Opinião
Gás para crescer, empregar e reindustrializar
Além da liberação de volumes existentes, via gas release e swaps, é fundamental incentivar a exploração, desenvolvimento e programas de release de gas onshore, cujos custos mais baixos de produção e proximidade dos mercados podem dar mais alento ao desenvolvimento do setor e fortalecer pequenos e médios produtores
As discussões sobre o aumento da participação do gás natural, como vetor de empregos e reindustrialização do Brasil, tomaram novo folêgo em 2023.
De um lado, a nova administração da Petrobras tem manifestado sua discordância com relação a cumprir a cessão de ativos remanescentes no TCC com o Cade. Do outro lado, as associações representantes da indústria, Fiesp, Firjan e Abrace têm se movimentado para energizar o governo para que tome medidas visando o aumento da oferta e a redução da participação monopolística da Petrobras, de modo a garantir volumes a preços competitivos para a indústria.
O Governo Federal criou mais um grupo de trabalho, desta feita denominado Grupo de Trabalho do Programa Gás para Empregar (GT- GE), que tem como objetivo a elaboração de estudos visando à promoção do melhor aproveitamento do gás natural produzido no Brasil. Os trabalhos do GT-GE deverão ser completados em 120 dias a partir da nomeação de seus membros, representando 13 entidades e ministérios.
Os objetivos do GT são nobres, mas como já assistimos a dezenas de grupos de trabalho, criados ao longo de quatro décadas com os mesmos objetivos, fica aqui a pergunta, de como esse grupo será diferente dos demais.
Apesar da produção doméstica bruta continuar a crescer, atingindo o volume de 146,5 MMm3/dia em fevereiro, a reinjeção também cresceu para 72 MMm3/dia, com a oferta nacional mantendo-se no patamar de sempre, da ordem de 45 MMm3/dia. A oferta ao mercado tem sido complementada praticamente por gás boliviano, cerca de 18 MMm3/dia, com volumes modestos de GNL regaseificado. A demanda industrial continua anêmica, da ordem de 39-43 MMm3/dia, que subtraindo o consumo de refinarias e Fafens, resulta em um consumo industrial base de apenas 27-31 MMm3/dia. O consumo industrial no Brasil é ligeiramente inferior ao da indústria argentina ( 33-35 MMm3/dia), a despeito do tamanho da economia brasileira, quando comparada à do país vizinho. A estagnação do consumo industrial no Brasil vem ocorrendo desde 2009, ou seja, há mais de 18 anos.
O fato é que, além das difíceis condições de contorno vigentes no Brasil – juros altos, estagnação do PIB, desindustrialização e perda de competitividade para outros países – o elevado preço do gás natural, a falta de previsibilidade sobre a oferta nacional, a ausência de um mercado competitivo e a dependência de gás importado geram um ciclo vicioso, onde as indústrias que ainda restam no País passam também a consumir outros combustíveis mais baratos, como a lenha e o carvão.
A experiência internacional demonstra que a criação de um mercado competitivo para gás é um esforço de décadas, como tem sido na União Européia, e passa pelos seguintes componentes: aumento de oferta, tanto de gás doméstico como importado; acesso livre e regulado às instalações de transporte e processamento de gás; redução do poder de monopólio dos incumbentes e transparência nas transações entre os agentes de mercado.
No Brasil, estamos tendo a oportunidade de ver um movimento interessante, com a liberação dos volumes de outros produtores, que antes vendiam para a Petrobras, e a saída parcial dessa última dos mercados do Nordeste, em paralelo com o trabalho sendo desenvolvido pelas transportadoras de gás para ofertar mais produtos e liberar capacidade. Esse pequeno movimento resultou em mais de 30 contratos de suprimento de curto prazo com outros agentes e volumes firmes de 6 a 8 MMm3/dia. Esse movimento está mais concentrado na região Nordeste, até porque existem vários pequenos e médios produtores independentes atuando na região.
Tem-se falado ultimamente na operacionalização de swaps de óleo da União por gás natural, através da PPSA, e também em um programa de gas release, onde a Petrobras abriria mão de parte dos volumes comercializados para dar maior liquidez ao mercado. Ambos são programas complexos; é portanto essencial definir-se quais os mecanismos que serão empregados, e como isso garantiria oferta firme por pelo menos 10 anos, pois geralmente os programas de gas release são para contratos de 1-2 anos. No caso do swap óleo/gás existem questões tributárias e outras relativas aos volumes dos chamados cost e profit óleo. No caso do gas release, é essencial definir se o preço de oferta contemplaria somente gás nacional, além da falta de transparência sobre o custo/preço da produção doméstica.
Além da liberação de volumes existentes, via gas release e swaps, é fundamental incentivar a exploração, desenvolvimento e também programas de release de gas onshore, cujos custos mais baixos de produção e proximidade dos mercados podem dar mais alento ao desenvolvimento do setor e fortalecer pequenos e médios produtores
Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação. Escreve na Brasil Energia a cada quatro meses.