Opinião

As perspectivas para o gás natural no Brasil em 2021

O mercado de gás no Brasil não está desconectado do mercado internacional, em particular no que tange à competição por investimentos, sendo, portanto, imprescindível acelerar o desenvolvimento do setor

Por Ieda Gomes

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Nos últimos dois anos tem havido um intenso debate sobre o Novo Mercado de Gás, e sobre como sua implementação contribuiria para o crescimento da competição e, notadamente, para o barateamento dos preços do gás natural.

A Empresa de Pesquisa Energética projetou um aumento da demanda de 24 MMm3/dia até 2029, como resultado da aplicação das políticas contidas no Novo Mercado de Gás, ancoradas no tripé de cessão de ativos e acesso às infraestruturas por parte da Petrobras, acordo tributário relativo ao ICMS e aprovação da nova Lei do Gás (Projeto de Lei n° 4.476, de 2020, no Senado; e o Projeto de Lei nº 6.407/2013, na Câmara dos Deputados).

A Petrobras vem cumprindo o disposto no Termo de Cessação de Conduta firmado com o Cade em julho de 2019. Dentre outras medidas, já cedeu os 10% remanescentes de sua participação acionária na TAG, bem como vários ativos maduros e marginais de produção, abriu mão de seu direito de preferência na capacidade de gasodutos e vem preparando a venda de sua participação acionária na Gaspetro, NTS e no Gasoduto Brasil-Bolívia. Além disso, estava na reta final do arrendamento do terminal de GNL na Bahia, que foi suspenso por motivos alheios à sua vontade.

No tocante à questão tributária, o Ajuste SINIEF 17/19, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em 10/11/2019, possibilitou a implantação do modelo tarifário de entrada e saída, vinculando a tributação do gás aos contratos, e não ao fluxo físico. Essa medida permitirá os chamados swaps de gás natural e dará mais liquidez e dinamismo ao mercado de gás natural. Entretanto, para maior segurança jurídica, deveria ser votada legislação específica, pois se um único estado desistir do ajuste, o mesmo perderia sua validade.

A ANP vem também aperfeiçoando a regulamentação do setor, tendo lançado diversas consultas públicas, dentre as quais a Consulta Pública 16/2020, sobre o exercício da atividade de produção de derivados de petróleo e gás natural; a Consulta Pública 18/2020, sobre critérios de independência e autonomia dos transportadores de gás e, ainda, a Consulta Pública 12/2020, sobre a minuta do Manual de Boas Práticas Regulatórias, cujo objetivo é a "Harmonização das Regulações Estaduais e Federal" do programa novo mercado de gás.

No tocante à nova Lei do Gás, o PL 6.407/2013 (PL 4.476/2020), aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro de 2020, foi modificado pelo Senado em dezembro e remetido para a Câmara de Deputados. Apesar da não concordância do relator, o deputado Laércio Oliveira, com as emendas aprovadas pelo Senado, a votação definitiva do Projeto passa a ser parte do pacote de negociações para as eleições das presidências da Câmara e do Senado.

O adiamento da votação para 2021 carrega o risco do projeto perder a prioridade que vinha sendo dada pelo Governo, devido a outros assuntos prementes e à necessidade de resetar a economia brasileira em virtude dos impactos da pandemia. E, conforme ocorreu em 2017, existe o risco de o projeto ser engavetado por mais dois, três anos, passando o período crítico das eleições de 2022.

Sem entrar no mérito das divergências sobre as emendas aprovadas pelo Senado, que esperamos sejam solucionadas, a Lei do Gás atualmente em vigor (Lei 11.909/2009) é um obstáculo ao desenvolvimento do setor, pois burocratiza em demasia o processo para construção de gasodutos e mantém a exclusividade do principal incumbente nas infraestruturas de escoamento, processamento e terminais de GNL. Até o presente, a atuação do Cade e a resposta da Petrobras têm possibilitado a abertura do setor, mas, se houver uma mudança radical de política de governo após as eleições de 2022, a falta de um marco legal mais moderno será uma barreira aos investimentos privados na cadeia de valor do gás natural.

Além disso, a transição energética vem se acelerando a largos passos, com diversos países adotando legislação banindo a produção de veículos e aquecedores de água utilizando combustíveis fósseis no horizonte 2025-2030. Grandes consumidores industriais e conglomerados internacionais já anunciaram sua intenção de atingir neutralidade de carbono no horizonte 2040-2050, com metas de substituição de combustíveis fósseis, inclusive o gás natural, no horizonte de 2030. Atualmente, mais de mil empresas já aderiram ao Science-Based Targets, prometendo planos de ação relativos às questões climáticas. Empresas petroleiras vêm anunciando a redução de sua produção de hidrocarbonetos e focando investimento em energias renováveis.

Em 1980, as empresas de petróleo e gás representavam 28% do índice S&P 500. Em 2020, a participação do setor no índice caiu para 3%. Segundo a Agência Internacional de Energia, o valor presente da produção mundial de gás natural pode cair de USD 6 trilhões para USD 3-5 trilhões em 2040, dependendo do cenário de penetração das alternativas renováveis.

Os investidores institucionais estão progressivamente abandonando suas carteiras de combustíveis fósseis em favor das energias renováveis. O gás natural, antes visto como o combustível ideal de transição, vem sendo desfavoravelmente comparado, devido às emissões de metano, gás que também contribui para o efeito estufa. Como consequência, os recursos e financiamentos para projetos de infraestrutura de gás natural podem tornar-se mais escassos, prejudicando o desenvolvimento de infraestrutura de gás natural em países emergentes.

O mercado de gás no Brasil não está desconectado do mercado internacional, em particular no que tange à competição por investimentos, sendo, portanto, imprescindível acelerar o desenvolvimento do setor antes de 2030. A década de 2020-2030 é um período crucial para implantação de programas de monetização e de infraestruturas de gás natural, viabilizando um ciclo econômico de 20 anos, antes do atingimento das metas internacionais de neutralidade de emissões de carbono.

Ieda Gomes é uma consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação

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