Opinião

Garantias e Mecanismos de Controle do Credor no Financiamento de Projetos Eólicos

No financiamento de projetos na modalidade project finance, a estrutura de garantias e a adoção de mecanismos de controle são instrumentos fundamentais ao credor para gestão do risco de inadimplência.

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O BNDES – maior credor do setor eólico – já financiou um total de R$43,1 bilhões para 110 projetos com potência somada de 15.679 MW[1]. O Banco do Nordeste, entre 2018 e 2019, financiou R$12,2 bilhões para 45 projetos eólicos a partir de recursos do FNE - Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste[2]. Emissões de debêntures incentivadas, por sua vez, captaram R$3,3 bilhões para 38 projetos até 2019[3]. Em comum, a maioria destes financiamentos foram estruturados na modalidade project finance.

Project finance é a:

  • Captação de recursos – sem a possibilidade ou com possibilidade limitada de recorrer a fontes de geração de caixa outras que não o projeto – para custear um projeto de investimento de capital economicamente segregado a partir da emissão de valores mobiliários (ou obtenção de empréstimos) concebida para ser remunerada e resgatada exclusivamente a partir dos fluxos de caixa do projeto. (FINNERTY, 2013, p. 12, tradução nossa)[4].

Coloque-se no lugar dos credores. Eles emprestam a maior parte do capital necessário para o projeto, com taxa de juros pré-determinada, baseando-se principalmente na expectativa de geração futura de caixa deste. Um projeto sem histórico de operação. Não parece razoável demandarem maior controle e acompanhamento do uso de seu dinheiro, se comparado a um financiamento na modalidade corporativa?

Neste contexto, este artigo abordará dois importantes recursos utilizados pelos credores para gerenciar o risco de inadimplência em empréstimos nesta modalidade: garantias; e mecanismos de controle do projeto. Para contemplar as particularidades do financiamento de projetos de geração eólica, adotará como metodologia o estudo de um projeto eólico financiado tanto pelo BNDES quanto via emissão de debêntures.

Garantias para o Financiamento de Projetos

Do ponto de vista do credor, garantias são instrumentos de mitigação e compartilhamento do risco de inadimplência de um financiamento. São acessórias à obrigação principal de pagar (collateral). Logo, não existem com o intuito de pagar a dívida, mas sim como instrumento de pressão junto ao tomador. Neste caso, o projeto de geração eólica. Também não é instrumento suficiente, pois não substitui a capacidade de pagamento do projeto, nem a idoneidade dos acionistas.

De acordo com Hoffman (2008)[5], há quatro períodos de risco do ponto de vista do financiador do projeto, conforme figura abaixo.

Figura 1: Períodos de Risco de um Projeto

 

 Fonte: Adaptado de HOFFMAN, 2008, p. 28-29

 

Quanto mais “maduro” estiver o projeto, menor a incerteza quanto à sua necessidade de capital e geração futura de fluxo de caixa. Consequentemente, menor é o risco de inadimplência do projeto. O principal marco de desenvolvimento de um projeto, do ponto de vista de risco, é o chamado completion. Este termo, em inglês, significa a conclusão da implantação do projeto (FINNERTY, 2013).

Diferentes níveis de riscos demandam diferentes abordagens de proteção e controle por parte do credor. De forma que, na prática, a exigência de garantias é maior na fase pré-completion, ou seja, na fase pré-operacional do projeto. Como referência, a figura a seguir indica o pacote de garantias padrão do BNDES para financiamento, na modalidade project finance, de um projeto de geração de energia elétrica.

Figura 2: Pacote de Garantias Padrão para Projetos de Geração de Energia Elétrica

 

 Fonte: BNDES, 2016, p.13[6]. 

 

Note que o BNDES tipicamente requer – para além das garantias do projeto – garantia corporativa do acionista e/ou bancária até sua conclusão. É dizer, ele não está disposto a correr o risco completion do projeto sozinho, mesmo na modalidade project finance. O BNDES, inclusive, conceituou um novo marco de desenvolvimento do projeto para fins de determinação de garantias: a chamada “conclusão financeira” ou “completion financeiro”. Para ele, a conclusão financeira é alcançada após 12 meses seguidos de amortização do financiamento e desde que o tomador esteja adimplente com suas demais obrigações. É, portanto, um marco mais conservador que o completion. Na prática, supondo seis meses de carência de amortização do principal, são pelo menos 18 meses após a entrada em operação do projeto.

