Opinião
Preços de petróleo, volatilidade e incerteza econômica – 2ª Parte
O impacto do movimento dos preços do petróleo na conjuntura global e na crescente incerteza dos mercados, com propostas de medidas de enfrentamento
A volatilidade do preço do petróleo decuplicou depois de 2005, comparada àquela observada na última década do século XX, como constatado na primeira parte deste artigo. Seu preço é reconhecido como o mais volátil entre as commodities que, por sua vez, são mais sensíveis que os demais ativos (como moedas e ações). Se não é uma surpresa, contudo, as fortes flutuações nos preços dos alimentos, ou dos combustíveis, sempre preocupam.
A propósito, as antigas civilizações aprenderam a lidar com o duplo desafio: a sazonalidade agrícola e a imprevisibilidade do clima. A solução foi formar estoques, em torno dos quais se constituíram os primeiros Estados. A Revolução capitalista trouxe uma segunda solução pouco intuitiva, é verdade – o especulador. Em Amsterdam, Paris, Viena e Londres, ele se tornou imprescindível. À contra corrente, o que não é evidente, ao comprar na baixa e vender na alta, ele realiza lucro e viabiliza o funcionamento do mercado sem percalços.
1 – As finanças e a volatilidade dos preços
Assim, hoje, na bolsa de Nova York, o especulador maximiza seu lucro da forma mais simples: ele faz uma arbitragem temporal. Permite a “perequação” dos preços, ou a aproximação entre o teto e piso; a definição de um leque no qual o preço varia. O mesmo já fazia o genovês, ou o veneziano, que se aproveitava para lucrar arbitrando preços entre a China e a Europa. Promovia o comércio e aproximava os extremos no século XIV (antes da Peste Negra). Sem eles, o mercado não existiria, aliás, quando os especuladores somem, a bolha estoura, o preço colapsa e a crise se instaura.
No século passado, uma inovação maior do capitalismo financeiro se constituiu no mercado futuro. Um novo conceito de volatilidade – implícita – e novos contratos – opções ou derivativos – partilharam riscos como nunca antes visto. O que interessa não é o passado, mas, a expectativa; já salientavam Marx e Keynes. Compradores, vendedores, investidores e especuladores acordam preços para transações futuras e dividem os riscos das variações, sejam elas quais forem. As plataformas digitais permitem uma arbitragem cibernética em tempo real, à cara do século XXI. Nesses mercados, o crescimento sustentado dos contratos demonstra que a aposta não é só oportunista.
Tabela I: VIX INDEX – CBOE e o stress dos mercados mundiais
Fonte: CBOE Exchange, Inc.
Existe até mesmo uma medida do grau de incerteza nesta nova perspectiva. A partir dos contratos de opção para os próximos trinta dias, indexados pelo S & P 500 e atualizados em alta frequência por algoritmos de propriedade da CBOE, o mercado dispõe de um índice de volatilidade geral – o VIX; conhecido como “índice do pânico”. Como se vê pela Tabela I, depois de 1998, por seis vezes ele superou o valor de 50; um indicador de forte stress entre os agentes. O impacto da Covid 19 também foi notável, maior até hoje.
O século XXI não cumpriu sua promessa e a última década confirmou a fragilidade da situação em todos os flancos. A constatação é anterior à pandemia, como mostram a volatilidade do preço do petróleo e dos ativos. Não é só isso: persistentes juros baixos, endividamento em elevação, crescimento vegetativo, estoques involuntários, capacidade ociosa, ganhos financeiros descolados da realidade resultaram num ponto de não retorno, ou de ruptura, que a pandemia completou em 2020. Riscos e incertezas compõem um futuro imprevisível.
Por mais realistas que sejam as expectativas dos agentes quanto ao preço nos próximos quinze, trinta, ou sessenta dias, por mais sofisticados os algoritmos por trás do cálculo e por mais criativa que seja a engenharia financeira, os eventos exógenos, imprevistos, ou raros não são considerados. A pandemia ressaltou que a natureza dos riscos é diversa a ponto de ser incomensurável. Por tudo isso, a incerteza devida às mudanças climáticas e às tensões internacionais já deveria ter sido incorporada ao planejamento estratégico das empresas e das políticas públicas faz tempo.
Benefícios das finanças para a economia e a função dos banqueiros e especuladores
Ao informar e comparar as alternativas, as finanças permitem otimizar a alocação dos recursos raros e, assim, promovem a renda. Ao informar e comparar, as finanças também impõem um padrão ao desempenho e, assim, qualificam a gestão das empresas.
