Opinião
Bacia da Foz, licenciamento ou risco Brasil
É certo que não se pode ser inconsequente e licenciar a qualquer custo. Mas também é certo que se precisa estar mais preparado para enfrentar o desafio do licenciamento tempestivo, sob pena de condenar o Brasil à estagnação
Com a negativa do Ibama ao pedido de licenciamento para a perfuração de poço exploratório na Bacia da Foz do Amazonas, após 10 anos da licitação da área e de esforços em prol do licenciamento promovidos por três gigantes da indústria petrolífera, cabe aqui a questão: esse penoso processo, que ainda em 2023 agrega exigências adicionais, faz parte de um aprimoramento regulatório ou é um perigoso sinal de elevação do risco Brasil?
O impacto dessa negativa transborda o de licenciamento de um importantíssimo projeto de exploração de petróleo e o da própria sobrevivência da estatal brasileira como empresa contributiva do desenvolvimento nacional. Afeta a continuidade da indústria petrolífera no país, além de aumentar o risco e o custo de todos os demais projetos de infraestrutura que dependem de licenciamento ambiental federal.
Vamos ao histórico dos fatos.
Após intensas discussões sobre o potencial petrolífero do pré-sal e a identificação do potencial desse novo play petrolífero, retomaram-se as licitações da ANP. Nesse momento, com 91% da produção do petróleo nacional oriunda do Sudeste, o país decidiu gerar oportunidades para o Norte e Nordeste. O foco principal foi a Margem Equatorial, litoral do Amapá inclusive.
A decisão da inclusão dessas oportunidades, em contexto exploratório similar ao da área Guiana-Suriname, não foi casual. Ela foi aprovada pelo CNPE, do qual faz parte o MMA e pela Presidência da República em 2013. Em seminário técnico da 11ª rodada da ANP, destacou-se descoberta a 50 km da fronteira com o Brasil.
Exploração na Guiana Francesa (2013)
À época, o Ibama alertava para a Portaria Interministerial MME/MMA n° 198/2012, que estabelecia a necessidade de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e se comprometia com o estabelecimento antecipado de diretrizes e recomendações para o licenciamento das áreas. À época também restou pacificado que não seria viável a realização de AAAS em todas as bacias brasileiras de uma única vez. Isso levaria muito tempo.
A 11ª rodada foi um sucesso. Foram arrecadados mais de R$ 2,8 bilhões. Oito blocos da Bacia da Foz do Amazonas, em águas profundas, obtiveram em conjunto mais da metade desse montante.
As previsões da ANP e as expectativas da indústria estavam corretas. Hoje, a bacia Guiana-Suriname é vista como uma importante província petrolífera.
Áreas no offshore das Guianas e Suriname (2019)
Mas no Brasil nada aconteceu. Até o momento foram realizados apenas dois Estudos Ambientais de Área Sedimentar (EAAS): um na Bacia do Amazonas (terra) e outro na de Sergipe-Alagoas (mar). Ainda não há nenhuma AAAS concluída e o país parece ter esquecido de que acordou que, enquanto elas não existissem, o licenciamento seria realizado nos moldes anteriores. O compromisso do estabelecimento de diretrizes e recomendações antecipadas para o licenciamento das áreas também não foi efetivo, já que nenhuma das três petroleiras interessadas na área conseguiu executá-lo.
Após 10 anos da licitação e esforços da TotalEnergy, BP e Petrobras, ainda se alegam falhas nos estudos ambientais. Leva-se a sociedade a crer que as três empresas deliberadamente pretenderam não seguir as recomendações do órgão licenciador, optando pela destruição ambiental. Questões corriqueiras para a indústria do petróleo, como as relativas à avifauna costeira, desova de tartarugas marinhas, logística de exploração e modelagem de derrame se tornaram empecilhos irremovíveis.
O certo é que, contabilizando os argumentos elencados para embasar a negativa à Petrobras, restam questões a responder para a sociedade: (i) o Ministério do Meio Ambiente considera essas áreas licenciáveis e a Petrobras capaz de operar no Amapá? (ii) as melhores práticas da indústria são suficientes para a Margem Equatorial brasileira? (iii) as lacunas de conhecimento sobre o território brasileiro serão sempre empecilhos ao desenvolvimento nacional e aos grandes projetos de infraestrutura? (iv) o Brasil vai negar a viabilidade de projetos de infraestrutura até haver AAAS prévio para suas grandes obras? (v) o MMA será, de fato, o verdadeiro poder concedente do país? A Presidência da República concorda com isso? (vi) o país inviabilizará novas tecnologias, até ter a “certeza absoluta” de todos os seus impactos ambientais? Qual o impacto das energias renováveis – eólicas, por exemplo – na alteração de comportamento e afugentamento da avifauna brasileira, mormente das aves costeiras? Esse possível impacto será impeditivo para novos projetos de geração eólica?
Todas essas questões dão o tom do tamanho do desafio ambiental imposto ao Brasil, e do impacto de uma negativa desse porte à Petrobras. As petrolíferas despenderam mais de bilhão de Reais apenas para aquisição dessas áreas.
É certo que não se pode ser inconsequente e licenciar a qualquer custo. Mas também é certo que se precisa estar mais preparado para enfrentar o desafio do licenciamento tempestivo, sob pena de condenar o Brasil à estagnação. O MMA não pode usurpar o poder de concessão da Presidência da República. Mas atualmente até projetos de licenciamento da já madura Bacia de Campos são penalizados por longos processos de licenciamento.
É nesse contexto que se advoga a intervenção do Presidente da República. É ele que tem mandato para estabelecer as prioridades nacionais, em nome do povo, já que essas outorgas têm o aval do CNPE e da Presidência. É ele quem precisa decidir sobre os impactos e consequências de se optar pela certeza absoluta (isso existe?) em relação ao licenciamento ambiental ou pelo fortalecimento da Petrobras e seu papel no desenvolvimento econômico do país.
Não é crível que após 10 anos da oferta pública da Margem Equatorial e décadas de operação na Bacia de Campos, ainda haja impasses técnicos em processos de licenciamento. Resta clara a existência de questões de natureza geopolítica a resolver, para que os licenciamentos ambientais do país sejam oportunos e tempestivos. Ou se faz isso agora, ou esse impacto continuará colocando em risco todos os projetos de infraestrutura carentes de licenciamento federal e elevando significativamente o Custo Brasil. Importante lembrar que, a duras penas, já se aprendeu que TODO O RISCO É PRECIFICADO e que, quando essa conta vier, será paga pelo povo brasileiro!
Magda Chambriard, engenheira, mestre em Engenharia Química e Civil, é diretora da Assessoria Fiscal da Assembléia Legislativa do RJ (Alerj) e sócia da Chambriard Engenharia e Energia. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.