energia decorrentes da atuação de partes relacionadas” e do próprio Tribunal de Contas da União – TCU que também destacou haver “indícios de potencial conflito de interesses, uma vez que cabe às distribuidoras a fiscalização dos empreendimentos de MMGD”.

Sem dúvida, há de se reconhecer a imprescindibilidade da fiscalização exercida pela Aneel e pelo TCU, em especial quanto a eventuais práticas abusivas que possam impactar negativamente o equilíbrio do setor e a modicidade tarifária. 

Deve ser levado em consideração também o argumento de que eventual restrição mais ampla à participação de grupos econômicos atuantes no setor de distribuição de energia elétrica nos segmentos de comercialização e geração distribuída dependeria de alteração legal (há, nessa linha, o Projeto de Lei nº 671/2024 em tramitação na Câmara dos Deputados). 

Por fim, é fundamental que as decisões sobre o tema sejam norteadas pelos princípios da livre iniciativa e da liberdade econômica previstos na Constituição Federal de 1988 e, mais recentemente, na Lei da Liberdade Econômica.

Quanto à abertura do mercado livre, muito se discute sobre (i) uma possível utilização de informações privilegiadas entre distribuidoras e comercializadoras de um mesmo grupo econômico; (ii) um possível tratamento, também privilegiado, quanto a informações, condições e antecipação de prazos nos pedidos de migração e, em discussões mais recentes, (iii) eventual impacto das migrações para o mercado livre via comercializadora do grupo econômico nos níveis de contratação da distribuidora.

Neste aspecto, é inquestionável que a Aneel tem o poder-dever de fiscalizar a atuação das distribuidoras de energia em questões atinentes (i) ao tratamento aos dados e informações dos consumidores e agentes, também em observância à Lei Geral de Proteção de Dados, de modo a evitar sua divulgação e a utilização de informação privilegiada; (ii) à obrigatoriedade de tratamento isonômico a ser conferido aos consumidores e agentes, sejam eles integrantes ou não de seu grupo econômico, quantos aos prazos, condições e informações para migração para o mercado livre.

Nesse contexto, se forem identificadas irregularidades, os agentes envolvidos devem ser punidos nos termos da regulamentação aplicável. No entanto, aumentar o nível de interferência e/ou regular de forma mais restritiva as relações jurídicas e econômicas entre comercializadoras e consumidores do Ambiente de Contratação Livre – ACL ou, no limite, proibir tal atividade pelo simples fato de serem atendidos por concessionária de distribuição integrante do mesmo grupo econômico pode se revelar uma decisão com viés punitivo e desproporcional.

Atribuir eventual responsabilidade à distribuidora – determinando o não reconhecimento da sobrecontratação involuntária, por exemplo – também parece não ter respaldo nas normas vigentes na medida em que não há gestão ou controle da distribuidora e seus dirigentes sobre as ações da comercializadora do mesmo grupo econômico – por vezes, inclusive, com acionistas distintos.

No mesmo sentido, impedir que determinada comercializadora de energia atue em área de concessão específica dificilmente traria os benefícios pretendidos – visto que os consumidores continuarão migrando para o mercado livre por meio de outras comercializadoras – ao ponto que a potencial redução da competitividade do setor, por óbvio, seria prejudicial aos próprios consumidores.

Quanto ao segmento de geração distribuída, também se discute (i) eventual utilização de informações privilegiadas por sociedades integrantes do mesmo grupo econômico; e (ii) um possível tratamento diferenciado quanto a prazos e condições técnicas para emissão/revisão de Orçamentos de Conexão e realização de obras.

Mais uma vez, não restam dúvidas sobre a competência da Aneel e seu poder-dever de fiscalizar todas as ações praticadas pelas concessionárias de distribuição, inclusive, se estão conferindo tratamento isonômico a todos os consumidores quanto a prazos e condições técnicas para acesso e uso da rede de distribuição, como manifestado pela própria Aneel em sua resposta ao TCU que indicou que “a Aneel tem a competência para fiscalizar a atuação da distribuidora na verificação do uso escorreito do SCEE”.

No entanto, avaliar e regular os contratos bilaterais privados firmados por consumidores e sociedades atuantes no segmento de minigeração distribuída, que sequer são formalmente reguladas pela Aneel, parece fugir às competências e finalidades da Agência Reguladora, como inclusive reconhecido pela própria Aneel em sua manifestação ao TCU quando afirmou que “a competência regulatória e fiscalizatória da Aneel alcança os agentes com outorga concedida pelo poder público. Assim, empresas relacionadas tais como controladora, suas coligadas e controladas de mesmo grupo econômico, mas que não possuem outorga, não são alcançadas diretamente pela regulação e fiscalização da Aneel”.

Sem dúvida, o tema – que deve permear intensas discussões ao longo dos próximos meses – merece ser detidamente avaliado pelos órgãos, instituições e agentes do setor. Em qualquer hipótese, as análises que fundamentarão a tomada de decisões devem ter a cautela de respeitar os limites das respectivas competências e os princípios da livre iniciativa, da liberdade econômica e da livre concorrência.

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