Opinião
O atraso no Licenciamento Ambiental e o direito na Transmissão
Ainda que o atraso do licenciamento ambiental não seja considerado como excludente de responsabilidade para fins da extensão do prazo das concessões, entende-se que os concessionários fazem jus ao reequilíbrio econômico-financeiro de suas concessões
Coautora: Mariana Saragoça*
No último mês de agosto, escrevemos sobre as Repercussões de uma possível paralisação das agências reguladoras, avaliando regras da Lei nº 13.874/2019, a chamada Lei da Liberdade Econômica, que prevê, para alguns casos de liberação de atividade econômica, a aprovação tácita em caso de inércia da administração pública.
Para além da “operação padrão” e risco de paralisação das atividades das agências reguladoras, dentre elas a Aneel, o setor elétrico também observou riscos significativos à sua atividade econômica decorrente de movimento semelhante adotado, por vários meses, pelo Ibama, o que pode ter impactado significativamente os processos de licenciamento ambiental.
Ainda que se tenha noticiado a celebração de acordo entre o governo e os funcionários do Ibama para o encerramento do movimento, os processos de licenciamento ambiental ainda têm risco de atrasos relevantes, seja em decorrência de um possível acúmulo de processos iniciados no período citado, seja em razão do próprio volume de pedidos vis-à-vis a quantidade de servidores, como manifestado pelo próprio Ibama segundo a matéria Demora no licenciamento ambiental de LTs é reflexo de alta na demanda.
Ainda que possa haver prejuízos às atividades dos segmentos de distribuição e geração, pretende-se destacar, neste artigo, efeito perverso que se avizinha no segmento de transmissão.
Isso porque, já para o próximo dia 27.09.2024, está prevista a sessão pública do Leilão de Transmissão nº 02/2024, momento em que os futuros concessionários de transmissão, com base nos seus modelos de investimentos e nos riscos assumidos, oferecem o valor da Receita Anual Permitida (RAP) a ser recebida – com os devidos reajustes e revisões – pelos próximos quase 30 (trinta) anos, valores estes que serão arcados pelos consumidores de energia.
É exatamente em razão deste compromisso que se entende que todas as obrigações e riscos devem estar devidamente ponderados já neste mês de setembro, de modo a viabilizar a adequada competição em benefício da modicidade tarifária.
O ponto a se destacar no que se refere ao licenciamento ambiental é que, diferentemente de atos de liberação de atividade econômica praticados pelas agências reguladoras – e que, em determinadas situações, estariam sujeitos à aprovação tácita –, o Decreto nº 10.178/2019 prevê que não estão sujeitos à aprovação tácita os processos administrativos de licenciamento ambiental, na hipótese de exercício de competência supletiva ou os demais atos públicos de liberação de atividades com impacto significativo ao meio ambiente.
Em uma análise preliminar, poder-se-ia concluir que eventual atraso no licenciamento ambiental não seria, de todo, impactante, visto que os próprios contratos de concessão de transmissão preveem que atrasos em prazos superiores aos legalmente estabelecidos não são um risco assumido pelo concessionário (vide cláusula Décima Sexta, Primeira Subcláusula, “m” dos Contratos de Concessão do Leilão de Transmissão nº 01/2024).
Tal entendimento é pacífico na Diretoria da Aneel que, com base no Art. 19 da Lei nº 13.360/2016, vem sistematicamente reconhecendo tal atraso como excludente de responsabilidade e decidindo pela alteração de cronogramas de implantação e correspondente extensão do prazo das concessões.
Ocorre que um dos principais aspectos que permitiu o aumento da competitividade e a consequente e significativa redução das RAPs ofertadas no âmbito dos Leilões de Transmissão, em claro benefício do interesse público e da modicidade tarifária, foi a possibilidade de antecipação da operação comercial e do recebimento da receita pelas concessionárias de transmissão, fator que, no entendimento da Aneel, seria um risco integralmente assumido pelo concessionário. Por tal razão, o concessionário não faria jus ao reconhecimento de excludente de responsabilidade em caso de atraso no licenciamento ambiental que impacte a antecipação das obras.
Nas palavras da Diretoria da Aneel no âmbito do processo administrativo 48500.004687/2020, “fica claro que houve uma frustração da previsão da recorrente de entrada em operação comercial antes da data prevista em seu Contrato de Concessão. Embora a possibilidade de entrada em operação comercial antecipada com relação ao previsto pelo Contrato de Concessão seja um dos elementos que tornaram os Leilões de Transmissão mais atrativos para o mercado, não há obrigatoriedade, e sim uma possibilidade franqueada ao empreendedor. Portanto, no presente caso não há amparo em qualquer dispositivo legal, regulamentar ou do Contrato de Concessão, que permita atender ao pleito de recomposição de 5 (meses) ao final do prazo de concessão, tal como pretendido pela recorrente, em razão de potencial frustração de sua expectativa de entrada em operação comercial antecipada (...)”.
Embora existam argumentos para defender o entendimento acima, é imprescindível observar que, para além do citado Art. 19, que prevê a possibilidade de alteração do cronograma e de extensão do término do Contrato de Concessão, a legislação vigente e os próprios contratos de concessão possuem previsão ampla acerca da obrigatoriedade de garantir o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Nestes termos, ainda que o atraso do licenciamento ambiental não seja considerado como excludente de responsabilidade para fins da extensão do prazo das concessões, entende-se que os concessionários afetados fazem jus ao reequilíbrio econômico-financeiro de suas concessões, por qualquer outra modalidade admitida, inclusive mediante a revisão das tarifas.
Isso porque, não há dúvidas de que há um direito à antecipação da operação comercial e ao recebimento da RAP, e que tal direito, como reconhecido pela própria Aneel, faz parte da equação econômico-financeira dos contratos de concessão de transmissão.
Isto posto, existem fundamentos legais e contratuais para sustentar que eventos decorrentes de caso fortuito, força maior e fato do príncipe, incluindo, por exemplo, atrasos no processo de licenciamento ambiental decorrentes de greves, apesar de não serem reconhecidos como excludente de responsabilidade para fins da extensão do prazo da concessão nos termos do Art. 19 da Lei nº 13.360/2016, devem ser reconhecidos para fins da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Trata-se de reconhecer o direito dos concessionários de transmissão, que certamente consideram o cenário de potencial antecipação quando da participação dos leilões de transmissão e que têm sua expectativa frustrada mesmo quando observado fato superveniente não gerenciável que afeta a equação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
*Mariana Saragoça é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados.