Opinião
Ações paliativas e a bomba relógio das tarifas no Brasil
Já há algum tempo, ano após ano, observamos a consolidação de um mantra no setor elétrico: “Brasil: o país da energia barata e da tarifa cara”. Leia o artigo de nosso colunista Frederico Accon.
Coautor: Mariana Saragoça
Ainda que, ao longo dos anos, tenhamos observado uma redução do custo operacional e ganhos de eficiência na prestação dos serviços de energia elétrica e, até mesmo, a redução do custo para geração de energia, em especial por fontes renováveis solar e eólica, o preço das tarifas tem sido sistematicamente pressionado, muito em razão do crescimento exponencial dos subsídios e encargos setoriais.
Isto pode ser facilmente visualizado se observado o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE que saltou de cerca de R$ 14,1 bilhões em 2013 para R$ 34,9 bilhões em 2023, como destacado em A intervenção do Poder Legislativo e o Custo da Tarifa de Energia.
Grande parte do setor – senão todos que nele atuam – não tem dúvidas quanto à necessidade e urgência de medidas estruturais e de longo prazo para garantir o equilíbrio e a modicidade tarifária. Não obstante isso, o setor elétrico continua cometendo erros antigos.
Como exemplo de medidas pontuais e não estruturais, podemos apontar o próprio modelo da Conta ACR, reproduzido na Conta Covid e na Conta Escassez Hídrica, que produziram um alívio tarifário momentâneo, postergando a cobrança de valores no tempo e, em algumas oportunidades, em condições financeiras não tão atrativas, pressionando as tarifas em anos posteriores, quando se viu a necessidade de novas ações, também pontuais, para mitigar tais efeitos indesejados.
Em outros momentos, o setor conseguiu atenuar o aumento tarifário graças a acontecimentos totalmente conjunturais como as decisões judiciais que reconheceram a não incidência do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins – culminando na devolução de bilhões de reais aos consumidores – e mais recentemente, o aporte de recursos da CDE em razão da desestatização da Eletrobras.
Não se pode deixar de observar que tais medidas, além de imediatistas, acabam por escancarar contradições e incongruências em si próprias.
Com efeito, anos antes, o Decreto 8.401/2015 criou as bandeiras tarifárias, tendo como um dos principais objetivos garantir o realismo tarifário e uma adequada sinalização de preço aos consumidores o que, se avaliado friamente, acabou sendo desvirtuado exatamente no período da crise hídrica, quando a Conta Escassez Hídrica acabou por reduzir artificialmente os preços das tarifas praticados no período.
Tal “lógica contraditória” também pode ser observada na própria Lei 14.182/2021 – que autorizou a desestatização da Eletrobras – determinando, de um lado, o repasse de recursos à CDE em benefício da modicidade tarifária e, de outro, a prorrogação de contratos do Proinfa e a contratação de térmicas e Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs que, no longo prazo, podem seguir pressionando as tarifas.
O prejuízo da adoção de medidas paliativas e postergação da cobrança de valores pode ser observado nos últimos meses, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel decidiu por postergar a aplicação do resultado de Revisão Tarifária Extraordinária - RTE de concessionária de distribuição da região norte – mecanismo pensado justamente para garantir o equilíbrio econômico-financeiro da concessão – aguardando mais uma ação conjuntural para mitigação dos efeitos ao consumidor.
Essa nova ação veio por meio da Medida Provisória 1.212/2024 que, mais uma vez, dispõe sobre a destinação de recursos específicos e não recorrentes para a redução das tarifas, ao tempo que estabelece um novo prazo para obtenção dos descontos nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição por geradores por fontes renováveis o que, mais uma vez, pode continuar pressionando a CDE e as tarifas por mais vários anos.
Sem adentrar no mérito da relevância e necessidade dos referidos subsídios, parece que a “bomba relógio” continua com a contagem regressiva em ritmo acelerado ao se adotar medidas meramente paliativas e que têm o potencial de agravar a situação já bastante crítica. Para desarmar tal “bomba” ou ao menos retardar seus efeitos negativos, é urgente que soluções estruturantes e perenes sejam adotadas, em prol da sustentabilidade do setor elétrico no longo prazo.