Além disso, a banca e o mercado financeiro têm como função precípua coletar a poupança e encaminhá-la para o financiamento das compras e dos investimentos. A diversificação dos negócios da banca e das finanças multiplicou os meios para canalizar a poupança e remunerar os investimentos. Não há crescimento sem investimento.
A redução da volatilidade, a aproximação dos extremos no leque de variação dos preços necessária ao funcionamento do mercado, como se vê, não é a única solução que aqueles que fazem dinheiro em cima de dinheiro trouxeram para os mercados.
Até que ponto a especulação manipula o mercado, acentuando subidas e quedas, particularmente neste século XXI, não é escopo deste trabalho, mas, que cabe ao especulador a responsabilidade de se ausentar do mercado, para evitar qualquer perda e resguardar o ganho anterior, ninguém duvida. Alguma responsabilidade, portanto, ele tem.
2 – A volatilidade atual e os fundamentos do mercado petrolífero
No petróleo, nada indica uma mudança na extrema volatilidade que a indústria conhece depois de meados da primeira década deste século. Oligopólios concentrados são instáveis, ensina a microeconomia. Cartéis e guerras de preço se sucedem e ditam uma dinâmica cíclica que perdura por 150 anos. Para agravar, árabes e persas partilham as melhores reservas separadas por uma estreita península e, não muito longe, no Magrebe e Magereck, em pleno século XXI, as jazidas ainda são disputadas pelas armas. A escalada dos conflitos às portas do Velho Continente e o reerguimento russo ressaltam a conotação geopolítica e imprevisível do preço do barril.
Riscos e incertezas complicam os negócios num mercado em profunda mutação. A demanda por petróleo mais sensível aos preços e menos à renda, que deixou de crescer, torna-se um desafio para uma oferta que não para de inflar. A mudança em todos esses fundamentos ameaça o cartel. A expectativa quanto à proximidade do pico da demanda e o ingresso de produtores não convencionais embaralham por completo o jogo a que estavam habituados países exportadores e multinacionais do petróleo.
A contestação foi externa, não prevista pelas grandes empresas e com um caráter claramente “disruptivo”. Promovidas por operadoras independentes, a atividade não convencional dispõe de uma estrutura de custo invertida, comparada às petroleiras: despesas operacionais elevadas, mas muito menores despesas de capital, com baixos custos irrecuperáveis. Assim, diferentemente das majors, não dependem de escala e, em julho de 1999, com o barril a doze dólares, elas deram início a uma revolução.
Uma década depois, em 2010, nos EEUU, a produção de gás natural voltava a atingir 575 bilhões de m3, mesmo volume do início da década de 1970. O arranque se manteve e, em 2019, a produção quase dobrou: alcançou 921 bilhões de m3. Além do condensado extraído do gás, também aumentou a produção de um óleo especial, o Light Tight Oil, ou óleo de folhelho. Em 2010, eram 500 mil barris por dia, em 2019, onze vezes mais! O país está perto da autossuficiência. Mais importante, os novos participantes se caracterizam por uma agilidade desconhecida na indústria.
Diante de uma demanda que perde velocidade e concorrência pelas bordas, o acordo entre a OPEP, liderada pela Arábia Saudita e os russos terá dificuldade em prosperar. A “resiliência” dos novos atores, que têm a flexibilidade como atributo, é uma incógnita[1]. Por sua vez, a dinâmica para estabelecer o preço se tornou muito mais complexa ao exigir afinamento, precisão, sintonia e ajuste. Ao final do dia, entretanto, no mercado mundial do petróleo, o acerto é feito à moda antiga – por variação de estoques físicos e do preço spot.
3 – Fundos e diversificação contra o impacto da volatilidade
Posto isto, que no mundo as incertezas aumentaram e que a volatilidade do barril permanecerá elevada, o que fazer? À instabilidade do mercado, sobrepõe-se o imponderável e um fator exógeno – como a pandemia – bastou para subtrair mais de um quinto do consumo entre março e abril de 2020 e, assim, provocar o maior colapso visto em mais de um século de história na indústria do petróleo.
