Opinião

Tecnologia para combate a perdas comerciais – Uma parte da solução

É fundamental que a distribuidora conheça profundamente as características de sua área de concessão e como ocorrem as irregularidades

Por Fábio Amorim

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I – Além da tecnologia – o problema como um todo

Como é sabido, com a privatização de várias empresas do setor elétrico a partir da segunda metade da década de 1990, em especial no segmento de distribuição, o objetivo destas passou a ser eficiente na gestão econômica e financeira e na qualidade do serviço, de forma a garantir uma remuneração justa, prestando-se um serviço com qualidade, atualidade, segurança e modicidade.

A necessidade de investimento em tecnologia, por sinal, é uma das exigências para a prestação de um serviço adequado, conforme preconizado na Lei n° 8.987/95 que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal, que em seu artigo 6°, § 2 assim dispõe:

“Art. 6° Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
(...) § 2° A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.” (grifo nosso).

O entendimento pacificado é que o interesse público exige atualidade na prestação dos serviços públicos, e a atualidade, nos termos do dispositivo legal supramencionado, consubstancia-se na conjugação de três fatores: (i) como pressuposto e meios, a modernidade do know how e dos procedimentos técnicos; (ii) como instrumento, a modernidade e boa conservação dos recursos materiais (equipamentos e instalações); e (iii) como meta a melhoria do serviço.

No entanto, devem ser estabelecidos padrões diferenciados de acordo com as peculiaridades de cada concessionária.

Desta forma, as distribuidoras estão investindo mais a cada ano na modernidade e inovação tecnológica que deve se superar a cada dia, pois mesmo com a criação de instrumentos de combate às irregularidades cada vez mais eficazes, as perdas comerciais continuam causando grandes prejuízos, tanto no caixa das empresas, quanto na qualidade do serviço prestado.

Assim, considerando que a inovação tecnológica é instrumento fundamental para o combate às irregularidades no consumo de energia elétrica, destacamos neste artigo o sistema apresentado ao Mercado no último dia 11 de agosto do corrente ano. Restou claro a eficiência e a vanguarda adotada pela empresa no seu sistema que envolve uma caixa de medição blindada e com proteção balística (até de fuzil, porque estamos no Rio de Janeiro).

Além da proteção e da medição externa blindada estar, normalmente, no alto do poste (como a conhecida medição chip, mas bem mais evoluída), pois caso aberta por mãos indevidas, o sistema trava e somente o preposto da empresa tem acesso ao sistema. aqui e sem esgotar o assunto, alguns tipos de tecnologias hoje adotados pelas distribuidoras brasileiras.

Tecnologia que serve de alento para a Light e outras distribuidoras. No caso da Light, já é o 5ª trimestre consecutivo de redução de perdas totais/ carga fio, segundo Relatório do 2º tri disponibilizado no site da empresa.

Obviamente que outras medidas estão sendo adotadas em conjunto com a tecnologia supramencionada, como aproximação e interação com as comunidades, possibilidade maior de inclusão de clientes como subclasse residencial baixa renda, tendo em vista que desde janeiro deste ano vigora Lei Federal n° 14.203/21 e  a Resolução Normativa n° 953/21, da Aneel, ambas facilitando e dando as diretrizes para as distribuidoras ( essa inclusão, além do aspecto social, diminui inadimplência e perdas) e quanto maior a adesão e o mutirão que deve ser feito pelas áreas comerciais das empresas, maior a efetividade do resultado.

Outro aspecto são as inspeções e lavraturas dos Termos de Ocorrência e Inspeção (TOI). Alerto, neste ponto, que a recuperação de energia (REN0, jamais pode ser medida e entendida pelos TOIs lavrados, mas sim pelos lavrados, cobrados, pagos ou discutidos em juízo e ganhos pelo jurídico das empresas o que, infelizmente, não tem acontecido.

