Competitividade do Biogás e Biometano nos mercados de Gás

Opinião

Competitividade do Biogás e Biometano nos mercados de Gás

Para que o biogás e o biometano se consolidem é necessário um mix de medidas, como estímulos ao aumento de escala, valoração de atributos ambientais, regulação permitindo a conexão e venda nos diferentes mercados de gás e instrumentos financeiros e tributários

Por Ieda Gomes

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O biogás e o biometano vêm ganhando relevância no Brasil, como alternativas renováveis para geração de energia elétrica, térmica e combustível veicular, aproveitando resíduos da agropecuária, indústria, saneamento e aterros. O CIBiogas aponta 1.633 plantas de biogás cadastradas em 2024, a maioria em operação, com crescimento anual expressivo no número de unidades.

Em termos de volumes, a EPE - Empresa de Pesquisa Energética também reporta que a contribuição do biogás, para a oferta interna de energia, atingiu quase 1 BCM em 2024. A produção de biometano tem evoluído mais lentamente. Em 2024 havia dezenas de plantas de biometano em operação, com centenas de iniciativas em fases variadas, devido a custos mais altos de investimentos e logistica de distribuição.

No plano regulatório, a Lei nº 14.134/2021 (Combustível do Futuro) e seu decreto de implementação deram tratamento regulatório a gases intercambiáveis com o gás natural, abrindo caminho para regras técnicas e de acesso.

A ANP e outros órgãos publicaram resoluções técnicas (especificações do biometano, critérios de certificação) e, mais recentemente, houve movimentação sobre programas e decretos que tratam do incentivo ao biometano e de certificados de origem, como iniciativas previstas na legislação sobre combustíveis do futuro e no RenovaBio (e suas atualizações).

Esses instrumentos buscam reconhecer atributos ambientais e viabilizar receitas adicionais para produtores.

Apesar do avanço, existem desafios claros. A competitividade de preços é um ponto crítico: custos de acondicionamento, purificação (para biometano), compressão/odorização e transporte até pontos de consumo ou de injeção em gasodutos elevam o custo final; isso torna necessário combinar ganhos ambientais (ex.: créditos de carbono, CGOB/certificados de origem) com políticas tarifárias ou financiamentos que internalizem o valor do baixo carbono.

Estudos de mercado também mostram que a produção atual explora uma fração pequena do potencial técnico do país - o aproveitamento econômico ainda é limitado por barreiras logísticas e de escala.

Em 2024, um consórcio de sete entidades, lideradas pela Fiesp, contratou um estudo sobre a oferta, demanda, logística e medidas prioritárias para desenvolvimento do biometano no Estado de São Paulo. O estudo constatou uma demanda de curto prazo de 2,1 BCM/ano e uma oferta tecnicamente viável de 2,3 BCM/ano.

Para atendimento dessa demanda, seria necessário construir  2,9 mil Km de gasodutos e redes de distribuição, com investimentos de cerca de USD 550 milhões. O estudo apontou custos de produção de USD 9,10-13,70/MMBTU, ou USD 15,10-28,3/MMBTU, se incluídos impostos e logística. 

Esses custos não são competitivos com os preços de gás natural, sendo necessárias medidas executivas e regulatórias para remover barreiras.  O estudo apontou nove medidas prioritárias, que, no seu conjunto, poderiam reduzir o custo do biometano de 18 a 55%.

Significativos entraves são: (1) padronização e harmonização de normas de qualidade para injeção em redes; (2) regras claras de acesso aos gasodutos e métodos para contabilizar o atributo renovável (garantia de origem); (3) mecanismos de tarifação e incentivos que incentivem projetos fora dos polos agroindustriais; e (4) segurança jurídica para investidores.

Esses são temas que vêm sendo discutidos em consultas públicas e resoluções técnicas da ANP e outros órgãos. A implementação prática dessas regras (por exemplo, logística de injeção e comercialização do biometano) definirá se o setor escala com rapidez.

Tendo em vista os custos do biometano não serem ainda competitivos para a indústria, o uso em veículos pesados, substituindo o diesel, poderia alavancar o desenvolvimento de hubs e corredores logísticos. Por exemplo, a redução do IPVA e do ICMS para caminhões a gás e equipamentos de abastecimento de veículos, poderia reduzir custos e incentivar investimentos.

Para que o biogás e o biometano se consolidem no Brasil é necessário um mix de medidas: estímulos à agregação de escala (clusterização), mecanismos que valorizem atributos ambientais (certificados, RenovaBio/CGOB), regulação permitindo a conexão e venda nos diferentes mercados de gás, e instrumentos financeiros e tributários reduzindo o risco inicial dos projetos.

Quando essas peças funcionam juntas, o potencial substancial do setor - em um país com forte agroindústria, rede de saneamento em expansão e grandes centros geradores de resíduos - pode se transformar em expansão real e impactos significativos de descarbonização.

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