Opinião
O caso sui generis da indústria brasileira de petróleo
É oportuno aprimorar o atual arcabouço institucional para que o Brasil supere a etapa da produção da commodity e passe a exportar bens e serviços de alto valor agregado
Em artigo publicado recentemente, Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da FGV-SP, faz uma crítica à teoria institucionalista. O texto pode ser lido aqui <https://bit.ly/3CreByh>. Desenvolvida por Douglass North, Nobel de Economia em 1993, e outros, a teoria institucionalista afirma que o progresso econômico é decorrente de um conjunto apropriado de instituições. Isto é, certas “regras do jogo” são indutoras de progresso.
A crítica de Gala, igualmente amparada em evidências, afirma que avanços baseados em aumento da complexidade tecnológica e econômica precedem e demandam arranjos institucionais avançados. Economias baseadas em commodities e serviços simples não requerem regras complexas. Economias baseadas em alto grau de conhecimento e de avanços tecnológicos, isto é, industrializadas, requerem e induzem regras sofisticadas. Ou seja, em oposição à tese institucionalista, Gala mostra antítese pela qual seria o progresso econômico que induz a criação e implantação de instituições apropriadas.
O debate sobre causalidade entre instituições e progresso econômico ainda não é conclusivo. A síntese pela qual existe coevolução simultânea de instituições e de sofisticação tecnológica parece ser a que melhor explica a dinâmica do progresso econômico.
O caso da indústria de petróleo pode ser útil para ilustrar e facilitar a compreensão desta dinâmica.
Países produtores de petróleo que se concentraram apenas na produção de hidrocarbonetos avançaram menos em sua industrialização e em suas instituições do que aqueles que transformaram a commodity em alavanca para progresso econômico. Estes avançaram, mediante coordenação e combinação de esforços do estado e das empresas, em seu arcabouço institucional e nas capacidades tecnológicas das empresas. O resultado desse esforço é progresso econômico e, portanto, maior grau de imunidade e de capacidade de superar flutuações e pressões externas.
Há inúmeros exemplos de países que seguiram estas duas grandes trajetórias estratégicas. O Brasil e sua indústria de petróleo ilustram, contudo, caso sui generis.
O país é incontestável destaque nos avanços tecnológicos necessários para produzir petróleo em águas ultraprofundas, a partir de estruturas geológicas que até há poucas décadas não eram plenamente compreendidas. O Brasil é hoje exportador líquido da commodity.
Estão presentes no Brasil, além de grandes petroleiras, empresas da cadeia produtiva com atuação global e que se destacam por seu porte econômico e avanços tecnológicos. Elas contribuíram decisivamente para tornar o Brasil em exportador da commodity.
O país dispõe de arcabouço complexo de instituições que moldam a dinâmica de sua indústria petroleira. Organismos de estado criaram e implantaram modelos de leilões, regimes e contratos de exploração, Repetro, lei das estatais, regulações de conteúdo local, entre tantas outras regras sofisticadas.
O Brasil tem, portanto, competências tecnológicas e arcabouço institucional sofisticados e complexos no setor de petróleo. E exporta excedentes da commodity. Contudo, o país não exporta bens e serviços de petróleo de alta complexidade. Ao contrário, ainda importa muitos deles. Sua cadeia produtiva, embora de indiscutível competência tecnológica, não tem a mesma robustez que se percebe em outros países produtores de petróleo.
Este cenário impõe perguntar o que falta para que, além de autossuficiente e exportador da commodity, o país seja também autossuficiente e exportador dos bens e serviços complexos utilizados pela indústria de petróleo. Isso traria estabilidade e robustez ao setor, com reflexos, por exemplo, em mais e mais bem remunerados empregos.
A Rio Oil & Gas 2022 tem por slogan “traçar novos caminhos para um mundo de possibilidades”. São 25 anos da lei do petróleo, sancionada em 1997. É mais do que oportuno avaliar o impacto econômico e aprimorar o atual arcabouço institucional para que o Brasil supere a etapa da produção da commodity e entre na etapa de autossuficiência e exportação de bens e serviços de alto valor agregado.
Telmo Ghiorzi é secretário-executivo da ABESPetro, doutor em políticas públicas pela UFRJ, pós-doutor em administração pela FGV, mestre em engenharia de petróleo pela Unicamp e engenheiro mecânico pela UnB. Possui mais de 30 anos de experiência em Óleo & Gás, Engenharia & Construção e outros setores industriais.