Opinião

Será que o ESG morreu?

Recentemente o Financial Times publicou a provocação “Quem matou o ESG?”*, trazendo uma série de entrevistas na tentativa de entender por que, de uma hora para outra, o tema foi do céu ao inferno na agenda do mercado financeiro.

Por Paula Kovarsky

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Não faz muito tempo, ESG se tornou figurinha fácil em qualquer conversa de mercado, a varinha de condão que resolveria todos os problemas, prometendo alinhar o lucro das empresas com um propósito. Investidores, gestores e companhias de todos os portes abraçaram a causa, acreditando que estavam no caminho certo para salvar o mundo e, de quebra, seus balanços. Era o fim do dilema “ganhar dinheiro” versus “fazer o bem” e um prato cheio para governos e políticos, representando uma oportunidade de evolução do capitalismo na sua função social. 

Prato feito para os exageros que se seguiram. Falando especificamente das questões ambientais e do tema de mudanças climáticas, o mundo rapidamente se comprometeu com soluções quase mágicas como acabar com a indústria de petróleo ou eletrificar o planeta, sem pensar nos desafios de implementação e suas consequências. 

Da mesma forma, investidores e bancos rapidamente se transformaram em vocais defensores da bandeira verde sem rever, de maneira concreta, seus critérios de alocação de capital ou de avaliação de risco de crédito. 

Enquanto isso, grandes programas de incentivo foram desenhados pelos governos dos países mais ricos, reforçando seu compromisso com a descarbonização, sem perder de vista o potencial de desenvolvimento das respectivas indústrias locais ou achando uma boa desculpa para justificar políticas mais protecionistas, enquanto os países mais pobres seguiram na tentativa de achar financiamento para suas iniciativas. 

Quem sabe uma avaliação mais perversa? A humanidade se defrontava com uma pandemia sem precedentes na história, momento certo para dar valor ao que dizia a ciência e levar a sério o tema de mudanças climáticas. Mas também estávamos todos confinados em nossas casas sem saber quando o pesadelo acabaria, o que se traduzia naquele momento em queda vertiginosa do consumo de combustíveis e energia pelo menos na indústria e comercio, boom das vendas online, boom de comunicação remota e consumo de streaming. 

Traduzindo em calls: portfólios que estivessem short em petróleo e energia e long em tecnologia (e, portanto, comprometidos com a agenda de baixo carbono) deveriam ser os grandes vencedores – estava fácil ser ESG!  

Como se diz por aí, felicidade é igual a expectativa menos realidade. As expectativas estavam claramente exageradas. Mas a realidade não fez por menos: a demanda se recuperou mais rápido ancorando inflação global, os desafios tecnológicos estavam subestimados, custo de capital aumentou vertiginosamente, guerra na Ucrânia, competição com alimentos, risco de recessão, eleições, guerra no Oriente Médio. Resultado, a tal felicidade se transformou em depressão. 

E pior, pegou o mercado despreparado, talvez iludido por um efeito momentâneo de leveza de consciência, ou acreditando que certificações padronizadas, com uma mentalidade de checklist e muito mais focadas em processo de reporte e transparência do que em planos sustentáveis de desenvolvimento de soluções seriam garantia de retorno. 

Exemplo. Me chamou atenção nas últimas semanas a atitude de empresas brasileiras que levantam a bandeira do ESG, sendo bem avaliadas pelo mercado nesse quesito, nas discussões relativas ao Renovabio, nosso exemplo de mercado de carbono em pleno funcionamento no Brasil. 

Não é a primeira vez que se questiona as metas de compra de CBios impostas às distribuidoras de combustíveis. Mas se antes o argumento (matematicamente equivocado como já discuti nesta coluna em outra oportunidade) era de aumento relevante de preço para o consumidor final, a tese agora está ancorada na perda de competitividade em função da inadimplência na aposentadoria dos CBios de certos participantes, velhos conhecidos da indústria e do governo por este tipo de prática no setor. 

A inadimplência chega hoje a assustadores 20% da meta estabelecida. Ao invés de pressionar ainda mais por fiscalização e punição pela inadimplência ou evasão fiscal, problema crônico que vai muito além do Renovabio, empresas sérias têm apelado ao Judiciário por liminares para relaxamento de suas próprias obrigações, alegando perda de competitividade, com risco de comprometer a integridade de um programa de descarbonização tão eficiente e bem estruturado, regido por regras transparentes de mercado.  

Sigo firme na minha convicção de que sustentabilidade financeira é parte integrante da gestão responsável de qualquer empresa, de qualquer cidade, estado ou país. Mais ainda acredito que, via de regra, incentivos econômicos corretos são a forma mais eficiente de fazer com que decisões economicamente viáveis e, portanto, sustentáveis, sejam tomadas. 

Mas daí a mudar de ideia ou advogar em causa própria porque o call deu errado, o bolso apertou ou a maré virou contra são outros quinhentos. E ainda por cima chamar isso de ESG, boa gestão ou compromisso com sustentabilidade fica ainda pior. 

Enfim, ajustadas as expectativas, exageros e excessos de qualquer natureza, cabe voltar à questão central e real nessa discussão: a escalada visível dos impactos das mudanças climáticas, que se tornam cada vez mais corriqueiros e mais visíveis: secas, alagamentos, ondas de frio e calor fora de época, geadas, quebras de safra, dois anos seguidos de temperaturas nas suas máximas históricas, sequências climáticas estatisticamente impensáveis em outros tempos, e perdas gigantescas de dinheiro e principalmente de vidas. 

Qualidade ou transparência de um reporte não podem jamais se sobrepor às iniciativas concretas, reais e eficientes de criar soluções justas e viáveis para promover a descarbonização global. 

A verdade é que se o mundo real reagisse com a mesma intensidade e com os mesmos exageros do mercado financeiro, morreríamos todos de enfarte e as mudanças climáticas não seriam mais uma questão. 

Sustentabilidade é assunto sério, urgente, requer compromisso, e não vai morrer tão cedo.

*https://www.youtube.com/watch?v=hMW_pT7w-Y8

 

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