Opinião
Reflexões em torno da ação coletiva no pós-pandemia: sem Estado não há futuro
A ruptura das cadeias globais, a lenta recuperação da produção de óleo e gás, a necessidade de reformular as redes e o abastecimento em eletricidade exigem respostas precisas e de longo prazo
O ciclo comanda a dinâmica econômica, explica o movimento contínuo, sua regularidade de altos, seguidos de baixos, entrecortados por crises e a transformação ao longo do tempo. É um fenômeno transcendental, manifesta-se na oferta e na demanda, nas correntes de pensamento, que ora estão em alta, ora estão em baixa, e até mesmo nas grandes civilizações, que conhecem períodos de apogeu e declínio. O que sobe, desce e vice-versa. É verdade que a dialética não dita nem quando, nem como, ou o que virá do próximo ciclo. Diria Weber, em ciências sociais, os modelos são do tipo ideal, simplificações abstratas da realidade. Ela, sempre, pode surpreender.
A natureza estrutural da crise das debêntures de Nova Iorque em 2008, a década passada praticamente perdida, a lenta retomada após a pandemia e a falta de ânimo dos capitalistas para investir não deixam margem à dúvida sobre onde estamos: bem no meio da maré descendente do ciclo, que costuma durar entre vinte e trinta anos, a menos que as mudanças se acelerem.
O entendimento do papel do Estado acompanhou os ciclos desde o mercantilismo europeu. Mais recentemente, a prosperidade pós-guerra acabou com os “choques” do petróleo. A intervenção estatal foi substituída pela regulação normativa, o Consenso de Washington passou a ditar a política econômica (fiscal, monetária e cambial) e o neoliberalismo conquistou corações e mentes ocidentais. Foi também a época da criação das agências reguladoras, da preferência por políticas públicas de impacto horizontal, desregulamentação e privatizações.
Do lado de cá do mundo, depois de tudo isso, no entanto, o novo milênio não cumpriu as promessas. A queda das torres gêmeas, a crescente desindustrialização, a segunda invasão do Iraque, o crack de 2008, a crise da dívida europeia, as instabilidades financeiras e cambiais recorrentes evidenciaram o esgotamento da solução dos mercados. O baixo desempenho dos países “ocidentais” passou a ser flagrante, quando comparado ao vigor no Extremo-Oriente. Depois da japonesa e coreana, a ascensão chinesa demonstrava a efetividade das políticas industriais e o papel do governo como seu promotor.
Além da competição internacional, a questão ambiental e, sobretudo, a urgência climática reforçam a importância de conduzir a transição energética para uma economia de baixo carbono. A frequência dos eventos extremos, a tensão geopolítica, a desigualdade e lentidão da retomada após a pandemia, tudo indica um cenário dominado pela incerteza e com diferentes riscos a se acumularem. Cabe ao Estado, todos concordam, articular e liderar a ação coletiva no sentido de superar os desafios.
Em pleno século XXI, a elevação dos custos e eventual estagflação agravam a perspectiva no médio prazo. A ruptura das cadeias globais, a lenta recuperação da produção de óleo e gás, a necessidade de reformular as redes e o abastecimento em eletricidade, com o ingresso das fontes renováveis, exigem respostas precisas e de longo prazo. Uma transição energética desorientada e atrapalhada, sem planejamento e coordenação, como sugerem a maior volatilidade dos preços, os gargalos produtivos e o grau de monopólio nos mercados, acentuará as diferenças entre países e, dentro deles, entre ricos e pobres.
A política industrial, regulatória, ambiental, de ciência e tecnologia, além de todas as demais políticas públicas, que visam compensar as “falhas” de mercado, foram revigoradas e reaparelhadas. O cardápio da intervenção é amplo: encontram-se desde antigos instrumentos, como a proteção de indústrias infantes, os subsídios às novas fontes, infraestrutura e compra de veículos elétricos, até os mais recentes, como taxação das emissões e créditos de carbono.
Além disso, aumentaram as exigências nas especificações dos produtos e nas condutas dos atores, sejam produtores ou consumidores. Tudo se combina com um propósito: acelerar a transição que, de fato, levará à transformação das estruturas, quando serão colocados os fundamentos do novo ciclo. Se não for assim, dos dois lados do oceano Atlântico, mais uma década será perdida.
Luís Eduardo Duque Dutra é Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris e Professor Adjunto da Escola de Química da UFRJ