Opinião

Partilha vs. concessão

Ieda Gomes analisa prós e contras dos modelos contratuais de ativos exploratórios

Por Ieda Gomes

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Até 2010, a exploração e produção de petróleo e gás no Brasil era baseada no modelo de contratos de concessão, onde o concessionário explorava hidrocarbonetos por sua conta e risco, ofertando concorrencialmente um bônus para adquirir direitos sobre os blocos leiloados. Caso bem sucedido, o consórcio ou empresa vencedora poderia dispor do petróleo e gás produzido, pagando os devidos impostos e royalties. 

Em 2010 foi introduzido o modelo de contrato de partilha para blocos nas áreas do pré-sal, onde a Petrobras seria obrigatoriamente o operador, com mínimo de 30% de participação. Nesses contratos, o consórcio ganhador paga um bônus de assinatura fixo, e o governo tem direito a uma parcela do petróleo/gás produzido, o chamado “profit oil”. Foi ainda criada uma nova estatal, a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) para administrar os volumes de óleo de propriedade da União. 

Em 2016, foi aprovada legislação revogando a obrigatoriedade de a Petrobras ser o operador exclusivo de blocos no polígono do pré-sal, preservando, porém, seu direito de preferência pela operação dos ativos licitados. 

Em 2019, reacendeu-se o debate sobre a manutenção do regime de partilha, bem como sobre o direito de preferência da Petrobras, em particular após os leilões realizados em 6 e 7 de novembro, onde a empresa exerceu a preferência por 3 blocos, mas fez oferta somente por um deles.

Os contratos de partilha surgiram na Indonésia, em 1966, por pressão de movimentos nacionalistas que criticavam o uso dos recursos do país. Atualmente, vigoram em cerca de 60 países, notadamente na África, Sudeste asiático e Ásia central. Contratos de concessão ou licenças de exploração e produção são mais comuns na Europa Ocidental, Estados Unidos e Austrália.

Um aspecto crucial dos contratos de partilha é a formação de um comitê operacional com representantes do governo e do operador do ativo, o qual aprova os investimentos e monitora as operações.

Um dos argumentos utilizados para defesa dos contratos de partilha é que estes conferem ao governo maior controle sobre os recursos naturais do país, ao garantir ao Estado a propriedade de uma parcela da produção de petróleo. Esse argumento é um tanto frágil porque a produção tem de ser comercializada, e o que vale, no final, são as receitas geradas pelas vendas e como estas são aplicadas na geração de riqueza para o país. Pode-se ainda arguir que, na maioria dos países que usam o modelo de partilha, isso não serviu para uma maior distribuição de riquezas e redução de desigualdades sociais.  

A parcela do óleo do governo nos campos em regime de partilha tem de ser repassada para a PPSA, que precisa delegar a comercialização para a Petrobras ou licitar seus volumes – sem grande sucesso até o momento. Assim sendo, talvez fosse mais eficiente adotar um modelo similar ao da Índia ou de Omã, onde, em lugar de criar uma empresa para administrar a sua parcela de óleo, o governo recebe sua parte em espécie, resultando em mais rapidez, menos custos e mais transparência.

Outro ponto questionável quanto ao contrato de partilha se refere à possibilidade de ingerência política e de práticas pouco transparentes na gestão do contrato. Como se viu em épocas recentes no Brasil, agentes governamentais podem dificultar a aprovação dos investimentos ou impor a contratação de empresas para realizar serviços em troca de vantagens para determinados grupos políticos ou empresariais. Os operadores podem ainda tentar inflar seus custos para aumentar suas receitas, sem que haja uma efetiva fiscalização pelos representantes do governo. 

No modelo de concessão, o operador é obrigado a ser mais eficiente, visando aumentar a lucratividade do empreendimento, e o governo pode moderar o excesso de lucros através de impostos progressivos. 

Outro problema diz respeito à gestão da comercialização de gás natural. No modelo de partilha, os volumes produzidos são alocados entre o governo e o operador, variando ao longo do tempo, pois, à medida em que os custos são amortizados, as parcelas de ‘profit oil” e “ profit gas" aumentam gradualmente. Essa alocação também muda de acordo com o preço do barril: quanto mais alto, menor o número de barris necessários para amortizar os custos e maior a parcela do governo no “profit oil”. Essa situação se inverte quando os preços caem. No caso do petróleo, cada agente descarrega sua parcela em um navio até completar sua carga. No do gás natural, os volumes comercializados são sujeitos a contratos de médio e longo prazo, mas, como a propriedade das moléculas varia ao longo do tempo, é necessário que sejam vendidos conjuntamente pelo governo e operador, com consequências tributárias ainda não quantificadas. No modelo de concessão, a alocação de volumes é fixa entre os diversos membros do consórcio operador, e o governo é remunerado pelo recebimento de impostos e royalties. 

Os preços do petróleo continuam a oscilar em torno de US$ 60/barril, e o setor tem sido pressionado pelas metas de redução de emissões de carbono no horizonte de 2050. Decisões de investimento em exploração tomadas em 2019 implicam em investimentos nos próximos 30 anos, ou seja, quando as perspectivas para a indústria são bastante nebulosas, uma vez que será preciso investir em energias alternativas e no monitoramento e contenção de suas emissões de gás carbônico e de metano.

Assim sendo, a simplificação das regras do modelo de exploração de hidrocarbonetos no Brasil via  arcabouço legislativo previsível e confiável contribuiria para a continuidade do programa de investimentos, tanto da Petrobras como das empresas privadas. 

*Ieda Gomes é uma consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação. Escreve quadrimestralmente para a Brasil Energia

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