Opinião
A upstream do upstream
Se o país passar a ser exportador de bens e serviços do upstream do upstream, terá mais crescimento e estabilidade, isto é, mais emprego e renda
A indústria de óleo e gás tem por base a extração de hidrocarbonetos presentes em reservatórios rochosos. É o chamado segmento upstream. As atividades subsequentes, o midstream e o downstream, tratam da logística e da produção e uso dos derivados dos fluidos extraídos. Contudo, para muito além da perspectiva extrativista, a atividade de upstream depende de empresas de alta capacitação tecnológica. Elas fornecem bens e serviços que viabilizam técnica e economicamente a extração de hidrocarbonetos e estão, assim, a upstream do upstream.
O Brasil, assim como outros países emergentes, tem sua economia caracterizada pelo extrativismo e exportação de commodities. Do pau-brasil, passando por cana-de-açúcar e café, ainda hoje explorados, chegamos ao minério de ferro e, finalmente, ao petróleo, que passamos a exportar no século XXI. Mas não houve avanço no que diz respeito aos segmentos a upstream destas atividades extrativas. O país tem capacidade de fabricar localmente, mas não se destaca por capacidade tecnológica e de exportação de bens e serviços associados à exploração de recursos naturais.
Esta situação oscila de inquietante a espantosa. O Brasil ocupa claramente posição de destaque global na produção offshore de óleo e gás. E tem capacidade de produzir parte expressiva dos bens e serviços necessários para manter esta posição destacada. Contudo, ao mesmo tempo em que aumenta a produção e exportação de petróleo, não se observa ampliação da atividade econômica a upstream do upstream. Mesmo em segmentos notáveis, como equipamentos submarinos, os casos de exportação são pontuais.
Se o país passar a ser exportador de bens e serviços do upstream do upstream, terá mais crescimento e estabilidade, isto é, mais emprego e renda. Além de aumentar as competências necessárias para enfrentar a transição energética, pois empresas capazes de exportar seriam também capazes de adaptar-se para obter êxito em outras atividades econômicas que não a mera extração de recursos naturais.
Mas, afinal, o que houve? O que falta ou faltou para o Brasil tornar-se destaque também em exportação de bens e serviços petroleiros? O que falta para o país escapar de uma aparente armadilha, que o aprisiona no extrativismo há mais de cinco séculos?
Há ricas e diversificadas teorias que buscam explicar este fenômeno, observado em quase todas as economias emergentes. Embora não unânimes, há convergência no sentido de que apostar em “vantagens comparativas”, e, portanto, em extrativismo, é trajetória de claro insucesso. É cada vez mais clara a necessidade de desenvolver economia baseada em conhecimento, tecnologia e, sobretudo, exportação, em oposição a permanecer e insistir na atividade extrativista, fabricação e outras de baixo valor agregado.
Há convergência também para a necessidade de rever o arcabouço institucional que molda a dinâmica econômica. Em termos práticos, no setor de petróleo, trata-se de mudar as regras de “Conteúdo Local”, de “Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação”, de tributação (e.g., Repetro) e de compras da Petrobras, entre outras. Para além de estimular produção de hidrocarbonetos e fabricação local de equipamentos – um exemplo claro da infrutífera industrialização baseada em substituição de importações –, as regras deveriam estimular desenvolvimento de capacidades tecnológicas e, sobretudo, exportação dos bens e serviços que estão a upstream do upstream.
Alterar uma trajetória de cinco séculos com foco quase exclusivo na extração de recursos naturais não será tarefa fácil. Trata-se, afinal, de realizar uma verdadeira revolução industrial. O processo, inaugurado pela Inglaterra no século XVIII, e que tem hoje a China como impressionante exemplo, ainda não foi de fato incorporado pelo Brasil. Mas, com mudanças arrojadas e criativas, o país pode tornar-se, para muito além de destaque global em extrativismo, destaque em capacidades tecnológicas e em exportação de bens e serviços do upstream do upstream.
Telmo Ghiorzi é secretário-executivo da ABESPetro, doutor em políticas públicas e mestre em engenharia