Diante da presente indefinição, faz-se mister projetar o futuro e se precaver contra choques inesperados. Como já assinalado, métodos matemáticos, estatísticos e probabilísticos fazem previsões melhores que os mercados futuros. Contudo, nesses cálculos, mesmo nos algoritmos dos preços futuros, além da pandemia, estão fora do escopo a queda das Torres Gêmeas, a Primavera Árabe, ou o tsunami no Japão; são eventos imprevisíveis. Por isso, assim como nas mudanças climáticas, ou nos testes dos sistemas bancários, as projeções determinísticas pouco ajudam. Historiadores aprendem isso logo no início da formação: o futuro não repete o passado.
Em termos de prospecção, os estudos avançaram imensamente ao incorporarem grandes incertezas, rupturas de trajetórias e eventos extremos. Árvores de decisão e mapas do caminho sintetizam alternativas, painéis de especialistas apontam ameaças e tendências, os riscos regulatórios são avaliados em detalhe, os impactos tecnológicos, econômicos, demográficos, sociais, políticos e ambientais são articulados a partir da construção de possíveis cenários.
Como se vê, a ciência transbordou para corporações multinacionais, instituições reguladoras e organizações multilaterais. Todas realizam algum estudo sobre o porvir, tentam antever os eventuais destinos e suas probabilidades. Diferentes “narrativas” correspondem aos cenários daqui a dez, vinte, trinta e até cinquenta anos ou mais. Eles podem ser em número de três, quatro e até seis alternativas razoavelmente distintas e com estágios (ou etapas) bem marcados. Relatam quais são os futuros possíveis, sem o determinismo anterior e abrindo espaço para um plano de ação coletiva de prevenção e reação à interferência externa, ou imprevista.
O IPCC, diferentes divisões da ONU, a AIE, a OCDE, o FMI, a IFC e o Banco Mundial passaram a usar e abusar do expediente que, na década de 1960, foi desenvolvido pela comunidade de inteligência e as forças armadas para o planejamento estratégico de longo prazo [2]. Shell, BP, Equinor, Eni, Total e Esso têm se utilizado dos cenários e novos métodos para didaticamente explicar ao acionista as estratégias a longo termo. Na banca e no mercado financeiro, o approach permitiu alongar os prazos dos testes de stress e considerar novos fatores, antes completamente exógenos, em particular, aqueles relacionados à transição energética, ao aquecimento do planeta e aos ativos, porventura, encalhados em razão das mudanças em curso.
Foi também a matemática aplicada às finanças que ensinou a mitigar o risco controlável – pela diversificação do portfólio. É possível zerá-lo, em especial quando se dispõem, por exemplo, de derivativos indexados pelo VIX, o “índice do pânico” comentado anteriormente. Muito além dos ganhos da especulação, certifica-se um comportamento intuitivo e secular: não se colocam todos os ovos na mesma cesta. Entende-se também a lógica daquelas petroleiras em busca de novas fontes de energia e oportunidades em outras indústrias.
Historicamente, para dar cabo do consumo, as fontes de energia se adicionaram umas às outras e não se substituíram. A evolução da matriz se assemelha a um processo cumulativo, de empilhamento, de somas sucessivas sem subtração: carvão vegetal, carvão mineral, petróleo, hidroeletricidade, eletronuclear, gás natural, gás não convencional, LTO.... Até aqui, as fontes conviveram entre si. O resultado é a crescente diversificação e agora se somam o biocombustível, a eólica, a fotovoltaica, a maremotriz e a geotermia; todas renováveis.
Nada indica a reversão do movimento. Ao contrário, o espalhamento, a diversidade e descentralização da geração de energia distinguem as novas redes de abastecimento. Elas já são inteligentes e gradualmente aprenderão a reduzir as perdas no transporte, a armazenar e despachar a energia de diferentes formas e quase que automaticamente. Entretanto, até lá, será preciso prover alguma estabilidade num cenário de vulnerabilidade de todos os tipos e volatilidade extrema.
De novo, as finanças aportam uma solução testada nos últimos vinte anos: os fundos de investimentos formados pelo excedente petrolífero. O sucesso norueguês é conhecido, mas, outros países exportadores também criaram fundos soberanos. Evita-se a doença holandesa (forte valorização da moeda local seguida de estagflação), reduz-se o impacto da volatilidade das receitas decorrente dos preços e cria-se um mecanismo para financiar as políticas anticíclicas. Difícil encontrar melhor solução no estilo keynesiano.
