Opinião

Repercussões de uma possível paralisação das agências reguladoras

A Lei 13.874/19 dispõe que eventual ato público de liberação para a atividade econômica, se não praticado nos prazos regulamentares, importará em sua aprovação tácita para todos os efeitos

Por Frederico Accon

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Coautora: Mariana Saragoça*

Ao longo das últimas semanas, os setores regulados do Brasil estão vivenciando um movimento pela valorização dos servidores públicos das agências reguladoras federais, com a possibilidade de adoção das chamadas “Operação Padrão”, e inclusive de eventual paralisação. Tal movimento impacta atividades e prazos de tramitação dos processos administrativos e, consequentemente, a exploração econômica das atividades pelos agentes.

Tal medida ocasionou, por exemplo, a não realização da 20ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria da Aneel de 2024, prevista para o dia 11.06.24, que foi encerrada com a retirada de pauta e consequente não deliberação de quaisquer processos.

Ainda sobre o tema, e após levantamentos atribuídos à Associação dos Servidores da Aneel – Asea, foi identificada uma significativa redução na distribuição de processos a diretores relatores na Aneel, passando de cerca de 38 processos distribuídos por semana em maio/24 para apenas 13 processos por semana em julho/24. O mesmo também foi observado nos processos inscritos para deliberação nas reuniões de diretoria da agência, que eram 36 processos em abril/24 e caíram para cerca de 24 processos por reunião de diretoria em julho/24.

Tal situação pode ser ainda agravada em caso de extensão da greve geral das agências reguladoras, incluindo a Aneel, tal como uma primeira paralisação aprovada pelo Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação – Sinagências e ocorrida nos dias 31.07.24 e 01.08.24. Nessa linha, é a conclusão de estudo conduzido pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).

A apreensão acerca deste movimento traz uma série de reflexões acerca da imprescindibilidade das agências reguladoras para o desenvolvimento de atividades econômicas no Brasil, da relevância de sua autonomia financeira e decisória e, por óbvio, da necessidade da valorização de seus servidores.

No caso específico do setor elétrico, vale observar a existência da Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica – TFSEE, criada pela Lei nº 9.427/1996 com a finalidade de constituir a receita da Aneel para cobertura das suas despesas administrativas e operacionais, mas que, ao longo dos últimos anos tem sido contingenciada para a cobertura de outras despesas. Por exemplo, no ano de 2023, apenas uma pequena parte do total R$ 1,1 bilhão arrecadados pela TFSEE foi efetivamente aplicado na fiscalização dos serviços.

Sem prejuízo das necessárias reflexões acerca do orçamento das agências reguladoras, e ainda que absolutamente legítimo o movimento dos seus servidores, fato é que os agentes regulados não podem deveriam ser penalizados por discussões sobre as quais não têm ingerência nenhuma e que atravessam temas como ausência de valorização dos servidores públicos ou mesmo inadequada utilização de recursos.

Nesse contexto, em que se vislumbra eventual paralisação ou mesmo atraso nos atos ou decisões a serem praticados pelas agências reguladoras, vale citar a Lei nº 13.874/2019, a chamada Lei da Liberdade Econômica, que prevê a proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, bem como trata da atuação do Estado como agente normativo e regulador. A referida Lei dispõe que eventual ato público de liberação para a atividade econômica, se não praticado nos prazos regulamentares, importará em sua aprovação tácita para todos os efeitos (vide Art. 1º, § 5º e Art. 3º, IX).

Em atendimento à referida lei, a Aneel editou a Portaria nº 6.242/2020 que estabeleceu, para os atos sob responsabilidade da agência que se enquadrem no conceito de atos públicos de liberação de atividade econômica, o prazo máximo de 60 (sessenta) dias.

Neste aspecto – ainda que a aprovação tácita não seja o cenário desejável – trata-se de relevante previsão da qual os agentes podem se valer em situações extremas e que, inclusive, contribui para a manutenção dos investimentos e do desenvolvimento econômico do país.

Vale reforçar que eventual aprovação tácita não afasta a obrigação do cumprimento das condicionantes para a obtenção da autorização desejada, de forma que tal medida deve ser adotada com parcimônia e com a devida análise acerca da correta e adequada instrução do processo e atendimento dos requisitos necessários à autorização pretendida. 

É indiscutível a relevância da atuação dos servidores públicos e dos agentes setoriais na defesa da autonomia financeira e decisória das agências reguladoras, bem como na adequação de seu orçamento de modo a garantir sua devida atuação na forma e prazos necessários à liberação das atividades econômicas. 

Não obstante isso, em cenários de estresse tal como o atualmente vivenciado, também é preciso reconhecer que os agentes econômicos não podem ficar à mercê da conclusão de negociações sobretudo políticas, que podem ser demasiadamente morosas, para obter a liberação do exercício de suas atividades econômicas.

*Mariana Saragoça é sócia do escritório Stoche, Forbes Advogados.

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