Opinião
É preciso descomplicar o setor elétrico
'No Brasil cerca de um terço dos consumidores de baixa renda paga tarifa reduzida graças ao subsídio cruzado que engorda a conta dos consumidores que pagam a tarifa cheia'
Prestei depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara dos Deputados para esclarecer os motivos pelos quais a tarifa média de energia elétrica no Brasil ser maior do que em nações do chamado G7, grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo” (sic). Comecei minha exposição explicando que é muito difícil comparar as contas de luz de diferentes países, porque em alguns a receita proveniente dos consumidores é complementada por subsídios pagos pelos contribuintes, e em outros, não. Em alguns países os consumidores podem comprar energia de comercializadoras e pagam às distribuidoras apenas o transporte de energia, e em outros, não.
lém disso, no Brasil cerca de um terço dos consumidores de baixa renda paga tarifa reduzida graças ao subsídio cruzado que engorda a conta dos consumidores que pagam a tarifa cheia. Então, o que se deve usar na comparação com os outros países? A tarifa cheia ou a reduzida? A tarifa completa ou somente a parcela fio, que é a parte da distribuidora?
Apesar dessas dificuldades, muitos se atrevem a fazer comparações. Como desconheço o estudo que motivou os deputados a instalarem a CPI, busquei entender o assunto, por sugestão de ex-colegas da Aneel, consultando o relatório International Energy Agency (IEA) – Key World Energy Statistics – 2008”. Disse aos parlamentares que, “de acordo com a IEA, não é verdade que as tarifas médias no Brasil são maiores do que todas as dos países que compõem o G7”. Talvez a CPI pudesse ser encerrada aí mesmo, já que o fato motivador de sua instalação não resistiu à primeira análise. Análise, aliás, corroborada por interessante matéria publicada na Folha de S.Paulo (12/9/2009), baseada no mesmo relatório. Mas não se encerrou, e ninguém ficou surpreso com isso.
Continuei minha apresentação dizendo que mesmo não sendo campeões mundiais na categoria tarifa de energia elétrica, não temos o que comemorar: como no Brasil a tarifa varia muito conforme a área de concessão, com tendência a ser mais elevada onde a população é mais pobre, e como em média nossa renda per capita é muito inferior à dos países do G7, o pagamento de uma conta de luz de 100 kWh, que na Europa atinge no máximo 1% da renda média familiar, no Brasil chega, em alguns casos, a 8% (tarifa cheia) ou 4% (tarifa reduzida) da renda familiar. É muito!
Essa é a principal razão, em minha opinião, para o crescente interesse da classe política em entender como é feito o cálculo tarifário. Aliás, legítimo interesse, já que o tema afeta significativamente a economia doméstica do eleitor. Penso que, independentemente dos rumos da CPI e de eventuais outros argumentos que a tenham motivado (por exemplo, golpear a privatização), esse interesse veio para ficar.
Com o tempo, os parlamentares aprenderão a desconsiderar as denúncias de mau procedimento referentes a práticas antigas do setor que, na realidade, apenas respeitam os mais elementares princípios da economia. Fui indagado, por exemplo, se sou o responsável pela regra que permite que as termelétricas fiquem inoperantes quando as condições hidrológicas forem favoráveis, como se isso fosse suspeito. Na realidade, trata-se de procedimento previsto na Lei 5.899, de 1973.
Por outro lado, as instituições técnicas do setor elétrico deverão fazer um esforço para simplificar alguns procedimentos. Dizia para os especialistas da Aneel que mais vale um cálculo tarifário aproximado e de fácil compreensão do que um cálculo exato que apenas alguns poucos conseguem entender. Apresentei mensagem semelhante em favor da simplicidade em recente palestra que proferi no ONS sobre procedimentos para despacho das usinas e cálculo do custo marginal de operação. Aliás, métodos simples e aproximados tendem a apresentar maior robustez do que complexos programas computacionais. Era o que me dizia o ex-ministro de Minas e Energia e meu amigo, Francisco Gomide, há mais de 30 anos, quando estudávamos nos EUA. Passado todo esse tempo, dou a mão à palmatória. Antes tarde do que nunca.