Opinião
Investimentos públicos de muito retorno? Que tal o Plano Plurianual de Geologia e Geofísica da ANP?
O histórico de descobertas, mesmo em áreas consideradas pouco atrativas, mostra a importância dos investimentos exploratórios públicos nas novas fronteiras brasileiras, ora descontinuados
Essa semana a Petrobras anunciou descoberta na área de Alto de Cabo Frio Central. Trata-se de um poço perfurado no pré-sal, que atingiu reservatório de grande espessura e boa produtividade. Uma ótima notícia para o Brasil e mais um sucesso do Plano Plurianual de Geologia e Geofísica (PPA G&G) da ANP.
Do PPA G&G saíram também as descobertas dos campos de Búzios e Mero (realizadas pelos poços ANP-1 e ANP-2A), duas das maiores descobertas do país, dentre outros retornos. Vamos aos fatos.
Mero foi a última grande descoberta comercial do Brasil, na área de Libra, licitada em 2013 com poço perfurado, testado e óleo precificado segundo análise realizada em laboratório da ANP. Foi uma ação inédita, com vistas a mostrar ao mundo, que ainda desconfiava, a realidade do pré-sal. Deu certo, no 1º leilão o bônus de assinatura foi alçado à casa dos R$ 15 bilhões. Era a primeira vez que os leilões da Agência atingiam a casa dos bilhões. O resultado foi tal que a Guia de Recolhimento da União (a GRU), usada para pagamentos aos cofres públicos, teve que ser alterada. Até então ela só permitia o pagamento de milhões de Reais.
Curiosidades a parte, e voltando ao PPA G&G, a ideia era adquirir dados e informações nas bacias sedimentares brasileiras para reduzir o risco exploratório até que as empresas se interessassem por essas áreas. Havia clareza de que os investidores não aceitariam o risco absoluto. Seria preciso reduzi-lo para atrair investimentos, fossem eles estatais ou privados.
Com esse propósito, o PPA G&G foi inserido primeiramente no Plano Piloto de Investimentos (PPI) e a seguir no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Através dele foram contratados aerolevantamentos, levantamentos sísmicos e geoquímicos e até perfurados poços em parceria com a Petrobras. Os resultados foram inquestionáveis.
A primeira área a motivar esses investimentos foi a Bacia do Parnaíba (MA, PI e TO). O resultado veio em pouco tempo: áreas até então desacreditadas foram disputadas nos leilões da ANP e, atualmente, a produção de gás do Maranhão faz da Eneva a maior produtora terrestre do país em barris equivalentes, salto importante para que a empresa alçasse novos voos.
No bojo do PPA, foram realizados investimentos de norte ao sul do país, incluindo análises geoquímicas na margem equatorial brasileira e na plataforma continental ao sul do país. Em todas as áreas identificou-se indícios de hidrocarbonetos.
No âmbito desses estudos surgiu a ideia de se realizar um levantamento sísmico no Alto de Cabo Frio. Seria um levantamento 3D de 10.000 km2, em uma área considerada pouco atrativa para a pesquisa petrolífera. Nesse momento, era comum ouvir que a região era improdutiva: o Alto de Cabo Frio, como o próprio nome diz, é FRIO! A ANP insistiu na contratação do levantamento. A ideia inicial de se licitar evoluiu para uma ação não orçamentária do PAC (a ANP conseguiu que o mercado assumisse esse levantamento, nos moldes de levantamentos especulativos regulados pela Agência). Mais tarde, as áreas de Alto de Cabo Frio Central e Oeste atingiram bônus milionários nos leilões da ANP. Mais um retorno inquestionável do programa.
Dentre os inequívocos resultados até então alcançados, há um específico que ficou pendente de conclusão mais apropriada: o entendimento do sistema petrolífero da Bacia dos Parecis, no Estado do Mato Grosso. Essa bacia não contava nem com carta estratigráfica. A ANP a confeccionou. Alguns levantamentos foram feitos na área até a perfuração do poço ANP-06, que encontrou mais de 200 m de coluna intercalada com gás, comprovando a importância de se prosseguir com esses estudos. No imaginário dos exploracionistas da Agência passava a seguinte pergunta: e se houvesse tight gas no Mato Grosso para contribuir com o desenvolvimento regional?
Em geral, assumia-se como correta a percepção do geólogo americano Walter Link, que chefiou a área de exploração da Petrobras entre 1956 e 1961: o petróleo estaria no mar. Mas e se o gás não associado estiver em terra, nas bacias interiores?
Com esse histórico, espera-se que o Estado entenda a importância dos investimentos exploratórios públicos nas novas fronteiras brasileiras, ora descontinuados. Há centenas de km2 de áreas praticamente inexploradas. Batize-se da forma que se melhor entender. Seja com que nome for, é importante ter em mente que se o Estado não o fizer, certamente o “mercado” não o fará, e um potencial imenso de recursos petrolíferos e gasíferos ficará à margem de qualquer possibilidade de aproveitamento em prol do desenvolvimento do país.
Magda Chambriard é pesquisadora da FGV Energia.