Opinião
O exemplo do carvão australiano
Em 2022, o país produziu cerca de 550 milhões de t, das quais 390 milhões foram exportadas, gerando US$ 110 bilhões. No mesmo ano, o Brasil produziu apenas 6,1 milhões de t, sendo toda a produção destinada ao consumo interno.
Em visita à Austrália, passei os últimos dias descobrindo como um país, descoberto 200 anos depois do Brasil, pode nos ensinar sobre o uso e o futuro da mineração. Maior exportador de minério de ferro e segundo maior de carvão no mundo, os australianos tem na atividade mineradora um dos principais pilares de sua economia, uma das razões fundamentais para o seu desenvolvimento e a garantia de um futuro promissor e sustentável.
Por décadas, o carvão mineral tem sido tratado como vilão no debate ambiental global, mas sua relevância como impulsionador do desenvolvimento econômico é inegável. Enquanto a Austrália se destacou no cenário internacional, com sua eficiente exploração e exportação do recurso e investimento em desenvolvimento tecnológico, o Brasil ainda luta para equilibrar suas reservas e potencial econômico com questões ambientais e energéticas. A comparação entre os dois países evidencia como o carvão, quando bem gerido, pode ser uma ferramenta estratégica de crescimento.
Com vastas reservas de carvão de alta qualidade, a Austrália é hoje um dos maiores exportadores globais do recurso. Em 2022, o país produziu cerca de 550 milhões de toneladas, das quais 390 milhões foram destinadas à exportação, gerando impressionantes US$ 110 bilhões. Essas cifras fazem do carvão o segundo principal produto de exportação, atrás apenas do minério de ferro, e juntos garantem uma contribuição de aproximadamente 2% ao pib australiano.
A indústria do carvão mineral gera mais de 50 mil empregos diretos, além de fomentar uma cadeia de serviços e infraestrutura. Cidades inteiras, como Newcastle, se desenvolveram em torno dessa atividade, consolidando-se como polos de transporte e logística. O Porto de Newcastle, por exemplo, é o maior terminal de exportação de carvão do mundo, demonstrando a eficiência logística do país.
Mesmo diante da pressão por descarbonização, a Austrália busca equilibrar sua dependência econômica do carvão com avanços tecnológicos. Ferramentas de automação e inteligência artificial são amplamente utilizadas para minimizar custos e impactos ambientais. A geração de energia e o uso do carvão metalúrgico na produção de aço seguem como pilares da economia australiana, com clientes-chave como China, Japão e Coreia do Sul.
Enquanto a Austrália aproveitou suas reservas para alavancar sua economia, o Brasil tem uma abordagem tímida em relação ao carvão mineral. Em 2022, o país produziu apenas 6,1 milhões de toneladas, sendo toda a produção destinada ao consumo interno. As reservas brasileiras, concentradas na região Sul, apresentam desafios técnicos devido ao alto teor de enxofre e cinzas, mas possuem potencial econômico que permanece subaproveitado. No Brasil, o carvão representa apenas 1,3% da matriz energética, sendo utilizado majoritariamente em usinas termelétricas localizadas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A prioridade histórica do país em fontes renováveis, como a energia hidrelétrica, relegou o carvão a uma posição secundária. No entanto, isso também limita a diversificação da matriz energética e o aproveitamento econômico do recurso.
A comparação entre Austrália e Brasil não deixa dúvidas: o carvão, longe de ser um problema, é uma oportunidade. Com uma estratégia bem definida, o Brasil poderia reavaliar o uso do recurso em sua matriz energética, especialmente como solução de curto prazo para o aumento da demanda energética e na produção de fertilizantes nitrogenados tão importante na segurança alimentar. Países como Alemanha e Japão, embora comprometidos com metas climáticas, ainda dependem do carvão em momentos críticos, especialmente em períodos de crise de fornecimento de energia. Só na Austrália, em 90 dias, foram aprovados 17 projetos de expansão de minas de carvão. E se o Brasil sediará a COP 30, neste ano, a Austrália será a sede da COP 31, em 2026.
A adoção de tecnologias mais limpas, como a captura e armazenamento de carbono, poderia reduzir os impactos ambientais e abrir portas para um aproveitamento mais sustentável do recurso. Com o mundo cada vez mais atento à transição energética, é inevitável que o papel do carvão seja repensado. No entanto, desconsiderá-lo como fonte estratégica de energia e desenvolvimento seria um erro. A Austrália mostra que é possível aproveitar o recurso de forma eficiente, gerando riqueza e emprego enquanto se investe em novas tecnologias para mitigar os impactos ambientais.
Para o Brasil, o desafio está em equilibrar sua abundância de recursos naturais com as demandas por sustentabilidade. Investir em infraestrutura, modernizar a cadeia produtiva e reverter o passivo ambiental são passos fundamentais para transformar o carvão em um aliado estratégico do crescimento nacional. Toda a reinvenção da indústria do carvão poderá ser feita se tivermos o atual parque termelétrico operando, gerando recursos para Pesquisa e Desenvolvimento e tendo o tempo necessário, dentro da legislação brasileira e acordos internacionais, para ter uma economia com carbono neutro em 2050. A história da Austrália nos ensina que, com planejamento e tecnologia, o carvão pode ser mais do que uma sombra do passado: pode ser o motor de um futuro próspero.