Opinião
Por que os preços do gás natural estão tão altos?
No Reino Unido e no Brasil, a geração a gás tem sido vital para evitar apagões, mas a preços elevados, em função do desequilíbrio entre oferta e demanda
No terceiro trimestre de 2021 os preços internacionais de gás natural atingiram níveis extremamente elevados. Em 7 de outubro o preço do marcador asiático JKM atingiu $56,32/MMBtu para entregas em dezembro, um aumento de quase 40% em um único dia, e mais de 100% em relação a setembro. O preço spot no mercado europeu, no hub TTF, atingiu $54/MMBtu. Em janeiro de 2021 os preços internacionais também atingiram um pico, mas bastante mais modesto quando comparado com outubro, com JKM chegando a $21/MMBtu, mas TTF precificado a menos de $7/MMBtu. Em março de 2013, o preço do gás no mercado britânico atingiu um pico de $23/MMBtu.
Um fator de alerta é que ao longo dos últimos cinco anos, a despeito de picos de inverno, os preços europeus raramente eram superiores a $10-12/MMBtu, pois a Europa era o mercado de última instância quando existia excesso de GNL no mercado internacional.
Esse aumento de preços decorre de diversos fatores: um inverno muito frio no início de 2021 no Hemisfério Norte, ocasionando a baixa nos estoques norte-americanos e europeus; a retomada da atividade econômica em 2021, ainda reduzida, após a flexibilização das medidas restritivas no auge da pandemia, com forte aumento da demanda de eletricidade; um verão quente no Hemisfério Norte, com aumento da demanda para refrigeração, deplecionando ainda mais os estoques de gás; problemas de produção e manutenção em plantas de GNL e campos produtores de gás em diversos países.
Além disso, no Hemisfério Sul, a Argentina precisou importar volumes crescentes de GNL, incluindo a reativação do terminal de GNL de Bahia Blanca, por conta da redução da produção de gás em Vaca Muerta por problemas macroeconômicos, congelamento de preços aos consumidores e restrições às operações no auge da pandemia. No ano de 2021, a Argentina importou 56 carregamentos de GNL contra 28 em 2020.
O Brasil também contribuiu substancialmente com o aumento da demanda global de GNL. Em função da seca e deplecionamento dos reservatórios da região Sudeste/Centro Oeste – em 08 de outubro o sistema contava com apenas 16,5% de sua capacidade de armazenamento. Além disso, a parada para manutenção da plataforma de Mexilhão, na Bacia de Santos, contribuiu para a redução da oferta de gás nacional, com consequente aumento da importação de GNL, já que a Bolívia não tem entregado mais do que o volume contratual de 20 MMm3/dia.
No mês de agosto de 2021 o Brasil foi o décimo maior importador mundial de GNL, com importações médias de 32MMm3/dia, segundo dados da AIE. Nos oito primeiros meses de 2021 o Brasil importou 5,7 bilhões de metros cúbicos, contra 3,2 bilhões de metros cúbicos em todo o ano de 2020. E a tendência é de que até o fim do ano a situação continue crítica, tanto em função da situação hídrica como em função dos preços elevados do GNL, com a entrada do inverno no Hemisfério Norte.
Cabe ainda destacar um ponto significativo sobre a necessidade de um melhor planejamento da transição energética. O Reino Unido tem investido pesadamente no comissionamento de energia eólica offshore, que é mais cara, mas tem um fator de carga mais elevado do que as turbinas onshore, chegando a atingir 50-55% em algumas regiões. O Reino Unido foi no passado um grande produtor de gás natural, mas os reservatórios do Mar do Norte têm-se esgotado e o país não possui capacidade significativa de armazenagem de gás. Assim sendo, importa gás natural da Noruega e da Rússia, e tem ainda três terminais de importação de GNL. Em 2020, as energias renováveis (eólica, solar e biogás) contribuíram com 43% da energia gerada no país, contra 37% em 2019. No terceiro trimestre de 2021 a falta de vento ocasionou um maior despacho de termelétricas a gás. Por exemplo: em fevereiro de 2021, a geração a gás representou 36% do mix contra 26% do vento, enquanto que, em setembro, a participação do gás subiu para 42%, contra 18% do vento.
No Reino Unido e no Brasil, a geração a gás tem sido vital para evitar apagões, mas a preços elevados em função do desequilíbrio oferta-demanda. Se os sinais econômicos para a produção de gás forem retirados, sem soluções efetivas para armazenar eletricidade, o mundo ficará à mercê de preços voláteis de gás e de eletricidade.
Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação