Opinião

Etanol celulósico: é verdade e é do Brasil

O E2G é um exemplo brasileiro e pioneiro de inovação tecnológica para descarbonização em escala global, capturando prêmio significativo no mercado europeu por aumentar em até 50% a produção, sem ocupar um hectare adicional de terra plantada. Confira o artigo de Paula Kovarsky.

Por Paula Kovarsky

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“De onde se espera que venha uma grande ruptura tecnológica? De uma startup no Vale do Silício.” Assim começou o podcast* de um professor de Harvard, responsável pela cadeira de mudanças climáticas, narrando um case escrito sobre um projeto único e pioneiro de descarbonização em escala global, desenvolvido por uma empresa de um setor centenário: o etanol de segunda geração (E2G) ou etanol celulósico, desenvolvido pela Raizen, aqui no Brasil. 

O país já era pioneiro, com a primeira planta de etanol de segunda geração, operando em escala industrial no mundo. Em maio, foi inaugurada oficialmente a maior planta de etanol de segunda geração do mundo. Importante entender quantos paradigmas estão sendo quebrados nesse momento em que o Brasil tem a possibilidade de se firmar no papel de protagonista mundial na agenda de descarbonização. 

Lembro bem das conversas que tive com potenciais investidores ou financiadores de projetos de etanol celulósico antes da pandemia quando morava nos Estados Unidos. Cerca de USD 7 bilhões foram investidos naquele país em tentativas falhas de desenvolver essa tecnologia. Fácil imaginar o olhar de desdém dos “gringos” pensando que: “se eles não conseguiram, seriamos nós, brasucas, que iríamos conseguir?”. Fora isso, acreditar que uma indústria tão antiga quanto a da cana-de-açúcar, uma típica incumbente, seria capaz de desenvolver uma tecnologia de ponta no seu próprio quintal parecia totalmente improvável, para não dizer impossível. 

Mas não são só os “gringos” que têm resistência para entender o tamanho da oportunidade que estamos criando para o Brasil. A concretização desta jornada inclui industrialização, exportação de tecnologia e monetização de atributos de sustentabilidade com prêmio relevante em mercados desenvolvidos, que não tem alternativa para atender seus compromissos de descarbonização. Estamos discutindo ativamente as oportunidades que a chamada economia verde pode criar no Brasil no contexto das recomendações que devemos levar para o G20, que acontecerá no Rio de Janeiro no final do ano. Precisamos entender que o potencial do E2G é essencial.

O primeiro tema que merece atenção é a questão da industrialização, ou aumento da complexidade da economia brasileira. Em outras palavras, criar oportunidades para além da exportação de commodities, atraindo investimentos para indústria, agregando valor aos produtos e criando empregos. Nessa agenda cabem projetos ambiciosos como renascimento da indústria de aço e alumínio, hidrogênio e outros, que de fato podem ser transformacionais para o Brasil no médio prazo. Mas para quem não sabe são necessários investimentos de mais de R$1 bilhão por planta de E2G, criando quase mil empregos diretos e indiretos. Se isso não é industrialização, no presente, gerando benefícios concretos, não saberia dizer o que é. 

Além disso, este produto já está sendo vendido na Europa pelo triplo do preço do etanol praticado no mercado local. Olhar para o E2G como mais uma commodity é, no mínimo, uma simplificação. No caso da Europa, onde terra agricultável é um bem escasso e a competição com a produção de alimentos um grande problema, os chamados biocombustíveis avançados ou produzidos a partir de resíduos têm enorme valor no mercado. O E2G é produzido a partir do bagaço da cana, o que permite aumentar em cerca de 50% a produção, sem necessidade de plantar sequer um hectare de terra adicional, tendo ainda pegada de carbono cerca de 30% menor que a do etanol comum, contribuindo ainda mais para melhor precificação.

Sendo uma tecnologia única e com patente nacional, esse processo de produção de combustíveis avançados a partir de uma matéria prima disponível, confiável, rastreável e abundante poderá ser exportada para outros países produtores de cana de açúcar como Índia, Tailândia, Austrália e até os Estados Unidos. O Brasil será exportador de uma tecnologia de ponta que pode e vai contribuir muito para a criação de renda adicional no campo e descarbonização economicamente viável em países como a Índia ou, pasmem, para redução de queima de bagaço de cana nos Estados Unidos, em estados como a Flórida. 

Se explorarmos o potencial total de produção de E2G no Brasil, usando todo o bagaço de cana disponível no setor, seria possível aumentar em 50% a produção de etanol no país sem qualquer adição de área plantada, atraindo investimentos de dezenas de bilhões de dólares, gerando um produto premium, tipo exportação, com enorme valor e escassez internacional. 

Mais uma oportunidade que não podemos desperdiçar. E nem sobrou espaço para falar da possibilidade de eletrificar caldeiras usando energia renovável, outra das nossas vantagens competitivas, para liberar mais bagaço, produzir mais E2G, e exportar energia na forma desta molécula. Fica para o próximo artigo!

*Ouvir ou ler a transcrição do podcast em https://hbr.org/podcast/2024/01/can-second-generation-ethanol-production-help-decarbonize-the-world

 

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