Mecanismos de controle para o financiamento de projetos

Também chamados de covenants, são “obrigações de fazer ou de não fazer que tenham por objeto monitorar o fluxo de caixa do projeto ou empresa apoiados” (BORGES, 1999)[7]. Estas obrigações e restrições são impostas pelo credor no contrato de financiamento (ou escritura de emissão de debênture) ao tomador (projeto) e, em determinados casos, a seus acionistas. Segundo Hoffman (2008), covenants são mecanismos de controle e intervenção no projeto com os objetivos de: (i) garantir que a SPE (Sociedade de Propósito Específico) construa e opere o projeto conforme premissas técnicas e econômicas previstas; (ii) alertar credores com antecedência sobre potenciais problemas ou desvios; e (iii) proteger as garantias empenhadas. Portanto, vão além da obrigação do tomador de pagar juros e principal da dívida, cumprir a legislação, construir, operar e manter o projeto.

Algumas destas obrigações e restrições vigoram até completion (físico ou financeiro). Outras até a quitação integral do financiamento. Seu descumprimento, quando não consentido pelo credor (waiver), traz penalidades específicas previstas contratualmente. Por exemplo: a retenção de desembolsos pendentes; vedação à distribuição de dividendos e/ou redução de capital; não liberação de garantia corporativa ou bancária; e, em último caso, o vencimento antecipado da dívida.

Lima (2014)[8] afirma que “a combinação de garantias reais e covenants possibilita maior eficiência no monitoramento do fluxo de caixa do projeto...”. Exemplos de covenants aplicáveis a financiamentos de projetos eólicos estão contemplados no estudo de caso a seguir.

Estudo de caso: financiamento do Complexo Eólico Babilônia

O Complexo Eólico Babilônia está localizado no estado da Bahia. É composto por 5 SPEs e tem capacidade instalada de 136,5MW. O projeto vendeu energia elétrica no Leilão de Energia de Reserva de 2015 e entrou em operação em novembro de 2018. Em setembro de 2017, as SPEs obtiveram financiamento, na modalidade project finance, junto ao BNDES no valor total de R$574 milhões e prazo de 18 anos. Em junho de 2019, a Babilônia Holding S.A., controladora das cinco SPEs, emitiu debêntures incentivadas no valor de R$87 milhões e prazo de 14,5 anos para financiar a conclusão do complexo[9]. Quando da obtenção dos dois financiamentos, o acionista da Babilônia Holding era a EDP Renováveis Brasil. Em fevereiro de 2020, contudo, o complexo foi vendido para empresa afiliada da Actis[10].

Tabela 1: Fontes de Recursos do Complexo Eólico Babilônia

 

 Fonte: BABILÔNIA HOLDING S.A., 2019a[11]. 

 

Dado que o contrato de financiamento com o BNDES não é público, considerou-se como fonte de informações a Escritura de Emissão das Debêntures e respectivos contratos de garantia. Há garantias exclusivas ao BNDES, aos debenturistas e há garantias compartilhadas. No caso das debêntures, a garantia é concedida para o agente fiduciário, representante do coletivo dos debenturistas. As garantias concedidas foram as listadas na tabela abaixo:

Tabela 2: Garantias Concedidas no Financiamento do Complexo Eólico Babilônia

 

 Fonte: BABILÔNIA HOLDING S.A., 2019a e 2019b[12] 

 

Quanto aos mecanismos de controle, os principais covenants de cunho financeiro previstos na Escritura de Emissão são: (i) atender Índice de Cobertura sobre o Serviço da Dívida mínimo de 1,20; (ii) disponibilizar anualmente demonstrações financeiras auditadas e trimestralmente balancetes não auditados; (iii) notificar quaisquer autuações pelos órgãos governamentais; (iv) obter classificação de risco (rating) das debêntures e atualizá-la anualmente; (v) manter as debêntures com o mesmo grau de “senioridade” do contrato de financiamento com o BNDES; (vi) manter o projeto enquadrado nos termos da Lei 12.431/11’; (vii) aportar nas SPEs os recursos obtidos com a emissão; (viii) realizar aportes de capital nas SPEs para cobrir eventual insuficiência de capital necessário à manutenção do projeto (até completion financeiro); (ix) não constituir ônus sobre os ativos e direitos dados em garantia; (x) não assumir novas dívidas ou conceder empréstimos; (xi) comprovar a destinação dos recursos no projeto; (xii) preencher e manter os saldos mínimos das contas reserva; (xiii) restrição a distribuição de dividendos e reduções de capital.