Tabela II: Países com os maiores Fundos Soberanos, 2021
Fonte: Site Statistica e IWSF
Singapura inclui GIC Private Limited and Temasek HoldingsChina inclui China Investment Corporation, National Social Security Fund e Hong Kong Monetary Authority
Depois de 2000, as recorrentes crises financeiras, o errático comportamento do câmbio e a volatilidade do preço do petróleo deram completa razão àqueles países que constituíram esses fundos. Na verdade, em muitos deles, como na Noruega, nos Emirados Árabes, no Kuait ou na Arábia Saudita, eles financiarão a transição para uma economia de baixo carbono nos próximos trinta anos. Como se vê na tabela acima pelos montantes acumulados, para eles, não faltarão recursos.
4 – A aliança entre o coletor de impostos e o regulador ambiental
Mas, na Tabela II, a presença de Singapura e China indica que alguns importadores de petróleo também dispõem de meios para mitigar a volatilidade e conduzir uma transição energética sem percalços. No caso do petróleo em particular, o excedente não se limita à produção e, a jusante da cadeia de valor, o Estado também se apropria da renda. Na Europa, os tributos perfazem quase nove décimos do preço final dos combustíveis automotivos. No Japão e na Coréia não é diferente e, em todos eles, a cobrança pelas emissões sugere uma frente para-fiscal de amplo escopo e que não se limitará aos combustíveis líquidos.
Diante das mudanças climáticas, da frequência e do alcance de eventos extremos, resultados das ações do homem, ou da natureza, o preço do petróleo mais estável contribui, sem dúvida, para uma transição energética menos onerosa. Afinal, o preço é a melhor sinalização para conduta dos compradores e vendedores. A oscilação em largas bandas, descontinuada por colapsos e crises profundas não deve virar rotina para o bem do mercado e do planeta.
Além disso, o avanço nos modelos de negócio, nas formas de emprestar e na administração dos preços foi alavancado pelas plataformas digitais. A pandemia quase tudo acelerou. Pelo celular, o financiamento e as moedas eletrônicas se tornaram acessíveis. Os governos e as empresas monitoram o deslocamento dos indivíduos, sabem quantas horas os jovens passam em frente da tela de computador e qual é a frequência nos bares e restaurantes na sexta-feira passada. Contudo, ainda não conseguem prever qual será o preço do petróleo, ou mesmo o câmbio, daqui a seis meses ou um ano.
Ora, apesar da imprevisibilidade, indiferente da fonte, no preço final da energia, existe margem suficiente para qualquer país recolher tributos e administrar seus componentes, aliás, como fazem quase todos, seja por meio de fundos, ou por meio de alíquotas nos preços, ou ainda algum tipo de conta extraorçamentária. O amortecimento das fortes variações é questão contábil e oportunidade clássica para lucrar com a arbitragem temporal; impressiona que certos países não encontraram até hoje sua fórmula ou, como no caso brasileiro, esqueceram como fazer.
Na administração dos preços dos combustíveis, os próximos passos serão a incorporação do custo em carbono e a tributação com fins exclusivamente ambientais. Alguém duvida? Ambos serão acompanhados por regulamentações cada vez mais restritivas em relação às emissões. A aliança entre o coletor de impostos e o regulador ambiental mal começou e, tudo indica, ela inflará o preço final dos combustíveis automotivos nas próximas décadas e, naturalmente, dará cabo da extrema volatilidade hoje observada. Muito mais complexo será acelerar a transição energética em curso com o uso de tributos, taxas e fundos que sinalizem o rumo das mudanças.
[1] A elasticidade da oferta não convencional seria de três a quatro vezes maior que a convencional. Dois artigos a propósito são: Mohaddes, K., & Pesaran, M. (2017). Oil prices and the global economy: Is it different this time around? Energy Economics, 65 315-325. https://doi.org/10.1016/j.eneco.2017.05.011. Uchechukwu Jarrett, Kamiar Mohaddesb & Hamid Mohtadi (2019) Oil price volatility, financial institutions and economic growth. Energy Policy 126, 131–144. https://doi.org/10.1016/j.enpol.2018.10.068.
[2] Além do ambiente no mercado petrolífero, a vulnerabilidade social foi exposta pela pandemia e a cicatrização demandará tempo. Enquanto isso, o mundo estará submetido a um elevado risco de desordem. Três documentos refletem o ceticismo em nada contraditório à tragédia vivida: 2021 Top Risks elaborado pelo Eurasia Group, Global Trends 2040, pelo National Intelligence Council e The global risk report 16th edition 2021, pelo World Economic Forum, todos facilmente acessíveis pela internet.