Opinião
Nova era Trump e o Teorema das Invejas Positivas
Quem sabe o novo posicionamento dos Estados Unidos na verdade possa criar uma bela oportunidade, para o Brasil por exemplo.
Escrevo esse artigo em momento peculiar - acabo de assistir a cerimônia de posse de Donald Trump, com direito a frases como "drill baby drill", ou "liquid gold", referindo-se ao petróleo e ao objetivo de aumentar ainda mais a produção de óleo e gás nos Estados Unidos, e confirmando as expectativas de que seu governo abandonaria o Acordo de Paris.
As falas do presidente da maior economia do mundo são, sem dúvida, desanimadoras. Ainda que o protocolo de Kioto tenha sido assinado há quase 30 anos e que o Acordo de Paris esteja prestes a completar 10, a última COP trouxe finalmente avanços relevantes em relação ao Artigo 6o do Acordo de Paris, que trata justamente da criação de um mercado global de créditos de carbono e da possibilidade de cooperação entre países e/ou entes privados nesse tema.
Não por acaso, a COP de Baku foi definida como a COP das finanças ou do foco nos mecanismos de financiamento da agenda climática. Foram definidas finalmente as diretrizes para estabelecer os critérios/requisitos de remoção e redução das emissões, definição das atividades que poderão se enquadrar como emissoras de créditos, a partir de um conjunto de critérios que deverão ser formalmente adotados pelos países signatários do Acordo de Paris.
Foram também desenhados mecanismos de contabilização ou compensação entre países e o impacto nas respectivas NDCs (metas de redução de emissões). Ainda existem grandes desafios de implementação, mas o avanço foi grande, já que a definição de mecanismos de reconhecimento e troca de créditos de carbono são essenciais ao financiamento dessa agenda e a transferência de recursos dos países mais ricos aos menos favorecidos ou mais bem posicionados para promover a descarbonização de forma eficiente, tema que já discuti nessa coluna em outras oportunidades.
Mas de que vale esse avanço sem metas concretas? 2025 foi definido como o ano em que todos os países signatários do acordo teriam realinhado suas metas de redução de emissões até 2035 e logo agora os Estados Unidos desembarcam do acordo. Pior, uma série de bancos, fundos de investimento e até seguradoras seguem o (mau) exemplo e desembarcam da Financial Alliance for Net Zero, a maior coalizão global do mercado financeiro para o clima lançada em 2021.
Será que esse é o começo do fim da agenda climática? Pior, justo na nossa vez de sediar uma COP e principalmente liderar genuinamente essa agenda com grandes benefícios econômicos para o país?
Quem sabe nem tudo está perdido? Vamos ao "teorema das invejas positivas". Inventei essa denominação em alguma das muitas transformações ou processos de mudança dos quais participei ou liderei na minha vida profissional.
O princípio em si é bem simples. Quando se quer criar algo realmente diferente é muito difícil convencer as pessoas a embarcarem de vez. Algumas simplesmente não entendem, outras acham muito arriscado. Muitas sentem desconforto com mudança ou ficam paralisadas pelo medo do desconhecido - “time que está ganhando não se mexe". Tem a turma que prefere esperar para ver se vai dar certo. Tem quem simplesmente torce contra por esporte. E tem quem não necessariamente discorda contanto que não atrapalhe seus próprios interesses.
Fazer um piloto para testar um processo, produto ou nova tecnologia é sempre um bom caminho. Criar um protótipo, testar a eficiência ou viabilidade e depois escalar. Essa tem sido a forma de operar das startups e das áreas de inovação das empresas, pelo menos as mais evoluídas.
Convencer ou pelo menos contar com o apoio do CEO e do conselho costuma ser uma boa forma de empurrar ideias. Chefe jogando contra normalmente dificulta bem o processo. Mas quando alguém compra a ideia e ela começa a dar resultado, todo mundo quer replicar. De louco ou visionário você se transforma em potencial grande parceiro. Aí dá aquela invejinha no time do lado e quase que por gravidade as organizações vão aderindo e se transformando.
