Opinião

Medidas de curto prazo criam riscos de longo prazo na área do gás

O pacote intervencionista do Governo no mercado é reação a deficiências regulatórias da Lei do Gás, mas cria riscos de longo prazo. As medidas miram o curto prazo para questões estruturais mais complexas

Por Osmani Pontes

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Mês passado, o governo celebrou um conjunto de atos que afetam toda a cadeia de óleo e gás e visam à redução do preço do gás natural no mercado interno. As decisões foram fruto de forte lobby da indústria consumidora de gás natural, mas gerou insatisfação na indústria produtora.

Em seu bojo, as medidas aumentam os poderes da ANP para regular as tarifas de escoamento e tratamento de gás natural. Atualmente, pela Lei do Gás de 2021, o preço é formado pela livre negociação entre as empresas e a PPSA, a estatal do pré sal, não pode comercializar gás natural e GLP além das unidades de processamento. É obrigada a vender a parcela de gás da União na plataforma. Por sua vez, a Petrobras cobra um preço ligeiramente abaixo do preço de importação permitindo às concorrentes usarem seus dutos.

Em parte isso cria um problema já que o mercado é pouco concorrencial e não há balizamento de margens, ponto que a Lei do Gás deixou de definir ao negligenciar papéis para a ANP. No entanto, a solução do governo foi permitir à PPSA que possa comercializar gás e concorrer com a própria Petrobras.

A ideia é forçar a concorrência, mas há riscos de inviabilização de importações, negócio fundamental para alguns players importantes do mercado. Afinal o preço ficará bem abaixo do atual e do importado.

A intensidade da baixa do preço do gás resulta de outra frente das medidas que tenta resolver com imediatismo uma questão ainda mais complexa. Por conta da falta de infraestrutura de gasodutos (só há dois no país) e do alto teor de carbono, parte do gás natural extraído junto ao petróleo das camadas do pré sal é reinjetada para aumentar a pressão subterrânea e facilitar a extração do óleo cru.

O governo enxerga desperdício nesse procedimento já que há redução de oferta de gás no mercado interno. Numericamente, a produção de gás natural brasileira hoje é de 150 milhões de metros cúbicos/dia, mas 78,6 é reinjetada. Isso porque por conta da infraestrutura precária a taxa de reinjeção necessária é de 52%, contra 35% da média do resto do mundo.

Com isso, há necessidade de importação de 17,7 milhões de metros cúbicos/dia de GN, sendo 83% da Bolívia e 17% dos EUA. Além de afetar adversamente a balança comercial, o preço interno do insumo fica mais caro: 14 dólares/milhão de BTU x 2,5 dólares nos EUA.

A partir disso, a ANP vai, a partir de 2025, impor a redução da reinjeção de gás nos poços de novos projetos, forçando a produção nos já existentes. Como contrapartida, a agência determina que as petroleiras devem construir seus próprios gasodutos. O problema é que há uma contradição uma vez que o setor sofrerá redução de margens e o crédito bancário é escasso: mesmo com a redução dos juros a nível global, a baixa subjacente do preço do petróleo encarece os contratos futuros de petróleo.

Isto afeta o balanço dos bancos que, para emprestar às companhias de óleo e gás, precisam aumentar no balanço contratos futuros que acompanhem o preço do petróleo, variável chave do lucro das empresas devedoras. Por seu turno, a volatilidade dos preços também dificulta a venda de contrato futuro que serve como hedge para os bancos, pois o banco incorre no risco de mercado de descasamento do passivo futuro, mais caro e ativo futuro, mais barato.

Desse modo, as medidas do governo criam um sério risco contratual e podem prejudicar os investimentos futuros levando à judicialização por conta do próprio conflito criado com a já vigente Lei do Gás. Ao invés de estimular a concorrência, o governo pode criar um monopólio natural ineficiente.

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