Opinião

$ustentabilidade se escreve com $ e carbono deveria ser moeda

Meu último artigo escrito em agosto começou com uma pergunta: “Será que o ESG morreu?” - provocada por uma matéria do Financial Times, “Quem matou o ESG?”. Apenas três meses se passaram. Parecem anos.

Por Paula Kovarsky

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Concluímos os trabalhos da força tarefa de Transição Energética e Clima do B20, construindo recomendações objetivas, apesar da diversidade de empresas e países envolvidos nas discussões. Foco em eficiência energética, aumento do uso de renováveis, incluindo bioenergia, e incentivo a soluções baseadas na natureza, com urgência e foco.

Foi promulgado o PL do Combustível do Futuro, criando mecanismos para aumentar o uso de etanol, biodiesel e biogás no Brasil e criando as bases para o desenvolvimento de outros biocombustíveis no país, como o SAF.  

O governo brasileiro publicou, semana passada, a revisão da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês) alinhada ao Acordo de Paris, se comprometendo a cortar entre 59% e 67% as emissões dos gases de efeito estufa em relação às emissões do ano de 2005 até 2035, mantendo também o compromisso de ser Net Zero em 2050.

Por fim, o PL de regulação do mercado de carbono passou no Senado. Podemos discutir alguns jabutis incluídos no PL ou lacunas em relação ao mercado regulado, ou questionar a banda de redução de emissões da NDC ao invés de um número objetivo. Mas a verdade é que tanto a NDC quanto o PL, que em tese não teria razão para não ser aprovado na Câmara agora, são instrumentos essenciais para manter o Brasil no jogo dos investimentos verdes.

Uma série de avanços importantes, sem sombra de dúvida, que abrem caminho para a descarbonização eficiente no Brasil, com a existência de um mercado de carbono regulado e, principalmente, que converse com iniciativas internacionais, incentivo a novas tecnologias, reforço da importância de redução de desmatamento e incentivo ao reflorestamento.

Mas nenhum deles resolve o ponto mais crítico e essencial, o tema central da agenda de descarbonização: como financiar, de forma eficiente, inteligente e justa, a descarbonização global. Como me ensinou Sonia Consiglio, ESG nasceu faltando um E, de economics e devia chamar EESG. Ou nas sábias palavras da ex-ministra Isabela Teixeira, “de todos os tons de verde, o que interessa é o dólar para pagar as contas”.

Há um tempo, inventei um termo - GREEN2, para definir foco em produtos mais verdes que pudessem comandar prêmios cada vez maiores, em dólar (ou, de forma mais abrangente, em moeda forte). Por trás disso sempre esteve a clareza de que o Brasil, ainda que extremamente bem servido de alternativas viáveis de energia renovável e dono da maior floresta tropical do mundo, jamais teria condições de pagar por esses produtos em meio a tantos outros desafios socioeconômicos.

Outros países, especialmente os mais ricos e, talvez por ironia, com muito menos alternativas eficientes de descarbonização, teriam de pagar a conta, já que nenhum projeto é verdadeiramente sustentável se não for economicamente viável, ou economicamente sustentável. 

A COP29 começou com avanços nas discussões relativas ao Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado global de créditos de carbono. O desafio de criar um mercado realmente global de créditos de carbono é gigantesco, especialmente num mundo que, ao menos por ora, caminha na direção inversa: de maior protecionismo, maior isolamento, friendshoring ou nearshoring de cadeias produtivas.

Bancos centrais mundo afora vêm evitando a todo custo o desenvolvimento de uma criptomoeda que possa verdadeiramente unificar os fluxos financeiros internacionais de forma descentralizada. A justificativa segue sendo a volatilidade dessas moedas na ausência de um lastro físico, ou simplesmente o medo de perder o controle sobre os fluxos de capital e da soberania econômica. Talvez o mais legitimo dos argumentos seja a incapacidade de fiscalização e consequente mal uso de cripto moedas para lavagem de dinheiro.  

Os créditos de carbono poderiam se transformar na única moeda realmente global, viabilizando de fato o financiamento da descarbonização em escala mundial, funcionando como elo de uma agenda unificada que precisa avançar de forma coordenada para combater uma questão que afeta essencialmente a todos.

Seria possível incentivar um país mais pobre a manter suas florestas em pé ao invés de desmatar para se desenvolver, plantar ou simplesmente ter o que comer. Seria possível incentivar a produção de alimentos onde o clima é mais favorável à eficiência agrícola.

Seria possível produzir biocombustíveis onde as condições climáticas e agrícolas são melhores e, portanto, mais eficientes e, assim, remunerar adequadamente esses produtos ao invés de transportá-los para outros países em navios movidos a combustíveis fósseis.

Bem definidas as regras de contabilização, os créditos de carbono seriam por definição ativos reais. E seria possível dar liquidez aos créditos, permitindo melhores estimativas de remuneração futura e hedge. No limite, seria realmente possível quantificar o valor futuro da descarbonização, ou o verdadeiro risco implícito em não cuidar dessa questão rápido, muito rápido.

Passou o tempo das discussões acadêmicas e passou o tempo da ideologia. O mercado de capitais embarcou numa onda de investimentos verdes, mas não mostrou ainda real compromisso na forma de alocação de risco e custo de capital, em grande parte pela incapacidade de precificar corretamente o risco futuro.

Os governos seguem tentando lidar com suas questões. A eleição americana trouxe incertezas sobre a continuidade da agenda de descarbonização naquele país, para dizer o mínimo.  

Mas desde sempre os fluxos financeiros são os grandes propulsores das grandes mudanças globais. Tratar carbono como moeda talvez seja, portanto, a única solução!

Repito o final do artigo anterior, ajustando para o trocadilho: $ustentabilidade se escreve com $, é assunto sério, urgente, requer compromisso, e não vai morrer tão cedo.

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