
Opinião
Investimentos em Transição Energética, se sustentáveis, permanecem
Projetos bem fundamentados e sólidos continuarão, possivelmente se beneficiando por se diferenciarem com iniciativas escaláveis e lucrativas

Depois de passar o Carnaval em Boston e Nova York visitando minhas filhas e ouvindo mais dos locais sobre o governo Trump, voltei ao Brasil ainda mais convencida das minhas teorias recentes sobre o que acontece com a transição energética nestes tempos sem precedentes e bastante bipolares. Precisamos escapar da armadilha euforia-depressão e ser apenas práticos.
O Green Deal Europeu, um conjunto de iniciativas políticas propostas pela Comissão Europeia com o objetivo de tornar a União Europeia neutra em carbono até 2050, foi aprovado há apenas 5 anos, em 2020. A Europa assumiu seu papel tradicional de referência na definição de marcos regulatórios globais.
Não seria necessário muito conhecimento matemático para concluir que, embora as metas sejam agressivas e impulsionem mudanças, as aspirações europeias não tinham bases de financiamento, dada a situação econômica da região e seus problemas internos.
Além disso, regras adicionais como o Carbon Border Tax, restrições a commodities agrícolas produzidas com práticas mais eficientes e sustentáveis e limitações aos biocombustíveis de primeira geração, por exemplo, aumentaram os desafios.
Um bom exemplo são os veículos elétricos. A tradicional indústria automobilística europeia ficou muito atrás em termos de competitividade no novo mundo dos EVs, apesar das metas mais agressivas de eletrificação.
O Inflation Reduction Act, a resposta quase trilionária dos EUA às mudanças climáticas do governo democrata, surgiu dois anos depois, em 2022. Na época, argumentava-se que o Ato foi aprovado pelo Congresso de uma forma que nem mesmo uma maioria republicana poderia desfazê-lo (talvez essa suposição tenha sido um pouco otimista).
Isso criou uma agenda de investimentos bastante focada nos EUA, porque não dizer protecionista, a ponto de gerar ineficiências energéticas e de emissões de carbono. Curiosamente, o programa beneficiou predominantemente estados republicanos até agora – cerca de 60% dos projetos aprovados estão em estados governados por republicanos, que receberam mais de 80% dos investimentos.
Quanto à qualidade dos projetos e aos critérios de seleção diante de tanta abundância de fundos, ouvi de diversas fontes da área que poucas escolhas eram escaláveis e que as iniciativas estavam muito dispersas – a exceção foi a captura de carbono, que por sua vez sofreu bastante com a questão de licenciamento.
Não me interpretem mal, isso não é uma crítica a esses programas ambiciosos e muito necessários. Está mais do que claro o quão urgente é combater as mudanças climáticas. Em vez disso, esta é minha tentativa de evitar outro movimento pendular em direção à depressão, ao ler e ouvir a turma mais idealista dentre os meus amigos da sustentabilidade.
Sob a administração Trump, as agendas de clima dependentes do governo definitivamente desacelerarão nos EUA. Empresas que se diziam comprometidas com a sustentabilidade apenas na superfície (ou greenwashers) mudarão rapidamente de rumo.
Da mesma forma, aquelas empresas que avançaram brutalmente para o mundo verde sob a onda de entusiasmo anterior, mas não necessariamente focaram em encontrar bons e sustentáveis modelos de negócios, também terão que mudar. Essas empresas indiscutivelmente existem, mas não são todas.
Acredito fortemente que aquelas com projetos bem fundamentados e sólidos continuarão, possivelmente se beneficiando por se diferenciarem com iniciativas escaláveis e lucrativas.
Quanto à Europa, isso parece uma oportunidade incrível para racionalizar ambições.
Ouvi que a política dos EUA pode acabar sendo responsável pela reunificação da Europa. A obsessão por consenso da região e os históricos conflitos entre aristocracia e trabalhadores, juntamente com dilemas de imigração, seguem sendo um enorme desafio, mas nada como uma ameaça para deixar velhas rusgas de lado e se tornar mais pragmático.
A indústria de guerra geralmente impulsiona padrões tecnológicos elevados, as universidades europeias podem recuperar participação dos EUA devido a restrições de imigração e financiamento na América de Trump, sem mencionar o risco à estabilidade democrática.
E sim, a energia nuclear será reconhecida como limpa, as metas de eletrificação serão estendidas, o protecionismo será focado em realmente reconstruir indústrias e talvez haja uma chance para a Europa prosperar novamente.
Olhem para os exemplos da Shell e da BP, as emblemáticas gigantes europeias. Ambas embarcaram em movimentos transformacionais para energias renováveis, de onde estavam, sentadas sobre montanhas de dinheiro de anos de altos preços do petróleo, caindo na armadilha de perder o foco e direcionar recursos para muitos projetos (não-escaláveis) no processo.
Essa é a receita do fracasso para multinacionais, mais burocráticas e ineficientes em custos. A Shell chegou a se tornar a maior investidora de capital de risco em energia nos EUA, em determinado momento. Tanto a Shell quanto a BP foram forçadas a enxugar e focar, mas tenho certeza de que continuarão buscando oportunidades economicamente viáveis em renováveis e captura de carbono, alavancando suas competências geológicas.
A relevância econômica pode ter sido perdida para sempre, mas o papel da Europa como um equilíbrio político e regulador global permanece de extrema importância.
Enquanto isso, a China segue focada, desenvolvendo novas indústrias que são e continuarão a ser as vencedoras da transição energética e do mundo impulsionado pela tecnologia. De baterias a painéis solares, de semicondutores a veículos elétricos, da agricultura à inteligência artificial: são vencedores eficientes, competitivos e economicamente sustentáveis.
E os chineses poderiam até seguir a ideia de fechar um grande acordo bilateral de créditos de carbono com o Brasil – sugerido no meu artigo anterior A nova era Trump – O Teorema das Invejas Positivas – comprando os créditos de carbono mais eficientes da conservação ou regeneração de florestas e tornando seus produtos ainda mais atraentes para a Europa. Que tal?
O que ouvi de alguns grandes investidores de private equity, que gentilmente abriram suas agendas para um café: continuamos comprometidos com o investimento de longo prazo na transição energética e estamos desesperados para encontrar projetos bons e sustentáveis, ponto final! Isso não é BS, de forma alguma! A barra está mais alta, mas para aqueles que têm um bom critério de seleção e algum dinheiro, é hora de ir às compras.