Opinião

Um balanço do mercado de gás no Brasil – Avanços e retrocessos

Apesar de alguns avanços, ainda persistem gargalos importantes para o crescimento do mercado como o acesso às facilidades essenciais, a disponibilidade de capacidade de saída e o custo elevado de transporte

Por Ieda Gomes

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O ano de 2021 trouxe progressos e revezes para o mercado de gás no Brasil. Para quem acompanha o mercado do exterior, essa dinâmica é inerente às transformações e adaptações do mercado a novas regras e demandas dos atores; o mesmo ocorreu no início da abertura do mercado europeu de gás a partir do fim dos anos 1990.

A produção nacional continuou a crescer, atingindo 136,6 MMm³/dia em novembro, mas isso não se traduziu em maior oferta para o mercado, que oscilou entre 50 e 55 MMm³/dia, enquanto a reinjeção atingiu o recorde de 67 MMm³/dia em setembro. Enquanto isso, as importações de GNL, puxadas pela crise hidrológica, atingiram o recorde de 36 MMm³/dia regaseificados em setembro. Em outubro, o Brasil tornou-se o segundo maior importador de GNL dos EUA e o apetite dos importadores sul americanos (Argentina, Brasil e Chile) contribuiu para um aumento sem precedentes dos preços internacionais de GNL.

Como a maior parte do GNL é importado no mercado spot, os consumidores brasileiros estão pagando a conta da flexibilidade de despacho das usinas térmicas e, ainda, do descompasso entre os preços reais do GNL e o preço subsidiado do gás para as térmicas do PPT. Em janeiro o preço spot do GNL oscilava entre USD 6-7/MMBtu contra USD 37/MMBtu em dezembro. Esse descompasso, bem como a falta de competição na oferta, levou a aumentos de 50% no preço do gás fornecido pela Petrobras às distribuidoras, com judicialização do processo em diversos estados.

Apesar desse problema, já começam a aparecer novos ofertantes no mercado, como resultado das chamadas públicas realizadas pelas empresas distribuidoras, sendo que quatro delas conseguiram acessar novas fontes de suprimento para 2022, com contratos totalizando 4 MMm³/dia junto a outros supridores privados, além dos sistemas independentes de gás operados pela Eneva no Maranhão e no Amazonas.

No que tange a novos investimentos e novos players, cabe destacar o arrendamento do terminal de GNL na Bahia para a Excelerate, a compra dos ativos da Golar Power pela New Fortress Energy, a decisão de investimento nos terminais de GNL de Santa Catarina e São Paulo, a privatização da Sulgás, a entrada em operação da planta de regaseificação e usina termelétrica GNA 1 no Porto do Açu, o início do processo de privatização da distribuidora de gás no Espírito Santo e a entrada em operação do Projeto de Azulão, no Norte. Até 2024, o Brasil contará com 8-9 terminais de importação de GNL, com 5-6 controlados por investidores privados.

No campo regulatório, destacam-se o Ajuste SINIEF 43/21, dispondo sobre o tratamento diferenciado aos contribuintes do ICMS, relativos com ao processamento de gás natural; a aprovação pela ANP das capacidades liberadas pela Petrobras junto à TAG e NTS, a aprovação das tarifas a serem praticadas nos contratos extraordinários, viabilizando o acesso ao sistema de transporte; o acesso dado pela Petrobras para a Potiguar E&P, subsidiária da PetroRecôncavo, para cessão de uso do Sistema de Escoamento e UPGN de Gás Natural de Guamaré; a cessão de capacidade propiciando o suprimento das plantas da Proquigel pela Shell e Petrobras; e a publicidade dada pela ANP aos contratos de fornecimento de gás natural.

Apesar desses avanços, ainda persistem gargalos importantes para o crescimento do mercado, tais como o acesso às facilidades essenciais, a disponibilidade de capacidade de saída, o custo elevado de transporte, em particular quando o percurso da molécula passa por dois ou mais sistemas de transporte, e a necessidade de aprimoramento da regulação federal e estadual. É fundamental incentivar o escoamento de maiores volumes de gás nacional. A título de exemplo, as margens entre o preço de venda dos produtores da Bacia de Santos à Petrobras e o preço nos city gates chega a R$ 50,9/MMBtu, equivalente a R$ 5,9 bilhões anuais, para volume médio de 9,7 MMm³/dia.

No entanto, um dos fatos mais marcantes de 2021 é a constatação de que, no atual modelo de geração hidráulico/renovável, o gás natural é imprescindível para evitar apagões no País. Relembrando 2001, as famílias e empresas foram obrigadas a reduzir o consumo de eletricidade em 20% no período de 01/06/2001 a 01/03/2002. O impacto negativo na economia brasileira foi de R$ 45 bilhões, segundo relatório do TCU. Hoje, o Brasil conta com 15GW de térmicas a gás, além de 22GW de usinas eólicas e solares, o que tem evitado o racionamento. Do lado negativo, essas térmicas, em sua maioria, usam GNL importado.

Os preços devem continuar elevados nos próximos meses. Os estoques europeus e americanos continuam baixos, a demanda asiática arrefeceu um pouco, mas deve crescer de 5% a 8% em 2022. Preços de USD 25-40/MMBtu são insustentáveis nos mercados emergentes, pois são destruidores de demanda. Mas, se os reservatórios hidrelétricos continuarem suas trajetórias declinantes, o Brasil vai continuar a depender de GNL importado, com risco de alta volatilidade.

É imprescindível uma política mais clara para aumentar a concorrência e um maior aproveitamento do gás nacional.

Ieda Gomes é consultora independente e membro do conselho de administração de empresas internacionais de energia, infraestrutura e certificação

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