
Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética
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Térmicas: em tempos de seca, complementam as hidrelétricas
A participação das UTEs no suprimento energético vai começar a crescer gradualmente neste segundo trimestre do ano com a redução do regime de chuvas em todo o Brasil

Comparativo de geração - Janeiro a Dezembro de 2024
Fonte: ONS
Os três gráficos que abrem essa matéria, obtidos no site do ONS, referem-se à geração de energia no período janeiro-dezembro de 2024 e ilustram graficamente o comportamento de duas fontes de geração térmica que, durante o período em que anualmente minguam os reservatórios, garantem despacho instantâneo, potência em segundos e inércia, atributo que controla de certa maneira a variação de tensões do sistema integrado.
A ocorrência de chuvas e a consequente afluência sobre os reservatórios das hidrelétricas variam de ano a ano, porém o exemplo de 2024 serve como ilustrativo quanto à importância das térmicas, ao garantir suprimento a qualquer hora e energia com qualidade aos consumidores.
O rebatimento dos três gráficos entre si mostra que o bloco de hidrelétricas, que no seu auge atinge 81,8% do suprimento, cai para 44,3% no período seco e precisa ser “rendido” pelas térmicas de atendimento de serviço público. Os gráficos não exibem as UTE de autoprodutores.
Geração hídrica no pico e no vale em 2024
Fonte: ONS
Além das termelétricas a gás e a biomassa, outras UTEs garantem os atributos acima citados de despachabilidade, potência e inércia: são as térmicas nucleares e a carvão, atributos que as renováveis solares e eólicas não têm. As solares, porque vão “dormir” todas as noites e “cochilam” às vezes em dias chuvosos, e as eólicas porque dependem dos humores dos ventos.
O ONS já alertou que as perspectivas de afluência deste mês de abril estão abaixo da média de outros anos, com o final antecipado do regime de chuvas. Com menos água nas hidrelétricas, as térmicas devem assumir maior papel como supridoras na base, mas ainda em caráter complementar às hídricas. Cabe ao operador, através do monitoramento diário do sistema, planejar com um olho o recurso mínimo às térmicas, evitando as tarifas mais altas, e com o outro estimar o momento certo da futura recuperação dos reservatórios. É um jogo de xadrez.
Além disso, o ONS enxerga um cenário de expansão na demanda futura do Sistema Interligado Nacional (SIN) em todos os subsistemas. Já em abril, a previsão do operador é de um crescimento de carga no SIN de até 1,9% (83.207 MWmed) em relação ao mesmo mês de 2024. Entre os submercados, os que mais devem ser demandados são o Norte, com expansão de demanda de carga de até 6,4% (7.949 MWmed) e Nordeste, de até 2,7% (13.659 MWmed). A projeção é de avanço também no Sul (1,8%) e no Sudeste/Centro-Oeste (1,0%).
UTE a gás Porto de Sergipe I, da Eneva, de 1.593 MW de capacidade, foi acionada em alguns dias de outubro, novembro e dezembro de 2024, com pico de geração de 883 MWmed (Foto: Divulgação/Eneva)
Para garantir a operação do SIN e manter a confiabilidade do sistema brasileiro, especialmente com a crescente geração de fontes não controláveis, como eólica e solar, o país precisa de fontes controláveis e flexíveis a qualquer tempo, seja no período seco do ano ou mesmo na época de grandes chuvas.
Essa complementaridade do sistema hidrelétrico e termelétrico fica bem evidente nos gráficos que abrem esta matéria. No período de 1 ano – janeiro de 2024 a janeiro de 2025 – é possível observar que no período molhado, entre janeiro e maio, a geração hidrelétrica atinge vários picos, enquanto a geração das térmicas, tanto a gás quanto a biomassa, é mais modesta. Mas assim que a chuva escasseia, a geração das usinas hidráulicas cai, tornando fundamental o acionamento das térmicas, especialmente daquelas movimentadas a gás natural.
Dados do Siga/Aneel deste mês de abril mostram que a geração elétrica não renovável contribuiu com quase 15% do suprimento, contra 85% das fontes renováveis. As térmicas responderam por 22,4% da geração – incluindo fóssil e biomassa –, enquanto a hídrica respondeu por 52%. Atrás vem eólica, com 15,8%, e a solar com 8,4%.
Da geração térmica fóssil, a parte mais expressiva está sendo produzida pelo gás natural, que nos últimos 10 anos conquistou espaço antes ocupado pelas usinas a óleo combustível, diesel e carvão. Hoje, gás natural responde por 8,6% da geração térmica, óleo diesel por 1,8%, carvão mineral por 1,6% e óleo combustível por 1,4%.
De acordo com a EPE, em 2021, quando ocorreu a última crise hídrica de grandes proporções, a geração térmica elevou sua participação na matriz elétrica de 24% para 31,1%. Com os reservatórios depletados, houve um aumento generalizado das demais fontes geradoras naquela ocasião, como carvão mineral (+47,2%), gás natural (+46,2%), eólica (+26,7%) e solar fotovoltaica (+55,9%).
A EPE calcula que o potencial teórico de expansão das termelétricas a gás natural é de até 27.000 MW, baseada em um volume disponível de 60 milhões de m³/dia de gás até 2030, “sem que haja esforços de aumento da oferta interna de gás natural e mantida a demanda não termelétrica nos níveis de 2014”.
Fábrica de celulose da Bracell, em Lençóis Paulistas (SP): UTE de 409 MW da empresa, movida a licor negro da biomassa de eucalipto, despachou de janeiro a dezembro, com pico de geração de 154 MWmed (Foto: Divulgação/Bracell)
O desafio maior fica ainda por conta do transporte do gás, visto que a rede de gasodutos no Brasil é muito limitada, quase toda na costa. Mesmo o GNL não ultrapassa essa barreira geográfica. Exceção é o Gasbol, que corta o Brasil de Oeste a Leste, já que alguns gasodutos de distribuidoras que avançam para o Oeste, como o Sudoeste da Bahiagás, e o Centro-Oeste, da Gasmig, não preveem ancorar termelétricas.
No vasto território do interior brasileiro outras opções devem, portanto, ser consideradas para que o SIN conte com térmicas próximas aos centros de carga.
O biometano surge como grande potencial, por poder ser produzido em qualquer região, mas ainda é um recurso limitado a volumes que não atendem às gulosas termelétricas.
A experiência bem sucedida com a biomassa da cana pode estimular o agronegócio a gerar energia térmica a partir dos resíduos de outras culturas intensas.
Na Amazônia, a mandioca cultivada em todo este extenso território já teve provada sua eficácia como substituto do diesel usado nos mais de 200 sistemas isolados (ver artigo do colunista Rubem Cesar - https://brasilenergia.com.br/energia/importancia-do-bioetanol-da-mandioca-para-a-amazonia), como solução não só voltada para o suprimento energético mas também como modelo de desenvolvimento econômico sustentável.
Outro colunista da Brasil Energia, José Almeida dos Santos, levantou em seu artigo o potencial da produção terrestre de gás em várias bacias - https://brasilenergia.com.br/petroleoegas/o-potencial-da-producao-de-gas-nas-bacias-terrestres . Em seu artigo, Almeida levanta o potencial produtivo de gás em várias bacias sedimentares do interior, lembra que o Maranhão se tornou potência produtora de gás para uso termelétrico com as descobertas na Bacia do Parnaíba e estima que o Brasil poderia suprir o Mato Grosso e Rondônia com gás abundante na Bacia do Solimões.