Noto nas aulas que ministrei e ministro país afora que os TOIs são o maior objeto ofensor dos jurídicos, o que demonstra que o percentual de perdas destas ações atinge patamares absurdos e que atrapalham o combate a este ilícito. Ora, se terceirizamos prepostos (que atuam para qualquer segmento – pensam que tudo sabem, mas a realidade é outra), ações sem assistentes técnicos e perícia para comprovar a perda, advogados internos e externos despreparados e sem conhecimento da legislação, subsídios que nada comprovam, pois carecem de  fotos, histórico de consumo, comprovação de irregularidade (preferimos por preguiça e incompetência inundar o judiciário com telas de computador que nada dizem ou comprovam) e, com isso, o êxito nas ações é insignificante. Não responsabilizo nenhum jurídico e posso afirmar que este problema é sistêmico e diálogo e metas compartilhadas com a área ofensora poderia ser uma das soluções do problema.

Entendo, ainda, que a terceirização desta atividade compromete o resultado. Trocamos o "p" de pessoal pelo "s" de serviços, e verificamos terceiras que ganham por TOI lavrado (independente da Incorporação de energia). Assim, por maior e melhor que seja a tecnologia adotada (e a da Light indica modernidade e inovação), o caminho que poderia ser facilitado pela referida tecnologia é comprometido por problemas internos, que entendo, facilmente contornáveis, desde que tenhamos foco, estratégia, conhecimento e vontade de reverter este perverso quadro. Porque não criar uma “tropa de elite” primarizada, com profissionais que se destacam e são permanentemente avaliados sob a ótica da ética e compromisso com a gestão da empresa e espelhar uma terceirizada em áreas equivalentes e ver o resultado? Aposto que a equipe interna será mais bem sucedida, pelo senso de dono, pelas regras da empresa e pela cobrança e verificação do trabalho de mais perto e os resultados serão surpreendentes. Fica a dica da tropa e do teste.

Lembro que há uma década e meia atrás Ampla, hoje Enel Rio, e posteriormente a Light foram pioneiros na medição eletrônica SMS (chip), se aproximaram de comunidades, mas naquele momento tiveram questionamentos de órgãos de defesa do consumidor, absurdas leis municipais e estaduais querendo impedir a expansão da medição eletrônica. Por desconhecimento ou falta de estudo prévio que se tratam de leis invasoras, por falta de divulgação ampla e previa da nova tecnologia a ser adotada setorial, muitas das vezes os cronogramas das empresas de instalações destas tecnologias ficam comprometidas por populismo eleitoral ou a total ignorância do assunto. Portanto, temos um grande trabalho interno a fazer e de forma constante e abrangente.

II – AUSÊNCIA DO ESTADO EM UM ÁREA DE CONCESSÃO: CONSEQUÊNCIA

Sempre oportuno me socorrer dos excelentes estudos, apresentações e white papers produzidos com esmero, profundidade e lucidez pelo Instituto Acende Brasil, que muito contribui com o setor elétrico.

Socorro-me da Edição nº 18, de fevereiro de 2017 e entendo relevante a seguinte transcrição:

WHITE PAPER – INSTITUTO ACENDE BRASIL

“V 4.3 O PAPEL DO ESTADO Há relevante literatura acadêmica que avalia o problema da criminalidade considerando sua “estrutura de incentivos”, isto é, os benefícios imediatos a serem auferidos com a atividade ilícita em contraposição às penalidades sofridas se houver flagrante. Um dos pioneiros nesse tipo de análise foi Gary Becker (1968), ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1992. A teoria aponta que o comportamento dos agentes depende dessa estrutura de incentivos, que por sua vez depende de uma série de fatores: • da magnitude dos benefícios e prejuízos resultantes da ação;

da probabilidade de a infração ser detectada e punida (enforcement). Quando se avalia o que determina o impacto desses dois fatores no caso das perdas comerciais e inadimplência, verifica-se que os mesmos não dependem unicamente da distribuidora: os prejuízos imputados ao consumidor flagrado em furto, fraude ou inadimplemento dependem de uma série de fatores institucionais que extrapolam a atuação da distribuidora. Dependem das penalidades previstas na lei ou na regulamentação, dependem da atuação dos tribunais que julgam os processos, e dependem dos meios permitidos pela regulação e disponibilizados às distribuidoras para monitorar e fiscalizar seus consumidores. Portanto, a propensão ao crime e às irregularidades dependem também da atuação do Estado, por meio das leis e regulamentação, e da ação do Poder Judiciário.

