Opinião

O PL 6407/13 e o futuro da indústria do gás natural no Brasil

A indústria de gás natural no Brasil vive um momento crucial. É fundamental avançar na reforma e se alinhar com o padrão internacional o mais rápido possível. É ilusão pensar que restrições à competição vão trazer sobrevida à indústria do gás.

Por Edmar de Almeida

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Com a demora em avançar na liberalização do mercado, várias oportunidades para novas ofertas competitivas de gás já foram perdidas. Não apenas no pré-sal, mas também nas importações de GNL. Durante a pandemia, o preço do GNL no mercado internacional atingiu o patamar mais baixo das últimas duas décadas, mas nenhum novo ofertante de gás pôde aproveitar estes preços para concorrer no mercado brasileiro. A despeito disso, a pior consequência da lentidão em avançar na reforma não é a perda de oportunidades de mercado para promover a oferta competitiva do gás, mas o atraso em relação à própria agenda regulatória e de novos modelos de negócios em desenvolvimento no setor.

O Brasil está gastando uma enorme energia política para debater temas que foram resolvidos na maioria dos mercados internacionais de gás na década de 1990. A demora na aprovação da reforma da indústria de gás no país não se deve a nenhuma proposta que destoa da experiência internacional. Pelo contrário, a reforma brasileira não traz nenhuma novidade. Basicamente, busca implementar uma “versão soft” de medidas que já fazem parte do padrão de organização industrial em grandes centros gasíferos internacionais, que liberalizaram seus mercados durante a década de 1990 (Europa, EUA, Canadá, Austrália, México, Argentina, Colômbia, Peru e Chile).

O padrão de organização do mercado de gás nestes países inclui uma multiplicidade de ofertantes de gás, livre acesso às infraestruturas essenciais e às redes de transporte e distribuição, liberalização dos consumidores finais para escolher seus fornecedores, introdução de mercados organizados de gás com hubs físicos ou virtuais, venda direta de GNL por caminhões, bem como by-pass físico à rede de distribuição por grandes consumidores que recebem gás em alta pressão diretamente da rede de transporte.

Com as arrojadas metas de descarbonização da indústria energética adotadas pelos países europeus e outras nações desenvolvidas, soou o alarme na indústria de gás natural. As discussões regulatórias e de política energética no setor de gás destes países giram em torno de como adaptar a regulação e os modelos de negócios para garantir competitividade e sobrevida ao setor em um contexto de descarbonização. A introdução de mercados de carbono ou imposto sobre carbono vem ganhando força rapidamente como instrumentos de política energética.

Quase 100 países já adotaram algum tipo de mercado de carbono ou imposto sobre carbono. Nos países onde já existe um mercado de carbono consolidado, como países europeus, as ambiciosas metas de descarbonização se traduzem em limites mais rígidos para emissões, o que afeta a competitividade das fontes fósseis como o gás natural. Nestes países, a introdução do gás sintético renovável, do hidrogênio verde e do biogás são tendências claras de mercado. Ao mesmo tempo, o GNV vem perdendo espaço para a difusão do carro elétrico. Assim, a preocupação dos stakeholders está voltada para a adaptação regulatória, a inovação tecnológica e dos modelos de negócios.

Enquanto o padrão tecnológico no mercado internacional evolui, incluindo várias novas fontes e opções de transporte em um contexto competitivo, no Brasil estamos discutindo se queremos ou não a concorrência. É inacreditável que, nesta altura do campeonato, pressões das companhias distribuidoras de gás canalizado, dos governos estaduais e mesmo das agências reguladoras estaduais estejam trabalhando para atrasar a aprovação da Lei do Gás e para barrar a concorrência na oferta do insumo energético aos consumidores finais, defendendo medidas que representam obstáculos à organização de um mercado organizado de gás a nível nacional.

Ao retirar da ANP as competências de gasodutos de transporte intra-estaduais e o transporte e comercialização de gás natural a granel (GNL e GNC), eliminar diretrizes de acesso às infraestruturas essenciais (gasodutos de escoamento, plantas de processamento, plantas de regaseificação de GNL), e retirar as restrições de self-dealing por parte das distribuidoras estaduais, as emendas ao PL 6407/13 no Senado aleijaram a proposta de abertura do mercado. Todas estas emendas apontam na direção do monopólio estadual da comercialização de gás.

Se o projeto de lei for aprovado com as emendas, a abertura a nível federal não teria o efeito que interessa ao consumidor final, que é garantir a concorrência entre diferentes fornecedores na oferta de gás aos consumidores livres. Estas barreiras legais, se impostas, tendem a impedir novos modelos de negócios em linha com a evolução econômica e tecnológica da indústria. É fundamental avançar na reforma e se alinhar com o padrão internacional o mais rápido possível. É ilusão pensar que restrições à competição vão trazer sobrevida à indústria do gás. É o contrário: a falta de competição e a oferta de gás natural a preços elevados pode acelerar a transição energética no setor de forma desordenada, com consumidores simplesmente deixando de consumir gás em favor de fontes alternativas.

Todos têm a ganhar com um setor de gás plural e dinâmico, capaz de fornecer gás a preços competitivos ao mesmo tempo em que promove uma transição energética ordenada. É a competição que garantirá as condições para um retorno dos investimentos nos setores de transporte e distribuição no longo-prazo. Depois que o Brasil começou o debate da abertura do mercado, China e Índia, países onde a indústria do gás era fechada à concorrência, já avançaram na promoção da competição no setor. O mercado de gás destes países está prosperando, com rápido crescimento e diversidade de oferta, enquanto o mercado brasileiro encontra-se estagnado há mais de uma década.

Posto isto, a aprovação do PL 6407/13 em discussão na Câmara é fundamental, pois representa um passo importante para a criação de um mercado concorrencial a nível nacional. Para isto, é preciso que o Congresso e os agentes entendam que a criação de privilégios concorrenciais, como os defendidos pelas emendas introduzidas no Senado, serve apenas para calcificar nosso atraso em relação à agenda de futuro da indústria.

É através da inovação e introdução de novos modelos de negócios em um mercado integrado e concorrencial que a sociedade brasileira poderá usufruir não apenas de gás competitivo, mas também de uma indústria de gás dinâmica e sustentável.

Edmar Almeida é professor (licenciado) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do IEPUC. É economista, mestre em Economia Industrial e doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Política Energética e Economia da Universidade de Grenoble, França. Desde 1993, Edmar dedica-se ao ensino e a pesquisa em economia energética com especial interesse em organização industrial e a dinâmica da indústria energética, regulação e política energética e inovação tecnológica e seus impactos nos mercados de energia.

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