
Opinião
Mercado internacional de gás tendências e desafios para o Brasil
A interrupção do trânsito de gás russo para a Europa via Ucrânia intensifica a competição pelo suprimento no mercado global. No Brasil, os 9 terminais de GNL operam muito aquém da capacidade instalada. O país produz quase 160 MMm3/dia mas oferece ao mercado 50 MMm3/dia e não atende a demanda

Em 2024, a demanda global de gás natural experimentou um crescimento significativo de 2,8%, impulsionado por fatores regionais e setoriais, superando a média de 2% no período 2010-2020, com destaque para a região Ásia-Pacífico, que respondeu por quase 45% desse incremento, especialmente nos setores industrial e de geração elétrica.
Apesar do aumento na demanda, a oferta de GNL cresceu apenas 2,5% em 2024, bem abaixo da média anual de 8% em 2016-2020. Essa desaceleração deveu-se a atrasos em novos projetos e restrições de fornecimento em países como Egito, Trinidad e Tobago e Angola.
Eventos climáticos extremos ressaltaram a importância do gás natural na garantia da segurança energética. Tempestades nos EUA, ondas de calor no Brasil, Índia e Colômbia e períodos de baixa geração eólica e solar na Europa ("dunkelflaute") evidenciaram a flexibilidade do gás como fonte de energia confiável no suprimento de eletricidade.
No cenário geopolítico, a interrupção do trânsito de gás russo via Ucrânia, a partir de 1º de janeiro de 2025, resultou em uma redução de 40 MMm3/dia no fornecimento para a Europa. Embora não represente um risco imediato para a segurança energética da União Europeia, essa interrupção aumentou sua dependência de importações de GNL, intensificando a competição por suprimentos no mercado global.
A proibição imposta pela União Europeia (UE) ao transbordo de Gás Natural Liquefeito (GNL) russo em seus terminais, a partir de março/2025, tem implicações significativas para o mercado de GNL, aumentando os custos logísticos. Os terminais europeus serviam como pontos estratégicos para o transbordo de GNL russo, permitindo aos produtores russos utilizarem navios metaneiros de menor porte ou adaptados às condições árticas, para transportar GNL até a Europa.
A partir dos terminais europeus, o GNL era transferido para embarcações maiores, e adequadas para longas distâncias, reduzindo custos operacionais no transporte até a Ásia. As rotas marítimas diretas da Rússia para a Ásia, especialmente através do Ártico, enfrentam desafios significativos, devido às condições climáticas adversas e à presença de gelo durante grande parte do ano.
Paralelamente, os EUA consolidaram-se como o maior fornecedor mundial de GNL, com planos de aumentar sua produção em 60% durante o segundo mandato do presidente Trump. Essa expansão fortaleceu a influência geopolítica dos EUA no mercado energético global, oferecendo uma alternativa ao gás russo para a Europa e atendendo à crescente demanda asiática.
O Brasil possui nove terminais de GNL em operação, que permaneceram ociosos em 2023 devido à alta disponibilidade de hidreletricidade. Contudo, no final de 2024, a regaseificação aumentou para quase 20 MMm3/dia, particularmente nos terminais da Bahia, GNA e São Paulo, mas ainda muito aquém da capacidade instalada de 140 MMm3/dia. A despeito de uma produção recorde de gás nacional, quase 160 MMm3/dia, a oferta nacional mantém-se em torno de 50 MMm3/dia e não atende a demanda.
Para garantir a segurança energética e mitigar os impactos da volatilidade dos preços internacionais, a Petrobras, por exemplo, está negociando contratos de longo prazo com fornecedores de GNL dos EUA, fugindo dos preços spot.
O mercado ainda enfrenta desafios relacionados à concentração de mercado, mas em 2024, a participação da Petrobras nas vendas de gás firme para as distribuidoras caiu para 70% contra mais de 90% há 5 anos. Porém, recentemente a PPSA, que recebeu autorização para comercializar diretamente o gás da União, contratou sua produção de cerca de 436 mil m3/dia com a Petrobras, contrariando os objetivos de diversificação e competitividade estabelecidos pela Nova Lei do Gás.
Em busca de alternativas para suprir a demanda, empresas brasileiras iniciaram negociações com produtores argentinos para importar gás natural, utilizando a infraestrutura de gasodutos da Bolívia. A YPFB seria responsável pelo trânsito na Bolívia, cobrando tarifas de $1,4-2,0/MMBTU. Atualmente a capacidade de atendimento ao Brasil é de cerca de 2 MMm3/dia devido a gargalos logísticos na Argentina. A construção do segundo trecho do gasoduto Nestor Kirchner e a reversão do gasoduto Norte facilitariam a exportação de 10 MMm3/dia.
Representantes dos governos argentino e brasileiro formaram um grupo de trabalho com o objetivo de estudar cinco opções para exportação de gás para o Brasil: a) pelo Gasoduto Norte via Bolívia; b) via Gasoduto Norte, através de um novo gasoduto pelo Paraguai; c) via Uruguai, na fronteira com Corrientes, expandindo o anel do centro do país; d) via Missiones, completando o Gasoduto do Norte Argentino (GNEA) até o sul do Brasil; e) via Uruguai, através do Gasoduto Cruz del Sur ao Rio Grande do Sul.
O trânsito via Bolívia parece ser a opção mais viável, mas a instabilidade econômica é um fator preocupante. A Secretaria de Energia da Argentina já autorizou exportações em caráter interruptível a diversos produtores, como a Total Energies, Pan American Energy e Tecpetrol.
Futuramente estarei analisando as diversas rotas de importação.