No Brasil, a percepção de que a energia elétrica é bem público de caráter social, combinada a um certo viés nas decisões do Judiciário (que procura “compensar” as partes mais fracas em uma disputa) tem dificultado substancialmente os esforços de combate às perdas comerciais e à inadimplência empreendidos pelas distribuidoras. A propensão ao crime também está associada à percepção de legitimidade do Estado. Em países em que há elevada corrupção e instabilidade institucional, a criminalidade tende a prosperar mais...

furto de energia pode ser reduzido moderadamente utilizando-se métodos técnicos e de engenharia. Mas será como remar contra a maré, sendo difícil obter reduções substanciais enquanto a corrupção endêmica persistir.”...

6 Portanto, deve-se levar em conta o ambiente institucional em que a concessionaria está inserida. A regulamentação setorial, as barreiras burocráticas de órgão metrológicos, o ativismo de órgãos de defesa do consumidor e da justiça, entre outros, frequentemente favorecem o consumidor infrator ou inadimplente e, às vezes, acabam por criar barreiras intransponíveis para uma ação mais eficaz cujo objetivo é coibir os furtos e a inadimplência. Estas barreiras submetem as distribuidoras a enormes perdas financeiras (por não receberem pelo serviço prestado) e a incorrer em gastos adicionais com: cobrança, programas de repressão dos furtos de energia e custos advocatícios para se defender perante a tribunais em ações de danos morais por supostos abusos de conduta... (grifamos).

 

III – PREVISÃO REGULATÓRIA DA MEDIÇÃO ELETRONICA E EXTERNA NA RESOLUÇÃO 1000/2021

Medição Externa é tratada há mais de 20 anos pela Aneel, como sabemos.

Lembremos da Resolução Normativa nº 258/2003, alterada e revogada em alguns artigos pela Resolução Normativa 292/2007, alterada e revogada pela Resolução Normativa 502/2012, alterada e revogada pela Resolução Normativa 414/2010 e hoje contemplada na Resolução Normativa nº 1000/20221, que a seguir transcreveremos alguns artigos que entendo relevantes para a compreensão do que aqui está sendo descrito.

Desde a tecnologia adotada via CPREDE em 1998, as distribuidoras se esforçam para através de novas tecnologias terem armas suficiente para a guerra que e o combate as perdas comerciais, em especial em algumas áreas da concessão a manipulação e burla aos equipamentos transcende e muito a normalidade e a presença do Estado não se faz presente, mas sim milícias e traficantes dominam essas regiões.

Hoje, como já acontece há mais de 20 anos, temos previsão expressa na Resolução 1000 da Aneel. Optamos por transcrever os artigos abaixo, senão vejamos:

CAPÍTULO VIII DA MEDIÇÃO PARA FATURAMENTO

Seção I

Das Disposições Gerais

Art. 228. A distribuidora é responsável por instalar, operar, manter e arcar com a responsabilidade técnica e financeira dos medidores e demais equipamentos de medição para fins de faturamento em unidade consumidora e em distribuidora a ela conectada.

...

Art. 235. Os equipamentos de medição devem ser instalados no ponto de conexão.

Parágrafo único. A instalação dos equipamentos de medição em local diverso do ponto de conexão pode ser realizada nas seguintes situações:

I - quando a distribuidora optar por instalar medição externa;

... 

Art. 236. Os medidores e demais equipamentos de medição devem estar em conformidade com a legislação metrológica vigente.

