Opinião
O desafio da Petrobras no downstream e combustíveis alternativos
A reentrada da petroleira no setor de distribuição atenderia a uma necessidade macroeconômica e de transição energética, mas esbarra em obstáculos contratuais, embora contornáveis
Dando continuidade nesta coluna aos artigos anteriores sobre os desafios de entrada ou reinserção da Petrobras nos segmentos do setor de óleo e gás, já comentamos sobre exploração e produção e sobre o refino. Faltava uma análise sobre o downstream, que engloba na prática a comercialização, transporte e distribuição de derivados, atividades que eram concentradas na antiga BR.
A BR começou a ser vendida na gestão Parente, com a redução de 28% da participação da União, pautada pela percepção de que a Petrobras deveria concentrar suas atividades em negócios que exibissem maior retorno como a exploração e produção.
A BR foi privatizada por etapas, mas predominantemente por vendas das ações detidas pela Petrobras em bolsa, em um processo de pulverização acionária concluída em 2019 já sob o comando de Roberto Castello Branco.
No entanto, o atual governo considerou a privatização um erro crasso. Isso leva em consideração não somente a perda de rentabilidade (pelo contrato a Vibra, nova BR, repassa somente 0,03% da receita operacional líquida para a Petrobras), como também estratégica.
Primeiro porque houve demissão de mão de obra qualificada no setor. Em segundo lugar, porque a Vibra não vende somente combustíveis da Petrobras. E, em terceiro, porque nessa visão seria importante a atuação de um braço da Petrobras na comercialização, dando à matriz a garantia de que os preços da nova política estariam sendo praticados na ponta. Em outras palavras, uma vez que a distribuidora da Petrobras cobrasse preços baixos (quando a política de preços de venda na refinaria assim o permitisse), por concorrência as demais distribuidoras também o fariam.
Há uma fragilidade nesta tese, uma vez que a distribuição responde por somente 3% da margem de lucros do setor, de modo que a compressão desta margem geraria poucos retornos sociais em termos de preços finais. Isso, no entanto, não invalida o desejo do governo.
Há também um fator relevante que diz respeito à transição energética. A distribuição é o ponto de contato entre a petroleira e o consumidor final e hoje a Petrobras só tem contato com o comércio entre indústrias, mas não com motoristas, empresas de navegação, agronegócio e outros setores que buscam a descarbonização, que é justamente uma oferta da Petrobras ao buscar mercado na gestão atual.
A ausência da petroleira no setor impede esse encontro de demanda e oferta. Portanto, não é um equilíbrio ótimo em termos mercadológicos. Sobretudo porque nas refinarias a petroleira já busca gerar combustíveis de nova geração, em linha com a diversificação de negócios como o biorrefino, energia eólica offshore e hidrogênio.
Esse projeto, porém, encontra obstáculos. Há um termo do contrato pelo qual a Petrobras cedeu a marca BR para a Vibra até 2029, renovável por mais 10 anos. A Petrobras também não poderia atuar diretamente no setor de postos de serviços. A alternativa, em princípio, seria a petroleira abrir mão do projeto, ao custo de acelerar a transição energética.
E isso ensejaria mexer no vespeiro da distribuição de dividendos, já que forçaria mudanças no plano de investimento da empresa. A recompra da Vibra é um caminho difícil, pois haveria judicialização e a Petrobras trabalha com três possibilidades.
A primeira é comprar, em mercado, participações de outros donos da Vibra. A segunda é criar uma nova distribuidora, mas sem poder operar postos, já que o contrato com a Vibra impede. A terceira é comprar a Ipiranga da Ultrapar e a Raízen da Cosan. A parcela de ambas no mercado de gasolina soma 35,6% contra 24,5% da Vibra. No diesel, soma 39,3% contra 27,5% da Vibra. Dessa forma, seria o meio mais factível de a Petrobras ter atuação no downstream sem gerar ruídos negativos no mercado.