Opinião

A maior indústria do país, e daí?

Em um país onde a abundância de recursos se mostra notável, o impacto da crise energética externa já indica os erros acumulados pela ausência de coordenação entre óleo, gás natural, biocombustíveis, novas fontes de geração elétrica e tudo mais que está por vir

Por Luís Eduardo Duque Dutra

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Com o inverno no Hemisfério Norte, a crise energética assusta a classe média e assola a população mais pobre. Aos governantes só restou impor o racionamento, com medidas que vão do apagão das vias públicas na madrugada, até cortes programados em horário de pico, fora a ajuda pecuniária direta. Sorte daquele, como o brasileiro, que não conhece inverno rigoroso. De fato, o Brasil é afortunado e, se a crise tem impacto por aqui, não é devido ao clima ou por falta de recurso, bem ao contrário. Talvez falte outro atributo.

O país dispõe de doze bacias hidrográficas e quatro regimes pluviométricos, o que lhe permitiu assentar a matriz elétrica numa larga base hidráulica. Também não lhe faltam predicados nas novas fontes. Devido à extensão e posição, entre todos os países, é aquele com maior incidência solar. Quanto aos ventos, o aproveitamento se acelerou e, em agosto de 2022, os 828 parques eólicos tinham capacidade para gerar 22 GW, sendo que nove décimos estão instalados no Nordeste.

Até o esforço persistente na busca por petróleo foi fartamente recompensado, embora tardiamente. Entre 2007 e 2009, na costa Sudeste do Brasil, foi descoberta a maior província petrolífera depois da virada do milênio. No século passado, por décadas, a dependência em derivados e petróleo importados, somada à carência de dólar para comprá-los, travou o crescimento do país. Depois do início de 2020, o volume extraído de petróleo e condensado está próximo de 3 milhões de barris/dia em média, o dobro do produzido em 2005, enquanto as exportações alcançaram 1,3 milhão de barris/dia. Em consequência, o Brasil mudou de posição na geopolítica energética – tornou-se protagonista.

A importância da atividade, hoje, é notável e, por isso, digna de atenção. Contudo, sua dimensão exata continua sendo uma incógnita, o que se tem são aproximações. Em termos de valor agregado (bruto), em 2019 a extração de O&G, produção de derivados e biocombustíveis, somadas, responderam por 11,6% do PIB industrial brasileiro. Portanto, esse conjunto de atividades estava à frente da eletricidade e do gás, identificados como o maior segmento (9,1%) do PIB industrial pela CNI. Vale sublinhar que a adição de todos os setores energéticos resulta em um quinto, ou 20,6%, desse PIB. Reflexo da abundância de recursos. Além disso, depois da indústria de construção (edifícios, infraestrutura e serviços especializados), “do poço à bomba”, a cadeia de agregação do valor completa – extração, refino e biocombustíveis – revela-se a maior do país.

E o tamanho está subestimado, por exemplo, em razão da comercialização do gás natural, incluída junto à geração elétrica, num flagrante indicador da percepção de seu papel menor na matriz energética e sua captura. Mesmo sem considerar o gás canalizado e incluindo o apoio à extração de O&G, tem-se que as atividades em tela responderam por mais de um quinto do valor de transformação industrial gerado em 2019, ou 21,6%, segundo a Pesquisa Industrial Anual do IBGE. É o dobro da estimativa anterior e ressalta a noção de cadeia produtiva, sua extensão e seus desdobramentos.

A Petrobrás está por trás de praticamente toda a indústria. Em 2022, a estatal extraiu cerca de 92% do petróleo brasileiro, embora só tenha ficado com 72% do volume produzido. O restante foi entregue às parceiras estrangeiras e seguiu para exportação. A despeito da privatização, continua a maior empresa do país e, em 2021, pelo valor adicionado bruto, a Petrobrás respondeu por 5,2% do PIB; mais de um vigésimo da riqueza nacional, portanto. É também o maior coletor de tributos. Em 2019 foi responsável por 10,1% da receita fiscal, em 2021, depois da pandemia, por 6,9% dessa receita e deve voltar ao patamar anterior devido ao preço do barril em 2022.

Não é só isso. Contando as demais empresas e os dividendos distribuídos pela estatal, em 2019 o Instituto Brasileiro do Petróleo estimou a contribuição da indústria à altura de 7,9% das receitas governamentais. Por fim, em 2021, a partir das vendas de combustíveis, outros derivados e exportações de petróleo, um breve exercício permite estimar que, sem nenhum tipo de dedução, as vendas totais da indústria somaram R$ 900 bilhões, ou quase um trilhão de reais; valor que fala por si. (Ver exercício anexo abaixo)

O peso do setor na economia justifica a atenção redobrada e coloca um desafio histórico: no curso da transição energética para uma economia de baixo carbono, até o final da década, valorizar o O&G descobertos e a descobrir. Não cabe discutir o encalhe das jazidas em futuro próximo, nem tratar das respostas para o desafio em texto tão curto. Pelo que foi revisado, mais vale apontar as deficiências evidentes.

Não faltam recursos, como foi colocado de início. Em compensação, há carência de informação e, em consequência, de planejamento. Por isso, o petróleo bruto é exportado, a importação de derivado causa inflação, a Petrobrás extrai cada vez mais e recebe cada vez menos óleo cru, o gás natural foi capturado pela eletricidade e o preço da energia, pago pelo brasileiro, está entre os mais altos do mundo. Nem a dimensão exata do setor o governo tem. A venda de ativos da estatal e o desmembramento de cadeias produtivas formadas por atividades estreitamente articuladas elevaram não somente o custo de produção, mas também o custo de transação. O oposto da lógica que busca integrar o refino à petroquímica, o uso do gás natural como matéria-prima e a penetração dos biocombustíveis de segunda geração.

Em um país onde a abundância de recursos se mostra notável, o impacto da crise energética externa já indica os erros acumulados pela ausência de coordenação entre óleo, gás natural, biocombustíveis, novas fontes de geração elétrica e tudo mais que está por vir. Sem articulação intersetorial muito menos será obtida alguma aderência e consistência no que diz respeito às metas sociais, ambientais e climáticas. Sem informação e planejamento, não se faz política pública e, por isso, depois de quase uma década, o Brasil perdeu tempo. Justamente, hoje, o recurso mais escasso.

 

Luís Eduardo Duque Dutra é doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris-Nord e professor adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor de “Capital Petróleo: a saga da indústria entre guerras, ciclos e crises” pela editora Garamond.

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