Art. 237. O sistema de medição deve possuir marcas de selagem (lacres) ou outros dispositivos de segurança que permitam a fácil visualização de indícios de violação.

Parágrafo único. As marcas de selagem (lacres) do sistema de medição, caixas e cubículos somente podem ser rompidas pela distribuidora.

Art. 238. A verificação periódica dos equipamentos de medição nas instalações do consumidor e demais usuários deve ser efetuada segundo critérios estabelecidos na legislação metrológica.

Parágrafo único. O consumidor e demais usuários devem assegurar o livre acesso dos inspetores credenciados aos locais em que os equipamentos estejam instalados.

Art. 239. O consumidor e demais usuários devem permitir o livre acesso da distribuidora ao sistema de medição e aos dados medidos.

Art. 240. A critério da distribuidora, as informações apuradas pelos sistemas de medição podem ser disponibilizadas em meios alternativos e de forma adicional às exigências metrológicas, para facilitar o acesso às informações pelo consumidor e demais usuários.

Art. 241. O consumidor é responsável: I - pelos danos causados aos equipamentos de medição ou ao sistema elétrico da distribuidora, decorrentes de procedimento irregular ou deficiência técnica da unidade consumidora; e

II - pela custódia dos equipamentos fornecidos pela distribuidora para medição ou para o acompanhamento da leitura, na qualidade de depositário a título gratuito, caso instalados no interior de seu imóvel. Parágrafo único. O consumidor não é responsável por danos causados aos equipamentos de medição externa, exceto nos casos de ação comprovada que lhe possa ser imputada.

Seção II Da Medição Externa

Art. 242. A distribuidora pode instalar sistema de medição externa, a seu critério, sendo responsável pelos custos de instalação.

Parágrafo único. Para unidade consumidora do grupo B, as perdas técnicas ocorridas no ramal utilizado para medição externa devem ser compensadas, conforme metodologia estabelecida no PRODIST.

Art. 243. Quando instalar medição externa, a distribuidora deve assegurar meio que permita ao consumidor acompanhar a leitura do medidor a qualquer tempo.

    • 1º Quando houver deficiência que impossibilite o acompanhamento da leitura internamente na unidade consumidora, a distribuidora deve providenciar o reparo em até 15 dias após ter conhecimento do fato.
    • 2º A impossibilidade temporária de acompanhamento da leitura do medidor pelo consumidor não impede o faturamento da energia registrada na unidade consumidora pelo sistema de medição.

Art. 246. É vedada a instalação de medição externa em locais onde houver patrimônio histórico, cultural e artístico, objeto de tombamento pelo poder público federal, estadual ou municipal, definidos em lei, exceto se houver autorização formal dos órgãos responsáveis. (grifamos).

Portanto, previsão regulatória para a instalação da medição externa (como a SMS ou chip) e as caixas blindadas hoje adotadas pela Light, tem a total concordância e regulamentação da Aneel e a atualidade prevista no artigo 6º da Lei de Concessões, lei esta que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal, também, e cláusula dos contratos de concessão de todas as distribuidoras do país.  

IV – POSICIONAMENTO DO JUDICIÁRIO PARA CASOS ENVOLVENDO MEDIÇÃO ELETRONICA E MEDIÇÃO CHIP E QUE SE ADEQUAM AS CAIXAS BLINDADAS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005198-28.2019.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: DESEMBARGADOR LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: IRONIDES DA COSTA XAVIER (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

DATA: 14/04/2022

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA EM EXCESSO. IMPLANTAÇÃO DO NOVO SISTEMA DE MEDIÇÃO CENTRALIZADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE IRREGULARIDADE.

