Opinião
O novo capítulo da novela da prorrogação das concessões
Decreto que formaliza diretrizes, regras e regulamentos ainda não foi publicado, o que tem contribuído para ampliar a insegurança jurídica e a evidente inobservância do interesse público
Coautor: Mariana Saragoça
Ainda no ano de 2015, após todas as discussões e imbróglios que tangenciaram a prorrogação de concessões de distribuição com término naquele ano nos termos da Lei nº 12.783/2013, o Tribunal de Contas da União – TCU, nos termos do Acórdão nº 2.253/2015-Plenário, determinou que o Ministério de Minas e Energia – MME definisse, com antecedência mínima de três anos do termo final dos contratos de concessão, tal como previsto em lei e nos próprios contratos, “as diretrizes, regras e regulamentos necessários a dar transparência e previsibilidade ao processo de delegação das concessões de distribuição cujo término se daria a partir de 2025”.
Com o passar dos anos e a aparente inércia do poder público – inclusive descumprindo o prazo determinado pelo TCU –, ainda em agosto de 2022, tecemos algumas considerações sobre A necessária discussão acerca da possibilidade de prorrogação das concessões de distribuição e a relevância de que as medidas fossem adotadas com a maior brevidade de modo a garantir a segurança jurídica na prestação do serviço público.
O tema só começou a ganhar força a partir de meados de 2023, com a abertura da Consulta Pública nº 152/2023, fundamentada na Nota Técnica nº 14/2023/SAER/SE, propondo a prorrogação dessas concessões como regra geral, como também detalhado no artigo A proposta para prorrogação das concessões de distribuição.
A referida consulta pública foi concluída com a emissão da bem fundamentada Nota Técnica nº 19/2023/SAER/SE, que corroborou boa parte da proposta inicial do MME, com o encaminhamento pela prorrogação das concessões de distribuição desde que cumpridos determinados critérios de sustentabilidade econômico-financeira e indicadores de qualidade/continuidade do serviço (cf. Novas discussões sobre a prorrogação das concessões de distribuição).
Ato contínuo, as diretrizes foram encaminhadas para análise e chancela do TCU – ainda que se entendesse não haver obrigação legal –, o que acabou sendo reconhecido pelo próprio tribunal que, em sua sessão plenária ocorrida em 24.01.2024, destacou que (i) “a decisão por realizar nova licitação ou prorrogar os contratos de concessão do serviço de distribuição de energia é prerrogativa do poder concedente” e (ii) “que não há requisito legal, tampouco infralegal, que sujeite o MME a aguardar a manifestação do tribunal acerca das mencionadas diretrizes” indicando, ao fim, a legalidade de o Poder Executivo formalizar, por meio de decreto, as diretrizes, regras e regulamentos a serem aplicados ao caso.
Ocorre que o decreto ainda não foi publicado, situação que tem contribuído para a ampliação da insegurança jurídica sobre o tema e um aparente desvirtuamento das discussões em evidente inobservância do interesse público.
Como exemplo, vale observar que, desde então, o setor de distribuição de energia elétrica foi impactado por alguns casos de intempéries climáticas que produziram severas interrupções no fornecimento de energia elétrica por períodos mais acentuados o que, de pronto, gerou uma série de questionamentos, especialmente por parte do Poder Legislativo, e inclusive do próprio MME, acerca da adequação das regras de prorrogação discutidas no âmbito da consulta pública acima citada.
Sobre o tema, vale notar que as referidas notas técnicas avaliaram a prestação do serviço público pelas distribuidoras ao longo do todo o prazo da concessão (quase 30 anos), tendo concluído por sua adequação e pela possibilidade de prorrogação segundo critérios de qualidade vigentes (tidos como adequados).
Nesse contexto, considerando que a análise do Poder Executivo, após amplo debate com agentes e a sociedade em geral, chancelou a adequação da prestação do serviço e os indicadores de qualidade/continuidade, os eventos de interrupção acima citados, embora de extrema relevância e a ser tratado pela regulação setorial, não deveriam poluir a discussão sobre a prorrogação das concessões que já se encontrava em estágio avançado.
Ressalta-se que questões referentes à mitigação dos impactos de tais eventos são de extrema complexidade, exigindo um tratamento detalhado não tão condizente com diretrizes de prorrogação ou regras de contratos de concessão, mas sim de típica regulação setorial, o que já vem sendo discutido pela Aneel como, por exemplo, nas Tomadas de Subsídios nº 02/2024 e nº 04/2024.
A demora para a definição das diretrizes pelo poder concedente – além de descumprir prazos legais e contratuais reforçados por determinação do TCU e promover a insegurança jurídica no setor – abre espaço para manifestações oportunistas, movendo as análises do campo técnico para o campo político, o que é indesejável (vide O Congresso Nacional entre a canetada e a redução estrutural das tarifas de energia).
O desvirtuamento das discussões nos parece patente se avaliado o Projeto de Lei nº 4.831/2023, cujo regime de urgência foi aprovado pela Câmara dos Deputados nos últimos dias.
Com efeito, o referido projeto de lei parece desconhecer a realidade do setor elétrico brasileiro e as propostas de modernização do setor e da abertura do mercado livre.
A título exemplificativo, destaca-se que o projeto de lei em questão, ao avaliar impactos negativos que vêm sendo observados em decorrência da abertura do mercado livre e do crescimento da minigeração distribuída, prefere atacar os efeitos, sugerindo a garantir um mercado mínimo para a distribuidora com a limitação da migração de consumidores para o mercado livre e da inserção da minigeração distribuída, em vez de atacar as causas como a inadequada criação e alocação de subsídios e encargos tarifários.
Outro aspecto que parece ter sido proposto sem uma robusta fundamentação técnica e econômica seria a assunção de custos pelas distribuidoras de energia referentes a perdas não-técnicas e novos dispêndios para o enterramento de redes elétricas.
Este cenário – que também envolve outras variáveis como a recente recomendação de caducidade ou licitação de distribuidora de energia na região norte do Brasil – reforça a urgência para que o poder concedente defina as diretrizes para o tratamento às concessões vincendas, permitindo o avanço do processo.
A demora na tomada de decisão aumenta o risco percebido, impactando negativamente a captação de recursos e a realização de investimentos pelas concessionárias, além de gerar um ambiente propício para interferências externas indevidas, que, no limite, podem impactar negativamente não só o setor de distribuição, mas a percepção geral dos interessados em investir nos setores de infraestrutura do Brasil.