Transição energética no transporte rodoviário após a COP30
Opinião
Transição energética no transporte rodoviário após a COP30
O planejamento nacional não explora a diversificação de tecnologias, com metas que poderiam impulsionar o investimento em novos tipos de motorização no país, favorecendo o desenvolvimento da indústria automotiva nacional
Os resultados da COP30 reforçaram a percepção de que a transição energética no transporte perde força na agenda de países nos diversos continentes. A realidade do atingimento de metas na União Europeia, assim como a consolidada visão americana sobre a mudança climática, se reflete no desafio para cumprimento das metas e implementação de ações previstas para redução do aquecimento global.
No lado brasileiro, temos uma política energética que avança na adoção de biocombustíveis, visando a descarbonização. A legislação atual determina os percentuais de mistura, independente de metas específicas de redução de emissões para o transporte.
Na COP30, havia a expectativa de que se iniciasse o processo de discussão para geração de acordos com metas globais para transição energética de combustíveis, direcionando a velocidade de descarbonização da matriz de transportes em nível global, o chamado “Mapa do Caminho para Transição de Combustíveis Fósseis”.
Com o término das negociações, fica clara a ausência de consenso mesmo para a possibilidade de discussão de um plano de transição. Na prática, a mensagem da COP30 é de que as iniciativas de transição energética serão individualizadas por país. Portanto, a avaliação de metas e impactos econômicos será decidida de acordo com fatores locais e sua velocidade de implementação dependerá do contexto político de cada país ao longo dos anos.
O resultado da COP30 evidencia a fragmentação das iniciativas para descarbonização dos transportes. Na ausência de diretrizes globais, passa a ser relevante uma avaliação da situação atual das metas de emissões de CO2 em regiões que são referência para a política energética brasileira: Europa e EUA.
A União Europeia busca a neutralidade de emissões de CO2 no transporte rodoviário para veículos leves até 2050 e uma redução de 90% para veículos pesados até 2040 em relação ao ano de referência de 1990, mas a substituição de combustíveis fósseis tem sido lenta, mesmo com o foco na eletrificação da frota leve e o desenvolvimento de motorizações alternativas para veículos pesados.
Os dados de 2023 da European Environment Agency mostram que as emissões de GEE geradas no transporte rodoviário foram reduzidas em 4,8% em relação ao ano de referência de 2005. Apesar da forte redução nas emissões de novos veículos leves, caindo de 162 g CO₂/km em 2005 para 106,4 g CO₂/km em 2023, estes ganhos não compensaram substancialmente as emissões de veículos pesados. Os resultados atuais estão distantes das metas previstas em valores absolutos de emissões.
Em termos de ações para implementação das metas, a União Europeia tem como principais pontos a proibição da venda de veículos leves (englobam carros e comerciais leves) que gerem emissões de CO2 a partir de 2035, o mesmo sendo aplicado para ônibus urbanos. São legislações que regulam fortemente o mercado e podem gerar uma transformação na produção de motorizações para veículos, ao mesmo tempo podem representar aumento significativo de custo para o consumidor.
Nos EUA, o transporte rodoviário responde pela maior parte das emissões em transporte, uma participação que cresceu de 71% em 2005 para cerca de 81% em 2023. Em valores absolutos, as emissões rodoviárias de GEE diminuíram entre 2005 e 2023 em 9,7%, conforme dados da EPA (Environment Protection Agency), onde os veículos leves emitiram - 47% em relação a 2005 e veículos pesados aumentaram 10% suas emissões no mesmo período, indicando que os ganhos de eficiência nos veículos leves, incentivados pelos programas EPA, foram compensados pelo aumento do transporte de carga e passageiros no período.
Em termos de ações para redução de emissões, o foco nos EUA está na criação de mecanismos de financiamento para suportar o desenvolvimento e uso de novas motorizações, além da implementação de soluções de transporte locais e regionais através do uso de modais alternativos.
A abordagem foca no incentivo a empresas e consumidores sem regulação impositiva, mas baseada na definição de metas estratégicas, não obrigatórias, para redução de emissões como o “National Blueprint for Transportation Decarbonization”.
No caso americano o documento sugere zerar todas as emissões líquidas de gases de efeito estufa do setor de transporte até 2050. Para caminhões médios, pesados e ônibus, existe a proposta de 100% de novas unidades serem zero-emissão até 2040.
Atualmente, a legislação brasileira determina as misturas obrigatórias de biocombustíveis aos combustíveis fósseis no transporte rodoviário, com o objetivo de reduzir as emissões de GEE. Em 2025, está em vigor a mistura de 15% de biodiesel (B15) ao diesel fóssil, conforme a Resolução CNPE nº 3/2024.
No caso da gasolina a mistura em vigor é 30% de etanol anidro (E30), percentual autorizado pela Lei nº 13.033/2014 e regulamentado pela ANP.
A adição de biocombustíveis permite reduções significativas nas emissões de CO2: a estimativa é que o etanol E30 reduza entre 18% e 20% das emissões em relação à gasolina A, e o diesel B15 diminua de 8% a 10% as emissões em relação ao diesel A. Assim, mesmo sem metas setoriais explícitas de descarbonização, a política de mistura obrigatória garante ganhos na redução de emissões no transporte rodoviário brasileiro.
Comparando os três casos, observamos que a Política Energética Nacional se posiciona de forma intermediária, ou seja, a regulação é obrigatória, o que por sua vez resulta em ganhos efetivos de emissões, mas não possui a visão de zerar completamente as emissões de GEE no intervalo de 25 a 30 anos.
A prática atual reduz o impacto econômico da transição energética, em termos de custo direto ao consumidor.
Por outro lado, o planejamento nacional não explora a diversificação de tecnologias, com metas que poderiam impulsionar o investimento em novos tipos de motorização no país, favorecendo o desenvolvimento da indústria automotiva nacional. Este é o aspecto que notadamente aparece, mesmo que de forma diferente, nas ações previstas pela União Europeia e EUA para atingimento dos objetivos de redução de emissões.
Há uma permanente preocupação no desenvolvimento de soluções tecnológicas que viabilizem a transição energética. A Política Energética Nacional deveria permitir este tipo de ganho associado à transição energética, impulsionando o desenvolvimento tecnológico nacional.
O comparativo entre Europa, EUA e Brasil demonstra que os países estão buscando suas metas individualmente e as ações estão sendo determinadas pelo impacto econômico local e contexto político vigente, nos três casos com resultados distantes do objetivo de zero-emissões nas próximas décadas.
A realidade dos programas de descarbonização nos países foi claramente refletida nos resultados da COP30. Se houve expectativa da criação de um instrumento comum como o “Mapa do Caminho para Transição de Combustíveis Fósseis”, ela estava apenas desconectada da realidade.