    1. A utilização do Sistema de Medição Centralizada tem previsão expressa no art. 78 da Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel.
    2. No dia 03.02.2022 entrou em vigor a Resolução nº 1000 da Aneel, que revogou as anteriores, em especial a Res. 414/2010, mas que não tem aplicação ao caso concreto em razão do princípio "tempusregitactum".
    3. As Resoluções são instrumentos normativos emitidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica, instituída pela Lei nº 9.427/96, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. Em conformidade com a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal.
    4. Após a parte autora questionar as faturas em razão do aumento de consumo com a implantação do novo sistema de medição, a ré alude que "foi realizada verificação dos registros do medidor e não foram identificadas inconsistências". Ainda segundo a concessionária, o "cliente foi orientado que poderia solicitar aferição do medidor, porém não o fez", não havendo "indicativos de erro no equipamento de medição". Com efeito, os documentos juntados com a contestação (Ev. 3 - 2 - fls. 28/30), revelam que foi aberta reclamação, cuja análise no campo "parecer final" concluiu: "As leituras estão corretas, confirmo nosso banco de dados. Caso queira, o cliente poderá solicitar uma verificação eventual".
    5. Na situação em exame, tendo a ré efetuado a análise dos consumos de energia elétrica e não constatado qualquer irregularidade, é possível admitir que as faturas posteriores a março de 2018 refletem o consumo efetivamente utilizado e medido na unidade consumidora. Ou seja, o aumento do valor das faturas decorreu não de irregularidades na medição, mas pelo fato de que o consumo passou a ser medido com maior exatidão, fruto da troca do sistema. Mesmo que existente uma desproporcionalidade em relação ao padrão de consumo anterior, não foi produzida qualquer outra prova que apontasse a existência de falhas no registro dos consumos pelo novo sistema, de modo que, "in casu", há presunção de veracidade das cobranças.
    6. Manutenção da sentença de improcedência.
    7. Precedentes do TJ/RS e das Turmas Recursais.

APELO DESPROVIDO. (grifamos).

Apelação Cível Nº 70082394891 (Nº CNJ: 0211398-86.2019.8.21.7000)

APELANTE: MARIA LÚCIA DA SILVA CÔRREA

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA CEEE-D

DATA: 28/10/2020

EMENTA

apelação cível. direito público não especificado. energia elétrica. alegação de excesso no registro de consumo. substituição do medidor. sistema de medição centralizada. danos morais.

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, considerando o enquadramento das partes nos artigos que definem consumidor e fornecedor (2º e 3º do Diploma Consumerista) e a regra do artigo 22.

A prova carreada nos autos não é hábil para demonstrar ato de ilegalidade ou irregularidade pela concessionária de energia elétrica. A adoção do Sistema de Medição Centralizada está amparada no artigo 78 da Resolução nº 414/2010 da Aneel.

O histórico de faturamento da unidade consumidora revela uma redução significativa de consumo entre setembro/2015 a março/2018, quando houve a substituição do medidor. O consumo apurado no referido período era insignificante e insuficiente para o abastecimento de uma residência. Por outro lado, o consumo apurado anterior a setembro/2015 está em consonância com o apurado em março/2018 (vencimento abril/2018), portanto, inexistem elementos que comprovem a irregularidade na cobrança impugnada.

Danos morais. Com efeito, não restou reconhecida ilegalidade ou irregularidade no agir da concessionária que possa embasar o pedido, bem como não há prova de ofensa aos direitos da personalidade da parte autora.

APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME.

Apelação Cível nº 0034809-83.2012.8.19.0036

Apelante: JOCIMAR DE SOUZA DOS SANTOS

Apelado: LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.

