Opinião

Da retórica à ação em favor do gás natural

A indústria do gás natural não carece de competição, ao contrário, seu maior concorrente é o petróleo

Por Luís Eduardo Duque Dutra

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As expectativas eram enormes quanto ao gás natural no início da década passada. Até hoje, o pré-sal é a maior descoberta do século em O&G e, à época, a bacia sedimentar do Parnaíba se revelava a mais nova província de gás não associado em terra. A infraestrutura de movimentação finalmente fora ampliada: completou-se o gasoduto do Ceará ao Rio Grande do Sul, conclui-se o duto que leva gás de Urucu a Manaus e três terminais para importar GNL foram construídos. A fonte deixara de ser marginal, de ter participação residual na matriz energética e se colocava como ponte para a transição, que já se mostrava imperativa.

Depois de meados da década, contudo, o que se vê é retrocesso: o consumo caiu, o preço está nas alturas, nenhum quilômetro de gasoduto de transporte foi acrescido, metade da produção nacional é devolvida à reserva, enquanto o país depende de importações e, enfim, capturado pela eletricidade, hoje, o uso do gás como matéria-prima é insignificante. Ou seja, tudo deu errado e as propostas não devem insistir em desmembrar as atividades, vender ativos, fatiar a indústria e esperar a promoção do investimento. Mesmo antes da queda da Dilma, as numerosas iniciativas neste sentido tinham fracassado. Depois, a inércia foi agravada pela desordem regulatória e tributária promovida pelo governo federal.

A indústria do gás natural não carece de competição, ao contrário, seu maior concorrente é o petróleo, o que lhe exige uma performance única e, em nenhum lugar do mundo, mesmo nos EEUU, trata-se de um mercado livre; sempre foi regulado. A razão é a infraestrutura de movimentação que a torna uma indústria de rede, na qual o monopólio é natural, segundo a microeconomia neoclássica. A economia contemporânea fala que os mercados “falham”. No Brasil, é mais simples: faltam estado, planejamento e ação, embora o país ainda disponha de instrumentos de política pública para intervir diretamente no setor.

A infraestrutura dedicada à movimentação e ao aproveitamento é exclusiva, exige orçamentos bilionários e será ocupada pelos próximos trinta anos, ao menos. Esses investimentos não se realizarão sem a garantia de retorno e projetos meticulosamente elaborados. O problema, portanto, é estrutural, de como financiar o longo prazo e nada adianta a retórica ministerial, o planejamento indicativo e a regulação em favor da concorrência. Ainda bem que, pela Constituição, como unidades federativas, os estados dispõem dos meios para exercer a competência em defesa do interesse público no setor. Por isso, nos últimos anos, alguma expansão ocorreu justamente nos dutos de distribuição daqueles mercados já instalados e onde a regulação é estadual.

Além do protagonismo do Estado e de um plano de ação, o papel do gás natural na matriz energética depende de muita pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de engenheiros especializados formados por nossas universidades e do avanço da química do gás; um domínio industrial que está a se perder, em completo anacronismo com o que ocorre lá fora. O foco no hidrogênio se justifica, mas, não deve ser único, uma vez que os resultados virão em uma década ou mais.

A miniaturização dos equipamentos, a tecnologia de liquefação, a padronização dos processos produtivos, a transformação química em amônia, ureia e metanol, o armazenamento do gás, o GNV e o GNL para veículos pesados, a produção de biogás, o potencial do gás de folhelho... não faltam segmentos nos quais o esforço tecnológico se acelerou e já mostra resultado. Por aqui, hoje, quando eles existem, quem direciona esses investimentos? As mesmas empresas que não investem em seu escoamento do pré-sal.

Luís Eduardo Duque Dutra é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris-Nord e professor adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor de “Capital Petróleo: a saga da indústria entre guerras, ciclos e crises” pela Editora Garamond.

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