Opinião

Créditos de carbono na União Europeia: lições e reflexões para o Brasil

Ao considerar a implantação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o Brasil tem uma oportunidade única de aprender com as experiências do EU ETS, mas é crucial que se adapte à realidade brasileira, considerando nossas particularidades econômicas, sociais e ambientais.

Por Wagner Victer

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Foi aprovado recentemente pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal o projeto de Lei nº 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Isso traz à tona uma discussão imprescindível sobre a urgência em adotarmos medidas assertivas, porém economicamente lógicas, de combate às mudanças climáticas, mesmo diante da baixíssima contribuição do país no cenário internacional das emissões.

O Projeto que estamos debatendo no Brasil foi basicamente inspirado no modelo cap-and-trade, já em vigor na União Europeia (EU ETS), na Califórnia, e em outros lugares do mundo, e se propõe a estabelecer um teto para as emissões de gases de efeito estufa, permitindo que as empresas abaixo desse limite comercializem seus créditos para aquelas empresas que não conseguirem diminuir suas emissões.

Para isso, seria implantado o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que através de um órgão público gestor definiria tetos de emissão diferentes para cada segmento, em especial da indústria, proporcionais às médias e metas nacionais.

Mas o que podemos aprender com as políticas de crédito de carbono adotadas no mundo, e de que forma podemos adaptar tais lições ao contexto brasileiro?

A principal referência nesse tema é o Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS), maior sistema cap-and-trade do mundo, iniciado em 2005. Ele cobre cerca de 45% das emissões de gases de efeito estufa da UE e engloba mais de 11 mil instalações industriais e de geração de energia.

Desde sua implementação, o EU ETS contribuiu significativamente para a redução das emissões na Europa. Segundo dados da Comissão Europeia, entre 2005 e 2020 as emissões das instalações participantes diminuíram em torno de 35%. Este é um número relevante, principalmente quando consideramos o crescimento econômico do bloco nesse período.

Contudo, esse sucesso na redução das emissões também não veio sem problemas. O EU ETS começou com uma superalocação de licenças gratuitas, em grande parte devido à generosidade inicial na distribuição, por conta de lobby industrial. Este excesso de permissões no mercado diminuiu o incentivo para as empresas reduzirem suas emissões, uma vez que havia uma abundância de licenças disponíveis a preços muito baixos (abaixo de €3 por tonelada de CO2). Esse cenário não só enfraqueceu a integridade e a eficácia do sistema, mas também levou a críticas quanto à sua capacidade de produzir mudanças reais na prática industrial.

Em resposta a esta situação, a UE implementou uma série de reformas ao longo dos anos. Essas reformas buscaram reduzir o número de licenças em circulação, principalmente através da introdução dos chamados leilões. Os leilões tornaram-se uma ferramenta chave para estabelecer um preço real e significativo para a captura do carbono. Com menos licenças disponíveis gratuitamente, as empresas tiveram mais incentivo para inovar e reduzir emissões. Esse movimento para a alocação baseada em leilões levou a um aumento sustentado no preço do carbono, refletindo um equilíbrio mais realista entre oferta e demanda. Atualmente, a tonelada de CO2 está a €85, o que definitivamente seria um preço proibitivo se aplicado à indústria brasileira.

Além disso, aconteceu na Europa a “fuga de carbono”, que representou e ainda representa um desafio real para qualquer sistema cap-and-trade. Trata-se do fenômeno de empresas relocando suas operações para jurisdições com regulamentações climáticas menos rigorosas para evitar os custos associados à redução de emissões. Isso pode resultar em uma situação em que as emissões globais não são reduzidas, mas simplesmente deslocadas. Na UE, houve preocupações iniciais de que indústrias intensivas em energia pudessem ser particularmente vulneráveis a esse fenômeno.

A UE abordou a fuga de carbono realocando uma quantidade maior de licenças gratuitas a setores particularmente expostos a esse risco (o que reduz o preço do carbono e incentiva todo o mercado a emitir mais), e também buscando políticas que restringissem as empresas que produzissem fora. Por conta disso, estudos recentes, como os publicados pelo Centro de Política Climática da Europa, mostram que o impacto real da fuga de carbono foi limitado no mercado europeu. Mesmo assim, para uma economia com menos recursos impositivos como o Brasil, trata-se de um risco mais do que relevante.

Outra abordagem que a UE explorou foi a integração de seu sistema com outros sistemas cap-and-trade vizinhos. Por exemplo, em 2014, o EU ETS foi conectado ao sistema de comércio de emissões da Suíça, criando um mercado interconectado maior e mais líquido. Mesmo assim, essa política ainda não se estendeu a boa parte do mundo, como o Brasil.

Os créditos de carbono que hoje são comercializados na Amazônia, por exemplo, fazem parte do mercado voluntário, uma fração muito menor do universo de consumidores europeus, e com preços mais baixos. Em contraposição, a baixa regulação e normatização nos créditos nacionais do mercado voluntário foram uma fraqueza exposta nos recentes escândalos. Não obstante a isso, não se pode tratar ações voluntárias basicamente alinhadas a posturas proativas de boas práticas de ESG com obrigações que venham derivar de exigências normativas ou de medidas mitigadoras ou compensatórias de licenciamentos ambientais.

Em janeiro, uma investigação de alto padrão realizada pelos jornais The Guardian e Die Zeit (alemão) apresentou que mais de 90% dos créditos de carbono de florestas tropicais emitidos pela Verra, a principal certificadora de créditos de carbono do mundo, alegavam reduções no desmatamento que na verdade não existiam.

Ao considerar a implantação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o Brasil tem uma oportunidade única de aprender com as experiências do EU ETS. No entanto, é crucial que se adapte o sistema à realidade brasileira, considerando nossas particularidades econômicas, sociais e ambientais.

Precisamos desenvolver meios de ter uma avaliação clara do que são e não são créditos de carbono de verdade, ao mesmo tempo que estabelecemos metas que estimulem moderação nas emissões dos setores que assim o puderem, tendo em vista as individualidades de cada indústria para adaptar suas máquinas e equipamentos para outras fontes, dentro de um cronograma tecnológico bem estudado, e com penalizações graduais.

Além disso como já adotado corretamente, também pela Petrobras, os investimentos voluntários devem não somente se vocacionar à captura stricto sensu de carbono, mas também levar em conta outras externalidades como a geração de empregos em regiões e populações vulneráveis, já que o maior risco ao meio ambiente se dá através do desemprego e, consequentemente, da pobreza

O desafio para o futuro é grande, e precisamos conceber essas políticas não como barreiras, mas como estímulos ao crescimento e à competitividade da indústria nacional no longo prazo. Esse é um exercício que vamos vivenciar sem desconhecer experiências de fora, porém atentando para nossas condições e necessidades locais e sem uma tutela externa que não reconheça o avanço e o protagonismo do país por décadas na área de energia renovável.

 

 

Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, ex-Secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex-Conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia.

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