Opinião

Preços de energia e consequências para o mercado de gás

A crise energética e a volatilidade devem perdurar em 2023 e 2024, acarretando aumento das importações de GNL

Por Ieda Gomes

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Os preços de gás natural nos hubs europeus têm estado voláteis desde 2021, em decorrência da retomada da atividade econômica, baixos níveis de estocagem e temperaturas muito baixas no inverno. A invasão da Ucrânia e a decisão da União Européia (UE) de reduzir em 80% as importações de gás russo e ao mesmo tempo mandatar a reposição dos estoques em 90%  exarcerbaram a volatilidade, pois geraram uma corrida para importar GNL.

Entretanto, somente aumentar a importação de GNL não é suficiente para reduzir a volatilidade. Primeiramente, a capacidade de regaseificação na UE é de 157 Bcm, o que permitiria atender 40% da demanda. A Turquia (34 Bcm) e UK (48 Bcm) podem também enviar GNL regaseificado para a UE, mas existe congestionamento nos gasodutos interligando esses países, assim como ligando a Espanha (31 Bcm de capacidade de regaseificação) ao resto da UE.  No final de outubro, chegou-se a um congestionamento de 35 navios metaneiros na costa espanhola, aguardando para descarregar.

No final de outubro, o suprimento de gás russo para a Europa tinha caído de um pico de quase 500 MMm3/dia para 65 MMm3/dia. Os estoques subterrâneos atingiram 94% em novembro, mas deverão estar depletados no final do inverno europeu, que tem sido ameno até o final de novembro. Mas em 2023 não haverá gás russo para preencher os estoques a 90%.

Face a esse cenário de incertezas a UE tem tomado medidas que colocam em cheque, não somente a transição energética, como também a liberalização do mercado de gás europeu, até então baseado no principio de um mercado único, com preços definidos em hubs e a rejeição de contratos de longo prazo.

Essas medidas incluem: a) o congelamento dos preços ao consumidor residencial até o final do inverno; b) o compromisso voluntário de redução  em 15%  e 10% do consumo de gás e eletricidade de outubro/2022 a abril/2023, o que conflita com a medida de congelamento, pois sem sinal de preços altos, o consumo não tem caído; c) imposição de um teto de receitas equivalente a 180 Euros/MWh para os produtores de baixo custo (renováveis, carvão, nuclear) com os valores acima desse teto coletados pelos governos para financiar o congelamento das tarifas; d) imposição de um imposto extraordinário para produtores de eletricidade, gás, petróleo e carvão cujos lucros forem superiores a 20% dos lucros dos últimos 4 anos.

Outras medidas em estudo: a)  a imposição de um teto no hub TTF se o preço exceder 275 Euros/MWh por duas semanas consecutivas,  o que nunca ocorreu, além de ser criticado pelos consumidores, por ser muito alto; b) a criação de um comprador único para agregar a demanda de GNL na EU e redistribuir os volumes pelos diversos países, visando aumentar o poder de barganha dos compradores (o que bate frontalmente contra os objetivos de transparência da concorrência); c) um mecanismo de solidariedade entre países da EU, onde países com menos acesso a suprimentos de gás podem ser abastecidos por países dispondo de infraestrutura e estocagem, o que poderia acarretar a suspensão do suprimento para consumidores ditos não essenciais.

A Alemanha e a Holanda estão implementando construção fast track de FSRUs, com três entrando em operação em 2022 e dois em 2023. França, Chipre, Itália e Finlândia também estão desenvolvendo terminais. Esses projetos, com contratos de arrendamento de cinco anos, deverão adicionar 50 Bcm de capacidade de regaseificação até 2023, pressionando preços e disponibilidade de FSRUs para novos projetos no Brasil e América Latina. Além disso, a Alemanha está negociando contratos de suprimento de GNL de 20 anos, com impactos no objetivo Net Zero até 2050. Embora os preços TTF tenham caído para USD 25/MMBTU em novembro, isso ainda é muito alto para indústrias intensivas em energia.

Em conclusão, a crise energética e a volatilidade devem perdurar em 2023/2024, particularmente se fizer muito frio na Europa e se os reservatórios do Sudeste brasileiro atingirem níveis baixos em meados do ano, acarretando aumento das importações de GNL.

 

Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação.

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