Opinião

O Gás Natural do Pré-sal: Desafios para o Choque de Energia Barata que não Estão na Mira do Novo Mercado de Gás

É fundamental criar mecanismos para articular os investimentos na infraestrutura de oferta do gás do Pré-Sal com o processo de contratação no setor elétrico

Atualizado em

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  • Com Osvaldo Pedrosa e Eloi Fernández y Fernández, do IEPUC

O atual governo tem apostado muitas fichas no potencial do gás do pré-sal para a redução do custo da energia no Brasil. Para o ministro Paulo Guedes, a retomada do crescimento sustentável passa pela reindustrialização do país, a partir do aumento da competitividade do gás ofertado às indústrias intensivas em energia. Para viabilizar esta oferta competitiva do gás, foi lançado o Novo Mercado de Gás - NMG, um programa para liberalizar o mercado de gás natural, atualmente monopolizado pela Petrobras. A premissa básica do NMG é que o grande crescimento da produção de gás se transformará em preços mais baixos através da competição entre os produtores.

Não resta dúvida que a produção de gás nacional vai crescer de forma acelerada. Somente no Pré-Sal esta produção deve saltar de 73 milhões de metros cúbicos por dia (MMm³/dia) atualmente para 130 MMm³/dia em 2030, considerando apenas os campos em desenvolvimento e produção, as áreas com avaliação de descobertas recentes e alguns projetos exploratórios. Se acrescentarmos as áreas adquiridas nos últimos leilões da ANP e o imenso potencial inexplorado do Pré-Sal, podemos afirmar que a oferta potencial de gás poderá atingir patamares bem superiores aos volumes supracitados.

Entretanto, existem grandes desafios para que esta produção se transforme em oferta de gás ao mercado. Uma parte importante destes desafios ainda não entraram no radar do NMG e podem frustrar a expectativa de “revolução energética”.

O gás do Pré-Sal é associado ao petróleo e os produtores têm a alternativa de reinjetar o gás para estimular a produção do petróleo. Para não reinjetar o gás nos próprios campos, as empresas precisam investir pesadamente em equipamentos nas plataformas para purificar o gás dos contaminantes (especialmente o CO2), nos gasodutos offshore de escoamento do gás até a costa e depois em plantas de separação e processamento do gás, antes de poder ofertar o gás ao mercado. Estamos falando de investimentos que beiram os 2,5 bilhões de dólares para cada rota de escoamento de cerca de 20 MMm³/dia. Existe o potencial para mais 4 rotas de escoamento no Pré-Sal até 2030, além das 3 existentes atualmente, o que requereria um investimento de US$ 10 bilhões.

O problema que não está no radar é o fato das empresas necessitarem de garantias de mercado antes de aprovar investimentos desta magnitude. A decisão entre ofertar ou reinjetar o gás deve ser tomada no momento em que o plano de desenvolvimento do campo de petróleo e gás é proposto à ANP, em geral entre 3 e 4 anos antes do início da produção. Esta decisão não pode esperar a solução para o problema de mercado de gás porque isto significaria atrasar a entrada da produção do petróleo, onde concentra-se grande parte do valor do projeto. Assim, na ausência de um mercado claro, a decisão de reinjeção passa a ser a única alternativa. Desta forma, é crucial, para destravar e organizar o mercado de gás natural, criar a alternativa da oferta comercial do gás.

Quando se compara o potencial de crescimento de oferta com o Pré-Sal com o mercado atual fica muito claro que não é o crescimento vegetativo do mercado que vai permitir absorver esse gás. O país precisa desenvolver projetos âncora para viabilizar novas rotas do Pré-Sal. São os contratos de compra dos projetos âncora que podem viabilizar os vultosos investimentos na infraestrutura para monetizar o gás.

A geração termelétrica é a âncora natural (mas não a única) para viabilizar a expansão da oferta de gás. Entretanto existe um grande desafio para articular a demanda termelétrica com a oferta de gás do Pré-Sal.  As térmicas só podem dar garantias firme de compra se ganharem o leilão de contratação de energia organizado pela Aneel. Isto implica que se os produtores quiserem ancorar os investimentos para oferta de gás no setor termelétrico, devem dar contratos de venda de gás às térmicas e aguardarem o resultado do leilão antes da decisão de investimento no campo de petróleo e gás. Todo o cronograma de desenvolvimento do projeto petrolífero fica à mercê do cronograma e do resultado dos leilões

Mesmo após se ocorrer uma sincronização dos processos de decisão, existe um grande risco associado ao atraso na execução dos projetos. Caso haja um atraso na entrega do FPSO, na execução dos investimentos nos gasodutos de escoamento ou na construção da UPGN, a termelétrica terá que pagar uma grande penalidade por indisponibilidade ou buscar fonte alternativa de suprimento de gás. Normalmente as penalidades são repassadas ao fornecedor de gás (via contrato de suprimento do gás GSA). Caso seja a térmica que atrase a construção, o gás terá que necessariamente ser produzido e entregue a consumidores alternativos, sob pena de atrasar o início da operação do campo. O risco de não sincronização da execução dos projetos upstream e termelétrico representa uma grande desvantagem para a opção de venda de gás quando comparada à reinjeção.

Dado o exposto acima é fundamental criar mecanismos para articular os investimentos na infraestrutura de oferta do gás do Pré-Sal com o processo de contratação no setor elétrico. Para isto, o CNPE poderia criar um grupo de trabalho dedicado, com participação do MME, ANP, EPE, Aneel, IBP e ABRAGET. Este grupo de trabalho teria as seguintes funções:

  • Avaliar a oferta potencial de gás natural do Pré-Sal e identificação dos investimentos necessários em escoamento e tratamento e seus condicionantes de mercado
  • Identificação de projetos âncora para a oferta de gás do Pré-Sal, associados à geração termelétrica e outros segmentos.
  • Avaliação e proposta de mecanismos de articulação dos investimentos para a oferta do gás e para a geração termelétrica. Ex:
    • Leilões de gás para térmicas existentes
    • Leilões de novas térmicas estruturantes
  • Monitoramento do andamento dos projetos térmicos e de oferta de gás
  • Proposta de estratégias de ação para redução do risco de atraso de projetos

Através de políticas adequadas é possível promover o aproveitamento comercial de parcela importante da produção do Pré-Sal no mercado doméstico e também para exportação. Nesse contexto, a criação de terminais costeiros multipropósito de grande porte, envolvendo plantas de processamento, usinas termelétricas e unidades de liquefação de gás natural, poderá ser uma alternativa inovadora para o gás associado brasileiro.

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