Quando a proposta envolve interesses políticos e econômicos, a história fica ainda mais complicada. Criar um caso de sucesso, demonstrar resultados concretos muitas vezes é ainda mais difícil, uma vez que os projetos quase sempre são de longo prazo. Nessa hora, calibrar ambição e expectativas se torna absolutamente crítico. Ser realista e trocar o ótimo pelo bom ou, como prefiro, começar pelo bom e depois aprimorar e transformar em ótimo costuma ser uma boa prática.
Como aplicar o teorema num projeto complexo e desafiador, que mexe com interesses políticos, econômicos, como criar um mercado global de créditos de carbono para lutar contra as mudanças climáticas que tem dado mostras claras do seu potencial de destruição.
Ainda que o objetivo final seja, sim, criar um mercado global de créditos de carbono, que possa funcionar efetivamente como um mecanismo eficiente de promoção de projetos de descarbonização e financiamento entre países, tentar fazer isso justo agora com a principal potência econômica jogando contra pode não ser a melhor estratégia.
Quem sabe escolher um ou dois parceiros fortes, e focar em acordos bilaterais relevantes nesse caso, pode ser um caminho mais factível e pragmático? Começar por acordos possivelmente privados ou bilaterais ao invés de multilaterais como forma de botar a bola para rolar. Sempre ouvi como contraponto que isso jamais daria a escala necessária e apenas o mercado regulado resolveria esse impasse a partir da imposição de metas ou taxas com escala.
A definição concreta das metas ou obrigações segue sendo uma grande questão e o desembarque dos Estados Unidos um certo banho de água fria.
A escolha das partes de um acordo bilateral pode ser a grande sacada. Quem sabe o novo posicionamento dos Estados Unidos na verdade possa criar uma bela oportunidade, para o Brasil por exemplo.
Seguimos aqui torcendo pela oportunidade de aumentar ainda mais as vendas brasileiras de grãos para a China, num cenário onde aumentam as animosidades entre Estados Unidos e este país, com aumento recíproco de taxas a importações.
Ao mesmo tempo, a China precisa encontrar caminhos de retomar o crescimento, num momento em que outro grande plano, ancorado em investimentos em infraestrutura e real estate, parece esgotado.
Por outro lado, a China conseguiu criar a maior indústria de equipamentos para energias renováveis, como solar e eólica, e desenvolveu a mais competitiva das indústrias de veículos elétricos do mundo, mas sua matriz energética segue predominantemente ancorada em combustíveis fósseis, principalmente o carvão.
Se os Estados Unidos estão temporariamente fora como mercado para esses produtos, outros países da Europa seguem sendo mercados importantes, que adorariam poder comprar produtos chineses mais competitivos, mas também produzidos de forma mais sustentável.
Por que não adicionar aos grãos um grande acordo bilateral de venda de créditos de carbono para a China?
Juntar num grande acordo a segunda maior economia do mundo e o país dono da maior floresta tropical e maior celeiro do planeta, com práticas reconhecidas de agricultura sustentável, eficiente e competitiva poderia criar um arrasto importante para o mercado global.
Uma parceria com o Brasil nesse sentido aumentaria ainda mais a competitividade e a aceitação de produtos chineses na Europa, possivelmente atraindo outros países asiáticos e fabricantes de produtos industrializados a aderir à ideia, e outros países da América Latina ou da África a seguirem o Brasil.
Quando os Estados Unidos acordassem para o fato de que reduzir o foco em descarbonização pode se transformar numa grande desvantagem competitiva, o resto do mundo teria conseguido desenvolver um modelo inteligente e eficiente de cooperação e descarbonização global, no limite criando uma verdadeira nova moeda para transações internacionais, um ativo real que pode e deve ser criptografado, que pelo menos por enquanto não é percebido pelos bancos centrais como ameaça a soberania... e o céu é o limite.
A ideia pode parecer meio louca, mas se tem uma coisa que move montanhas ao redor do mundo é ver o principal inimigo ou competidor político-econômico largando na frente numa jornada que não tem volta e que certamente vai influenciar a dinâmica mundial de uma forma ou de outra.
Nada como criar uma inveja boa, positiva, com propósito, força motriz do meu teorema!