Relator: Desembargador MURILO KIELING

Data: 22/06/2021

APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória por danos material e moral. Temática que nutre a demanda afeta a questionamento acerca da imputação de cobrança de conta de energia em valor muito superior ao consumo médio. Sentença de improcedência. Apelo do autor. Do acervo probatório que consta nos autos, infere-se que, na realidade, havia uma apuração a menor do consumo de energia elétrica, tanto que nas faturas posteriores ao período impugnado, após a troca do sistema de medição, os valores passaram a registrar a média de consumo de energia elétrica na localidade. E assim se conclui porque o laudo pericial produzido nos autos, não verificou irregularidade na medição. Nessa toada, o perito assevera que a o consumo médio esperado na localidade é, em média, de 353,00 kWh, e que, incluindo um aparelho de ar condicionado, passaria para 405kWh. Atesta que a média de consumo de energia, no período anterior à mudança do registro de medição para o SMC (Sistema de Medição Centralizada) promovido pelo réu, era de 97 kWh, mas não correspondia ao real consumo, dado que os indícios de desvio de energia aludidos pela concessionária podem ser ratificados pela média de consumo baseada na carga instalada, incluindo-se o aparelho ar condicionado de 405 kWh. Esclarece ainda o expert que o histórico de consumo registrado pelo novo sistema de medição é compatível com a média baseada na carga instalada em períodos não sazonais. Sublinha também que no que toca aos consumos registrados acima da média mensal (405kWh), tais valores tiveram origem no período sazonal (verão e férias escolares), o que, em tese, justificaria um aumento no fator de demanda. Muito embora não tenham os prepostos da concessionária apelada comparecido no dia designado para a perícia, não tendo assim o perito condições para afirmar que os valores acima da média mensal baseada na carga instalada (405kWh) tiveram origem na real e efetiva medição eletrônica, por meio do acervo probatório carreado aos autos, máxime as faturas adunadas pelas partes e no consumo verificado pelo perito, depreende-se que a ausência deles não foi capaz de impedir a realização da perícia e da aferição da carga instalada. Logo, a falta dos funcionários não é capaz de afastar a convicção de que a média de consumo no local é de 405 kWh - como constatada pelo perito -, apurada de forma linear e que em razão do período sazonal, justifica o aumento do consumo, a partir da instalação do novo sistema medidor, uma vez que o aparelho anterior não registrava a média de consumo real que era de apenas 97 kWh. A alegação do recorrente de que houve registros de consumo de 1.011, 1.243 e 1.017 kWh, o que demonstraria o excesso, não lhe socorre, mormente pela presença de um ar condicionado então existente que, se ligado ininterruptamente ou por demasiado período de tempo, pode gerar tal consumo demasiado. Frise-se que a fiação irregular mencionada pelo perito, não se trata de fios de telefone, como que fazer crer o apelante. Por fim, não há razão para se acolher o pedido de troca do medidor, porquanto, como visto, infere-se dos autos e da prova pericial produzida que não há irregularidade nas aferições. Portanto, não restou comprovado o excesso de cobrança para que fosse possível se formar a convicção de que o recorrido falhou na prestação de seus serviços e, assim, se proferir decreto condenatório em seu desfavor. Impossibilidade de se acolher quaisquer dos pedidos do apelante. Concessionária que logrou êxito de fazer prova de que não falhou na prestação de seus serviços, em atenção ao disposto no art. 14, § 3º, I, do CDC. Sentença de improcedência mantida. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Apelação Cível nº 0006535-54.2011.8.19.0001

Apelante: MARCELO DA SILVA NUNES

Apelado: LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.

