Opinião
A beleza do mercado voluntário de créditos de carbono
A criação de um mercado global de créditos de carbono eleva a discussão politica à complexa categoria de geopolítica internacional
Já me peguei debatendo a importância e o potencial do mercado voluntário de carbono em vários grupos diferentes e com pessoas que, tenho certeza, têm muito mais experiência do que eu no assunto. Mas, se parece haver consenso sobre a importância dos mercados de crédito de carbono como incentivo para reduzir as emissões de GEE (gases de efeito estufa) para evitar mudanças climáticas que seriam catastróficas, as discussões sobre como avançar na solução do problema ainda me soam teóricas demais e por vezes cercadas de ideologia.
A grande aposta dos mais entendidos está focada nos mercados regulados, aqueles onde existe uma definição política de metas de redução ou mandatos, exercidos através de impostos específicos ou de mercados para compra e venda dos créditos. Já o mercado voluntário, como o nome pressupõe, nasceu para permitir que empresas ou mesmo pessoas se comprometem a incentivar investimentos em projetos que resultem na redução efetiva das emissões ou captura de carbono por meio da compra de créditos. Mas este mercado dificilmente teria a escala necessária.
Pensando de forma simples, mercados regulados dependem de decisões de governo, de políticas públicas e da regulamentação delas. Em tese, uma única “canetada” pode dar uma escala enorme em um determinado país ou região na medida em que a compra de créditos de carbono como forma de reduzir ou neutralizar emissões se torna mandatória do dia para a noite. Quando se discute isso na esfera global, o potencial de escalabilidade é exponencial.
No entanto, a criação de um mercado global de créditos de carbono eleva a discussão politica à complexa categoria de geopolítica internacional. Tudo isso sem falar na necessidade de estabelecer critérios padronizados de certificação e qualidade dos créditos para que de fato eles possam ser comprados e vendidos em qualquer país. Daí decorrem as enormes expectativas na definição/regulamentação do chamado Artigo 6 do acordo de Paris, debate que já dura quase seis anos e que, acredita-se, será finalmente resolvido em novembro na COP26, criando as bases para um mercado regulado global de créditos de carbono. A ver.
Enquanto isso empresas mundo afora estabelecem compromissos agressivos de reduzir, neutralizar ou mesmo zerar suas emissões, independentemente dos mandatos e obrigações estabelecidos pelos países onde atuam. Seguem algumas contas simples, sem a pretensão de serem muito precisas: o mundo emite hoje cerca de 50 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Desse total, cerca de 50% está relacionado com a produção de energia por combustíveis fósseis, já excluindo o carvão que, em tese, seria substituído mais rápido. Seriam cerca de 25 bilhões de toneladas a ser neutralizadas ou “netadas” por ano.
Digamos que metade disso é de responsabilidade das grandes empresas de petróleo, aquelas que vêm sofrendo enorme escrutínio de seus acionistas por conta de compromissos climáticos – ou seja, cerca de 12,5 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Até 2019, a emissão acumulada de créditos no mercado voluntário era da ordem de 1 bilhão de toneladas. Os volumes vêm crescendo de forma relevante, foram quase 200 milhões de toneladas em 2020, e há a expectativa de crescimento de mais 80% em 2021, segundo dados da Ecosystem Marketplace. Ainda assim são números mínimos se comparados à demanda potencial.
Muito se discute também sobre a qualidade dos créditos gerados. Poderíamos voltar ao tema da definição das metodologias e processo de certificação deles. Mas novamente o mercado se antecipa e já começa a diferenciar a qualidade dos créditos através de precificação, valorizando cada vez mais os créditos oriundos de captura de carbono no solo, preservação de florestas, proteção de áreas ameaçadas e recuperação de mata nativa.
Sem querer, de forma alguma, diminuir a importância de desenvolver metodologias claras para determinação da qualidade dos créditos emitidos e principalmente sua real contribuição na corrida pela redução de emissões, e sem querer discordar da importância de unificar critérios de certificação dos projetos e dos créditos permitindo a criação de um mercado realmente global de créditos de carbono, que poderia inclusive representar uma forma interessante de redistribuição de renda entre países mais e menos desenvolvidos, volto mais uma vez aqui nesta coluna a falar da importância dos sinais econômicos corretos e dos mecanismos de mercado. Eles permitem que a sociedade se posicione, participe e se disponha a contribuir financeiramente com uma agenda tão importante e urgente. E se tem uma coisa que o mercado financeiro faz bem é cobrar resultados das empresas que assumem compromissos, através de mecanismos claros e objetivos, como custo de dívida ou valor das ações.
Para não perder a viagem, cabe um comentário sobre o PL 528/2021, que está tramitando na Câmara dos Deputados com o objetivo de regulamentar o mercado brasileiro de créditos de carbono, ou de promover a redução de emissões, como consta da redação oficial. O PL original tinha como foco a regulamentação do mercado voluntário. Discussões e contribuições de várias entidades, com o objetivo inicial de ampliar o escopo e incluir o mercado regulado, acabaram deixando o documento confuso.
Como o foco original era o mercado voluntário, não havia previsão de multas ou sanções. Entretanto, o foco foi claramente transferido para o mercado regulado, sem que fossem incluídas as penalidades em caso de não cumprimento da regulação. E mais, o documento parece ignorar as condições estabelecidas para um programa que já está funcionando, o RenovaBio, podendo criar distorções tributárias e no limite dupla regulamentação. Aparentemente a necessidade de criar uma lei que contemple tanto o mercado voluntário quanto o regulado, garantindo a chamada fungibilidade dos dois no futuro, foi incorporada na discussão.
Como dizem por aí, o tempo dirá qual dos formatos prevalecerá, o voluntário ou o regulado. My two cents: eles têm um tempo de desenvolvimento diferente, são essencialmente complementares, e o tempo tem avançado cada vez mais rápido!
Paula Kovarsky é Head of US Office e diretora de Relações com Investidores da Cosan desde 2015, com mais de 20 anos de experiência no setor de Óleo & Gás