Opinião

Energia e falta de crescimento – em busca de respostas

Mesmo com abundância de recursos naturais, a expansão da oferta de energia se fez a preços crescentes e agora exorbitantes. É uma boa aposta deixar o mercado conduzir a transição energética?

Por Luís Eduardo Duque Dutra

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A relação entre energia e riqueza é conhecida – sem ela não há crescimento. O “milagre” brasileiro é um bom exemplo: dispondo de extenso território, diferentes regimes pluviométricos e bacias hidrográficas, incluindo a maior do mundo, a engenharia nacional fez do aproveitamento hidroelétrico a alavanca para a industrialização e urbanização do País. Contudo, nos últimos anos, não foi o que se viu.

Poucos números resumem o desempenho. Se, entre 2001 e 2013, o PIB per capita cresceu 3,5% ao ano em média, entre 2014 e 2020, ele decaiu 0,8% ao ano. A década passada se revelou desastrosa: entre 2011 e 2021, a produtividade dos fatores de produção caiu 1,1% ao ano. O investimento explica muito do que aconteceu: 19,2% do PIB em média, entre 2011 e 2016, e apenas 15,9%, entre 2016 e 2021 (os dados são da EPE, PDE 2031).

O intrigante é que a produção de energia se portou muito bem. À primeira vista, a abundância dos recursos naturais deixou de gerar benefícios. Assim, a despeito da incontestável vantagem comparativa, a expansão da oferta se fez a preços crescentes e agora exorbitantes. Por exemplo, entre 1995 e 2021, deflacionada pelo IPCA, a tarifa de energia elétrica foi multiplicada por nada menos que cinco. Ao final de 2020, empresas e famílias pagavam a eletricidade mais cara do mundo; nem japonês ou alemão pagava tanto.

No petróleo, não foi diferente. Com o óleo do pré-sal, nos últimos quatro anos, as exportações superaram um milhão de barris por dia, enquanto as importações de derivados, petroquímicos e fertilizantes não pararam. Hoje, somam mais de 50 bilhões de dólares (e a moeda bate recordes). Fertilizantes e óleo diesel oneram a agricultura, os preços da gasolina nunca foram tão altos, assim como os do gás de cozinha, embora o barril já tenha alcançado valores maiores antes e depois da crise de 2008.

A situação se repete no gás natural. Nenhum gasoduto de transporte foi construído nos últimos dez anos. Quanto ao escoamento, enquanto metade da produção do pré-sal é reinjetada, o “Rota 3” está quatro anos atrasado! Como na eletricidade, o usuário paga caro; em 2021, no “novo mercado”, o preço por milhão de Btu vigente era o mais alto entre as nações industrializadas.

As novas fontes renováveis (eólica e solar) não foram suficientes para vencer mais um período de seca (entre 2019 e 2021) e compensar o fim da construção das grandes barragens na região Norte. Isso exigiu um despacho elétrico cada vez mais dependente de térmicas a gás natural. O problema é que elas são mais poluidoras e onerosas, porque abastecidas por importações.

A abundância não se refletir nos preços, não trazer vantagem-custo para as empresas nacionais e conforto às residências dos brasileiros faz perguntar sobre qual o destino do excedente econômico gerado. A produção de eletricidade e de petróleo são fontes da renda hidráulica no primeiro setor e da renda petrolífera no segundo. A soma de ambas é extraordinária, incontestavelmente as maiores do País.

Cabe então perguntar como e por quem é partilhada? Em que medida o excedente é reinvestido e quanto é revertido ao usuário? A parte do estado e das empresas é apropriada de diferentes formas, não faltam subsídios cruzados e transferências, o número de agentes só fez crescer, enquanto a transparência da cobrança diminuiu. Além disso, há preocupação com a eficácia das iniciativas do Estado: oferta permanente de campos de petróleo, lei das agências reguladoras e do gás natural, novo marco legal para o transporte ferroviário, outro para a cabotagem...

No setor elétrico, a venda da Eletrobrás foi o derradeiro ato na entrega do comando do negócio para as mãos privadas. Por fim, a alienação de ativos da Petrobrás tem também amplo impacto: afeta as indústrias dos combustíveis, do gás natural, da termeletricidade, dos fertilizantes e da petroquímica. Cabe indagar: quem são os novos controladores e quais são as suas estratégias? Deles dependerá o investimento na ampliação da capacidade. Quando eles irão fazê-lo?

Além disso, faz-se mister reverter certas tendências. A intensidade energética da produção (o quanto é preciso para gerar mil reais), entre 2010 e 2020, aumentou 14%! Outro indicador, a elasticidade-renda da procura por eletricidade foi multiplicada por três em relação à década anterior. Ora, aumento do conteúdo energético, estagnação da renda per capita, queda da produtividade e elevação do preço, decididamente, a abundância em recursos não tem feito a diferença. Portanto, cabe uma última pergunta: deixar o mercado conduzir a transição energética por vir é uma boa aposta?

 

 

 

 

Duque Dutra é Professor Adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de Capital Petróleo: A saga da indústria entre guerras, crises e ciclos, publicado pela Editora Garamond

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