Relator: JDS. LUIZ ROBERTO AYOUB

Data: 28/07/2016

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. LIGHT. IMPUGNAÇÃO DO VALOR MEDIDO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO NO SENTIDO DE QUE NÃO HÁ FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E QUE O CONSUMO MEDIDO ANTERIORMENTE ERA INCOMPATÍVEL COM OS EQUIPAMENTOS QUE GUARNECEM A UNIDADE CONSUMIDORA DO APELANTE. AUSÊNCIA DE QUALQUER ELEMENTO QUE INFIRME A CONCLUSÃO DO EXPERT. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO VALOR REGISTRADO PELO MEDIDOR. SÚMULA N° 84. PRESUNÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTA, PODENDO CEDER NO CASO CONCRETO, FRENTE A CIRCUNSTÂNCIAS QUE INDIQUEM ERRO DE LEITURA/MEDIÇÃO, O QUE NÃO SE VERIFICOU NA HIPÓTESE A MATÉRIA NÃO É NOVA. POR OCASIÃO DO INÍCIO DA IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE MEDIÇÃO ELETRÔNICA CENTRALIZADA EM 2006, COMO O INSTALADO NA UNIDADE DO APELANTE, HOUVE UMA ENXURRADA DE DEMANDAS QUE QUESTIONAVAM AS FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA, QUE PASSARAM A COBRAR VALORES MUITO SUPERIORES ÀQUELES ANTERIORES À SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIDORES CONVENCIONAIS PELOS ELETRÔNICOS, COMO NO CASO EM TELA, INCLUSIVE COM A INSTAURAÇÃO DE UMA COMISSÃO ESPECIAL NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO DE JANEIRO, EM 2008, QUE ENSEJOU A INSPEÇÃO DOS APARELHOS PELO INMETRO, QUE COMPROVOU QUE A MEDIÇÃO ELETRÔNICA É MUITO MAIS SEGURA E EFICIENTE QUE OS MEDIDORES CONVENCIONAIS, COM A PUBLICAÇÃO DA PORTARIA N° 2013, DE 23 DE JUNHO DE 2009, APROVANDO O MODELO DE MEDIÇÃO ELETRÔNICA DE FABRICAÇÃO LANDIS+GYR, MODELO SGP+M E12, UTILIZADO PELA APELANTE NA UNIDADE CONSUMIDORA DA APELADA, COMO CLASSE DE EXATIDÃO A. PRECEDENTES DESTA CORTE. A PERDA DE ENERGIA ELÉTRICA É UM PROBLEMA NACIONAL, COM ELEVADO IMPACTO NA SOCIEDADE BRASILEIRA, EIS QUE CAUSAM GRAVES PROBLEMAS ECONÔMICOS PARA AS CONCESSIONÁRIAS, REDUNDANDO NA QUALIDADE DO SERVIÇOS POR ELAS PRESTADOS, PREJUDICADA PELA SOBRECARGA E, INCLUSIVE E PRINCIPALMENTE, PREJUÍZO IRREPARÁVEL AOS DEMAIS USUÁRIOS QUE, AO FINAL ACABAM PAGANDO PELA ENERGIA NÃO FATURADA, QUANDO, NA COMPOSIÇÃO DOS CUSTOS PARA A OBTENÇÃO DE REAJUSTE TARIFÁRIO AS PERDAS COMERCIAIS SERÃO CONSIDERADAS NA TARIFA QUE SERÁ DADA AS CONCESSIONÁRIAS PELO ÓRGÃO REGULADOR. BUSCANDO EVITAR TAIS CONSEQUÊNCIAS, E ATENDENDO ÀS EXIGÊNCIAS DE PRESTAÇÃO DE UM SERVIÇO ADEQUADO E EFICIENTE, CONFORME PRECONIZA A LEI N° 8.987/1995, QUE REGULAMENTA O ARTIGO 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AS DISTRIBUIDORAS INVESTEM EM MODERNIDADE E INOVAÇÃO, TAIS QUAIS A UTILIZADA NA UNIDADE CONSUMIDORA DA APELADA. PRINCIPALMENTE, NO MOMENTO DELICADO QUE O PAÍS PASSA, SEJA POR RAZÕES POLÍTICAS, ECONÔMICAS E ATÉ CLIMÁTICAS, SENDO NOTÓRIO O CONHECIMENTO DE QUE A CONTA DE LUZ DE TODOS OS CONSUMIDORES VEM SENDO AUMENTADA MÊS A MÊS E, DE FORMA EXPONENCIAL, CONSIDERANDO O USO DAS TERMOELÉTRICAS. A HIPÓTESE, QUE NÃO TRATA DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO, MAS DE COBRANÇA DE CONSUMO MEDIDO, QUE SE AFIGURA, DO COTEJO DA PROVA DOS AUTOS, ABSOLUTAMENTE CORRETO. RECURSO DESPEROVIDO. (grifamos).