Destacam-se os seguintes covenants operacionais: (i) obter, manter e conservar em vigor todas as autorizações, aprovações, licenças, permissões, alvarás e suas renovações necessárias à operação do projeto; (ii) contratar e manter vigentes apólices de seguro na modalidade de responsabilidade civil e patrimonial (property all risks); (iii) não realizar operações fora de seu objeto social; (iv) notificar qualquer ato ou fato que possa causar interrupção ou suspensão das atividades das SPEs, inclusive impactos socioambientais e sinistros; (v) manter em vigor a estrutura de contratos existentes necessários para viabilizar a operação das SPEs; (vi) manter e conservar em bom estado todos os bens; (vii)  comprovar, para fins de atingimento do completion financeiro, geração anual mínima de 672,7 GWh; (viii) somente realizar operação e manutenção dos aerogeradores por equipe própria se aprovado pelo BNDES.

Os covenants de natureza societária mais relevantes são: (i) não promover alterações nos estatutos sociais das SPEs; (ii) vedação à mudança do controle acionário da emissora e das SPEs; (iii) restrição à alienação de participação minoritária; e (iv) vedação às demais formas reorganização societária.

No caso das debêntures, o fórum para apreciação de pedidos de waiver pelo tomador é a Assembleia Geral de Debenturistas. Para deliberação a favor, a Escritura prevê quórum de maioria simples das debêntures em circulação em primeira convocação ou, em segunda convocação, a maioria simples dos presentes. Esta regra de quórum vale desde que o waiver seja solicitado pelo emissor antes da ocorrência do descumprimento do covenant.

Conclusões

Ainda que desagradável aos empreendedores, é razoável que credores de longo prazo sejam bastante diligentes quando emprestam recursos para projetos eólicos na modalidade project finance. Cabe ao credor analisar o projeto e definir as exigências de garantias e mecanismos de controle compatíveis com o risco tomado e sua respectiva remuneração. No entanto, ao fazê-lo, deve visar uma relação equilibrada de compartilhamento de riscos do projeto com o empreendedor e demais participantes (stakeholders). Afinal, cabe ao empreendedor avaliar e escolher a estratégia de financiamento que lhe seja mais favorável, considerando as opções disponíveis.

 

[1] BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Dados de financiamento ao setor eólico. Mensagem recebida por e-mail de Arantes, Guilherme em 04 mai. 2020.

[2] BNB (Banco do Nordeste do Brasil). Dados de financiamento ao setor eólico. Mensagem recebida por e-mail de Leite, Humberto em 04 mai. 2020.

[3] BRASIL. Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia. Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas. Dezembro, 2019. Disponível em: < https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas/2019/boletim-debentures-incentivadas-dezembro-2019.pdf/view>. Acesso em: 31 jan. 2020.

[4] FINNERTY, John D. Project financing: asset-based financial engineering. 3. ed. New York: John Wiley, 2013.

[5] HOFFMAN, Scott L. L. The law and business of international project finance. 3. ed. Ardsley: Cambridge, 2008.

[6] BNDES. In: BRAZIL SOLAR POWER, 2016, Rio de Janeiro. Anais.

[7] BORGES, Luiz Ferreira Xavier Borges. Covenants: Instrumento de Garantia em Project Finance.  Revista do BNDES, v. 6, n. 11, p. 117-136, jun. 1999.

[8] LIMA, Stefan Lourenço de. Garantias em Operações de Project Finance nos Setores de Infraestrutura: o Papel dos Covenants. Revista de Finanças Aplicadas, v. 1, n. 1, p.1-44, 2014.

[9] MOODY’S INVESTORS SERVICE. Moody's assigns Ba2/Aa1.br ratings to the Wind Complex Babilonia first issuance of BRL87 million senior secured debentures: outlook stable. Rating Action de 03/06/2019. Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2020.

[10] EDP RENOVÁVEIS. EDPR concludes €0.3 billion asset rotation deal for Brazilian wind farms. Press Release de 12/02/2020. Disponível em: . Acesso em: 07 mai. 2020.

[11] BABILÔNIA HOLDING S.A. Escritura da 1ª Emissão de Debêntures para Distribuição Pública, com Esforços Restritos, 2019a. Disponível em: . Acesso em: 07 mai. 2020.

[12] BABILÔNIA HOLDING S.A. Cessão Fiduciária (1º Aditamento), Contrato de Compartilhamento de Garantias, Contrato de Penhor de Ações (1º Aditamento), Contrato de Penhor de Máquinas e Equipamentos (1º Aditamento), 2019b. Disponível em: .[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]

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