Opinião
O setor elétrico brasileiro conhece um verdadeiro mercado?
Por Osório de Brito, diretor do Inee e superintendente da Cogen Rio
Qualquer pessoa que vai a uma feira livre busca os preços mais vantajosos entre os diversos feirantes, pois o preço de qualquer produto reflete uma regulação ditada pelo mercado – a famosa lei da oferta e da procura. Esse preço, claro, tem relação com o custo de produção. A formação do valor de venda, porém, não se prende, exclusivamente, ao custo de produção.
Esta situação assemelha-se à de alguns países europeus. Imagine um hotel, ligado à rede, conhecedor de sua ocupação ao longo de um ano e, consequentemente, de sua necessidade de demanda elétrica para esta ocupação. Para isso, esse hotel adquiriu uma compra firme para todo o ano, em um processo envolvendo diversos ofertantes.
Entretanto, surgem, durante o ano, picos ou reduções de ocupação imprevistos. Novamente o hotel recorre ao mesmo processo, mas, nesse caso, com participantes do parque da geração distribuída (PCH, excedentes de cogeração e outros); verifica de quem poderá adquirir energia pelos menores preços e firma contratos de compra por curtos períodos, a fim de suprir os picos de ocupação gerados. No caso de redução, o hotel ofereceria sua sobra para venda pelo mesmo processo. Tudo isso on line, em uma tela de computador.
Voltando à feira, imagine uma situação totalmente distinta, na qual o preço não mais se regula por oferta e procura, e sim por um complexo sistema de controle. Assim, a dona de casa teria um lap top para comprar, por exemplo, 1 kg de bananas, pois a determinação do preço não se originaria do livre processo de sua fixação e sim de um programa, que indicaria qual feirante teria o custo de produção mais baixo. Ele, então, iria ser o único ofertante pelo período em que tivesse o custo de produção mais baixo.
O comprador, para adquirir a fruta, consultaria o programa para ter a garantia de que a estava adquirindo pelo valor correto. Ademais, não teria opção, porque os outros feirantes estariam impedidos de ofertar outros preços.
Esse, talvez, seja o caso do setor elétrico brasileiro, que, na prática, só se preocupa com as centrais de maior porte. Para os excedentes da geração distribuída de porte menor, que se conecte à rede de distribuição, as barreiras são de tal ordem que o cogerador prefere renunciar à geração do excedente. Essa renúncia, apenas no parque cogerador do Rio de Janeiro, atinge uma perda de 76.900 MWh/ano.
O ONS utiliza o Newave, programa com o qual despacha, economicamente, as usinas do parque centralizado brasileiro. De forma simultânea, a CCEE, que liquida os contratos no mercado livre, identifica eventuais sobras e déficits desses contratos. Este simples processo contábil não deixa dúvidas: os preços e os montantes são os pactuados entre os contratantes nos respectivos contratos.
No entanto, não é o que acontece com as sobras e os déficits, pois eles são transacionados por um preço obtido no mesmo processo utilizado pelo ONS para o despacho da oferta. Pergunta-se: qual é a relação com a ida à feira livre e com a prática exercida pela CCEE? Não parece muito mais com a compra computadorizada da banana?
Não é difícil verificar que os procedimentos ora em voga aderem apenas em parte a um modelo concorrencial, pois:
- a concorrência só é praticada parcialmente, já que não abrange a venda das sobras e dos déficits;
- só os chamados consumidores livres podem transacionar neste mercado. A legislação brasileira admite a extensão do uso dessa liberdade a todos os consumidores, mas, até agora, não houve nenhuma movimentação para essa extensão;
- a geração distribuída de pequeno ou médio porte tem respaldo legal para transacionar com as distribuidoras fora dos leilões, mas não possui um mercado consumidor adaptado aos excedentes por ela gerados. Seu pequeno montante encontra barreiras e dificuldades regulatórias: vendê-lo diretamente ou via comercializadores é difícil ou mesmo impossível, pois só os consumidores livres podem comprar essa energia e em geral eles necessitam de volumes maiores, e é vedada à GD a venda aos chamados “consumidores especiais”, justamente aqueles com demanda elétrica abaixo do limite inferior especificado para o consumidor livre;
Esse contexto não favorece a livre concorrência. Afinal, ele privilegia os excedentes de grande porte, como os de biomassa de cana, capazes de participar dos leilões; impede o desenvolvimento da GD, e, por essa razão, provoca perdas de energia; e não privilegia a competição em toda a sua abrangência. Será que não está na hora de pensar em aprimorá-lo?
Osório de Brito é diretor do INEE e superintendente da Cogen Rio