Ementa do AREsp 1.418.119-DF

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO. ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALTERAÇÃO NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE POR USO DE SUBSTÂNCIA. REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA. INDUZIMENTO A ERRO DA COMPANHIA ELÉTRICA. TIPICIDADE LEGAL. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Extrai-se dos autos que fraude empregada pelos agravantes - uso de material transparente nas fases a e b do medidor - reduzia a quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. 2. "No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro". (AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/5/2012, DJe 15/5/2012) 3. O caso dos autos revela não se tratar da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, - fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal - CP (estelionato). 4. Recurso especial desprovido.

(AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019)

De forma destacada e para encerrar este item, trouxe a transcrição do acordão acima, onde ao 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu, por unanimidade, que a alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica, configura estelionato.

Neste processo, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) esclarece e prova que duas pessoas alteraram o medidor de energia de um hotel, colocando uma espécie de gel no equipamento para que ele marcasse menos do que o consumo verdadeiro de energia. O MPDF denunciou ambos pelo crime de estelionato.

Os réus foram condenados e tiveram a pena de reclusão substituída por penas restritivas de direitos. O que significa isso: incentivo a cometer ilícitos, furto, fraude ou estelionato no consumo de energia e visto como algo menor e as penas de reclusão são convertidas em cestas básicas ou serviços para a comunidade. O que diz o judiciário com decisões como essa: esse crime vale a pena.

Enfim, temos que incutir na sociedade e judiciário que cometer ilícito penal no consumo de energia elétrica é crime, deve a reclusão ser maior do que hoje é adotado, jamais existirá princípio da insignificância em casos de energia elétrica, haja vista que furtos de canos e equipamentos podem deixar vias, bairros e localidades por hora sem luz e agravar o problema da violência.

O princípio da insignificância, visto como fator de política criminal, não deve ser aplicado nos crimes patrimoniais, mas somente naqueles com base no valor equivalente ao prejuízo patrimonial sofrido pela vítima, no caso a distribuidora.

Ademais, trona-se fundamental que sejam observados os efeitos porventura causados pelo ilícito no âmbito do seio social, de forma a garantir uma aplicação justa e adequada da lei penal, em equivalente harmonia aos anseios da sociedade.

V - Conclusões

Portanto, novas tecnologias estão sendo estudadas e implantadas, sendo que para isso é fundamental que a distribuidora conheça profundamente as características de sua área de concessão e como ocorrem as irregularidades.

Em um momento onde começamos a pensar de forma mais detida as renovações de concessões, relevante que concessões que sofrem desde meados dos anos 90 com perdas comerciais, tenham um tratamento diferenciado do regulador. Abertura do mercado, transição energética, descarbonização, isto é, um novo modelo setorial que se avizinha necessita de um olhar atento e acurado, para que “desiguais sejam tratados de forma desiguais” pois, do contrário, a tarifa continuará maior do que necessário e isso não favorece nem ao consumidor e nem ao acionista.

É um trabalho ininterrupto e que exige da concessionária acompanhamento constante de seu percentual de perdas comerciais e de como agem e reagem aqueles que cometem estes ilícitos a cada nova tecnologia que é adotada com o fim de dificultar e diminuir manipulações na rede e equipamentos.

Desta forma, além das inspeções rotineiras, entendemos fundamental que investimentos sejam feitos em novas tecnologias, já que é com modernidade, eficiência e inteligência que ganharemos essa árdua luta contra os inescrupulosos que estão sempre à espreita e dispostos a criar mecanismos que burlem o que de novo está sendo implementado.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Fábio Amorim da Rocha é sócio da Fábio Amorim Consultoria Ltda., presidente da Comissão de Direito de Energia Elétrica da OAB/RJ, conselheiro empresarial de Energia da ACRJ, professor, palestrante e árbitro em câmaras arbitrais.

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