Opinião
Gás para Empregar - Quo vadis?
Consumidores aguardam resultados com esperança temperada com lições do passado. O país vivencia planos para o GN desde 1985, com sucessos relativamente modestos.
O programa Gás para Empregar, criado em 20/03/2023 e cujos resultados eram esperados em 08/04/24, elencou os seguintes objetivos:
- aumentar a oferta de gás natural da União no mercado doméstico;
- melhorar o aproveitamento e o retorno social e econômico da produção nacional de gás natural, buscando a redução dos volumes reinjetados além do tecnicamente necessário;
- aumentar a disponibilidade de gás natural para a produção nacional de fertilizantes nitrogenados, produtos petroquímicos e outros setores produtivos, reduzindo a dependência externa de insumos estratégicos para as cadeias produtivas nacionais; e
- integrar o gás natural à estratégia nacional de transição energética para contemplar sinergias e investimentos que favoreçam o desenvolvimento de soluções de baixo carbono, como o biogás/biometano, hidrogênio de baixo carbono, cogeração industrial e captura de carbono
Além desses objetivos, compete ao Grupo de Trabalho criado pelo Programa estudar as seguintes medidas:
- implementação da permuta (swap) do óleo da União por gás natural, para atendimento dos objetivos do programa;
- desenvolvimento de política de precificação de longo prazo do gás natural da União que leve em consideração os preços da molécula e dos produtos e energia obtidos a partir do gás natural;
- implementação do reconhecimento como custo em óleo, pela Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), do acesso, construção, operação e manutenção de estruturas de escoamento e processamento do gás natural dos contratos de partilha de produção, como medida de incentivo ao aumento da oferta no mercado nacional; e
- outras medidas de incentivo à construção da infraestrutura de escoamento, processamento e transporte de gás natural.
O Governo Federal definiu como prioridade a produção de fertilizantes nitrogenados no Brasil, em substituição a fertilizantes importados, em grande parte da Rússia, onde o preço do gás natural é da ordem de $ 2-3/MMBtu, enquanto o preço do gás nos city gates no Brasil é da ordem de $ 12 a 13/MMBtu.
Em abril de 2024, os preços CIF da ureia importada da Rússia, entregue nos portos de Santos e Paranaguá, eram da ordem de $395 a 400/t, dos quais $70-80/t correspondem ao frete e $ 8/t relativos ao seguro.
O custo de produção de ureia no Brasil, aos preços de gás acima mencionados, em plantas mais antigas e menos eficientes, chegaria a $ 579-700/tonelada, dependendo da eficiência e depreciação da planta.
Para competir com o fertilizante russo, o preço do gás natural deveria ser da ordem de $5,4-7,6/MMBtu, no caso das plantas existentes, mais antigas e ineficientes; ou seja a Petrobras teria de dar um desconto de cerca de 50% em relação ao atual preço no city gate. Como ficariam os outros segmentos da indústria se tal desconto fosse aplicado somente para um setor?
Outros aspectos do Programa Gás para Empregar carecem de detalhamento, por exemplo o swap do petróleo da União por gás natural, via PPSA, que seria vendido aos mercados prioritários a preços mais baixos.
Se a Petrobras fosse o fornecedor de gás para o swap com o óleo da União, como a empresa precificaria esse gás? Onde seria o ponto de precificação, no city gate ou na boca do poço?
A ampliação dos volumes de gás da União vai ser modesta. Segundo informações da PPSA o volume de gás da União deverá atingir 3,5 MMm3/dia somente em 2029, volumes insuficientes para atender a demanda industrial. Como esse gás seria escoado para atingir os futuros clientes da PPSA e como seria precificado?
Um outro objetivo do Gás para Empregar seria a redução dos volumes reinjetados “além do tecnicamente necessário”. Nesse caso, seria importante que a EPE coordenasse um estudo detalhado, campo a campo, para determinar a disponibilidade de volumes e ainda como esses volumes não tecnicamente necessários poderiam ser escoados e a que custos?
Pois além dos custos de escoamento via gasodutos submarinos, seria necessário reconfigurar os sistemas de produção offshore, que foram originalmente dimensionados para maximizar a reinjeção de gás, acarretando investimentos adicionais para os produtores.
À falta de visibilidade de oferta adicional e de preços competitivos para o gás nacional, se somam as incertezas relativas a um cenário de oferta declinante de gás boliviano, que exportou uma média de 15 MMm3/dia para o Brasil no primeiro trimestre de 2024, acopladas ao atraso nas obras de reversão do gasoduto no Noroeste da Argentina. Dessa forma a Região Noroeste argentina precisa continuar a importar gás boliviano até setembro de 2024.
Se a oferta do gás boliviano continuar a declinar e a oferta adicional de gás brasileiro se materializar somente em 2029-2030, o Brasil vai depender futuramente da importação de GNL, cujos preços dependem de fatores exógenos e que o Brasil não tem condições de controlar.
Os preços futuros do GNL no hub europeu TTF oscilam de $10 a 12/MMBtu para entregas de julho a dezembro de 2024, não incluídos os custos de regaseificação. Mas podem quadruplicar em caso de crises geopolíticas, como ocorreu no decorrer da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ou no caso de um inverno rigoroso na Europa.
Assim sendo, o Gás para Empregar precisa olhar de forma holística para todos esses fatores de oferta, demanda e dinâmica de preços, e propor ações realistas e implementáveis no curto e médio prazos. O Brasil precisa destravar a indústria de gás natural, com medidas estruturantes e de longo prazo.
A indústria e os demais consumidores aguardam de forma esperançosa, temperada com as lições do passado. Como mencionei em outros artigos, temos vivenciado planos de ação para o gás natural desde 1985, com sucessos relativamente modestos.
Além disso, como o próprio título do Programa indica, a sociedade brasileira teria muito interesse em que fossem quantificadas as oportunidades de criação de empregos e de valor agregado para a economia brasileira.