Opinião
Mudanças macroeconômicas no Ocidente pós-restrição de fornecimento de gás russo
Teoria econômica antecipa fenômeno que tende a ocorrer com cada vez maior velocidade com a adaptação das economias da Europa à redução e, eventualmente, interrupção das exportações russas
A Ciência Econômica, moldada por eventos históricos, é fundamental ao nos permitir observar como a teoria reage a circunstâncias político-econômicas que, no tempo, servem de insumo de pesquisa para, por vezes, a própria ciência antecipar o desenrolar dos movimentos econômicos.
Desde a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia a questão do fornecimento de gás e petróleo russos para a Europa esteve na pauta dos principais debates macroeconômicos. É sabida a importância da energia russa para a indústria europeia, sobretudo a alemã, cujo 1/3 das importações de petróleo russo vão diretamente para as refinarias.
Algum precedente histórico pode servir como prelúdio desta exposição. Em 2019 uma contaminação do oleoduto de Druzhba que transportava óleo da região do Tartaristão, Rússia, para Polônia, Alemanha, Eslováquia, República Tcheca e Hungria forçou o desligamento dos dutos, pois havia risco de danificação de equipamentos de processamento. As refinarias alemãs substituíram o óleo do oleoduto pela importação de óleo de navio, da Rússia, mas ainda assim tiveram que se adaptar operando abaixo da capacidade instalada.
Desta vez, a alternativa não são navios nem nenhum tipo de óleo russo, mas o gás russo é vital para a sofisticada indústria química alemã. Uma das alternativas vem sendo a substituição de plásticos, o que enseja uma transição ambiental ainda que forçada com a redução do uso do plástico descartável.
Na esteira desse debate, Benjamin Moll, um dos principais macroeconomistas do mundo e referência na introdução da análise segmentada de diversos grupos de consumidores, revisou o programa de seu curso de macroeconomia no Departamento de Economia da London School of Economics and Political Science e no item 3 de seu curso há o tema “Ocidente sem gás russo”. No espaço usualmente dedicado aos modelos de oferta e demanda agregadas que usam como estudo de caso os choques do petróleo dos anos 1970, Moll aperfeiçoa a análise incluindo o choque de petróleo do pós-2021.
Se nas análises consagradas dos manuais de macroeconomia havia a análise dos efeitos de inflação e estagnação dos choques, agora há, além desses estudos, as potenciais mudanças estruturais das economias sujeitas à nova restrição de acesso ao gás russo.
Nessa linha, Rüdiger Bachmann et al (“What if? The Economic Effects for Germany of a Stop of Energy Imports from Russia”, 2022) avaliam os efeitos da restrição de energia russa para a Alemanha, descartando a tese da engenharia e adotando a tese econômica. Pela ideia convencional da engenharia, a substituibilidade do gás russo é próxima de zero, pois nenhum processo de substituição a nível microeconômico é possível e assim um choque de redução de importação do insumo gera redução proporcional no PIB do país.
No artigo, no entanto, os autores argumentam que essa visão é estreita e com base na contribuição schumpeteriana de destruição criativa, afirmam que é possível um ajuste estrutural macroeconômico mesmo que a nível individual microeconômico isto seja inviável. Ou seja, no agregado há possibilidades de substituição que se dão com as empresas do setor de óleo e gás acessando mercados que gerem importações mais baratas que as caras importações que envolvem o insumo cada vez mais escasso, pois restrito. Na prática, a Alemanha passaria a importar bens que seriam mais caros de se produzir internamente, já que o gás é usado a montante na produção e isso permitiria crescimento de longo prazo.
Pode-se avaliar que assim como nos anos 1970 o estudo dos choques de petróleo gerou a crise do modelo da síntese neoclássica que defendia que havia uma estabilidade na escolha dos governos entre mais inflação e mais emprego, abrindo caminho para a visão chamada monetarista do liberalismo de Friedman, hoje a necessidade de mudança nas formas de produção na esteira da preocupação ambiental e a resiliência da estrutura econômica condicionam uma transformação ainda que gradual e tardia da matriz energética europeia.
Osmani Pontes é economista, com MBA em mercados de derivativos, opções e futuros pelo INSPER e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Escreve mensalmente na Brasil Energia.