Reforma Tributária

Opinião

O PLP 68/2024 e seus reflexos na indústria de O&G

Como a Reforma Tributária trata o Imposto Seletivo sobre embarcações, o gás processado em UPGNs, o gás reinjetado, as alíquotas variáveis sobre veículos, entre outros temas, e o que falta ser corrigido pela Câmara

Por Márcio Ávila

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Este artigo analisa alguns reflexos tributários para a indústria de petróleo e gás do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que trata da Lei Geral do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo, entregue pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados em 25/04/2024.

De fato, concorde-se ou não com os rumos da Reforma Tributária, o PLP já permite um grau bem maior de concretude e objetividade em relação à Emenda Constitucional 132/2023. Atualmente, a tributação sobre o consumo compreende o IPI, o Pis e a Cofins, o ICMS e o ISS, os quais serão substituídos pelas novas espécies tributárias após o período de transição (2026 a 2033).              

Quanto ao Imposto Seletivo (“imposto do pecado” ou Sin Tax) incidente sobre bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, não está prevista a sua incidência sobre embarcações dedicadas à indústria do petróleo e do gás, ficando restrita a “iates e outros barcos e embarcações de recreio ou de esporte; barcos a remo e canoas”. Faz todo o sentido porque essa Reforma Tributária é a reforma dos tributos sobre o consumo, não sobre a produção. Nenhuma das embarcações previstas na legislação do Repetro-Sped (anexos II e III da IN RFB nº 1.781/2017) sofrerá a incidência do novo imposto.

Vale lembrar que o Repetro é o regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural. Ainda em relação aos regimes aduaneiros especiais, outro ponto positivo do PLP é que o próprio regime do Repetro foi devidamente preservado, tendo sido dedicada uma seção inteira para tratar do assunto.

Quanto ao Imposto Seletivo incidente sobre o gás natural, importado ou não, que seja destinado à utilização como insumo em processo industrial, sua alíquota ficará reduzida a zero (PLP 68/2024, art. 407, caput e 420, caput). Parece não haver dúvidas de que o gás associado que se destina à unidade de processamento de gás natural (UPGN) é insumo em processo industrial. Afinal, a UPGN realiza o refino do gás natural e do gás natural liquefeito, tornando-o próprio para o consumo.

A dúvida fica por conta da reinjeção do gás natural no poço, requisito técnico para otimizar a produção de petróleo. O gás natural reinjetado pode ser considerado insumo em processo industrial? É provável que a fiscalização tributária entenda de maneira negativa. Nesse sentido, é importante que seja acrescentado ao PLP alguma previsão no sentido de que o gás natural reinjetado no poço equipara-se a insumo em processo industrial, inclusive para que não haja dúvida de que a reinjeção não se confunde com o fato gerador do Imposto Seletivo referente ao “consumo do bem pelo produtor-extrativista ou fabricante” (PLP 68/2024, art. 397, inc. VI).

Na tributação ambiental, as alíquotas do Imposto Seletivo aplicáveis a veículos serão reduzidas ou aumentadas, conforme, dentre outros critérios, a eficiência energética, a reciclabilidade de materiais e a pegada de carbono (PLP 68/2024, art. 404, § 1º) e fica reduzida a zero para veículos que atendam a critérios de sustentabilidade ambiental, tais como a emissão de dióxido de carbono, considerado o ciclo do poço à roda, e a reciclabilidade veicular (PLP 68/2024, art. 405). Esses aspectos ambientais foram lembrados pela proposta, o que é salutar.

Por outro lado, a indústria do petróleo e do gás é poluente, assim como outras indústrias brasileiras o são, e precisa apoiar projetos ambientais para a geração de crédito de carbono. Nessa medida, em relação ao IBS e a CBS, o PLP não estabelece absolutamente nenhum tipo de redução para operações envolvendo o crédito de carbono ou os serviços ambientais conexos. Trata-se de uma omissão grave que precisa ser corrigida pela Câmara dos Deputados.

A EC 132/2023 prevê expressamente que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio da defesa do meio ambiente (CRFB/88, art. 145, § 4º) e, sempre que possível, a concessão dos incentivos regionais de isenção, redução ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas deve considerar critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (CRFB/88, art. 43, § 4º). No quesito da tributação do crédito de carbono e dos serviços ambientais, portanto, o PLP deixa a desejar e não está em conformidade com o texto constitucional.

A EC 132/2023 prevê que a lei complementar disporá sobre a tributação monofásica do IBS e da CBS para combustíveis e lubrificantes (CRFB/88, art. 156, § 6º, inc. I). Há um aumento do alcance desse regime de tributação que atualmente está limitado a alguns tipos de combustíveis. A tributação monofásica, com a concentração da incidência tributária no primeiro elo da cadeia, é extremamente relevante para o combate à sonegação fiscal. Aliás, a adoção de alíquotas uniformes em todo o território nacional também evita as distorções do atual regime.

O art. 161 do PLP fornece um rol exemplificativo dos combustíveis sobre os quais o IBS e a CBS incidirão uma única vez. Os lubrificantes não foram considerados e a Câmara dos Deputados tem a oportunidade de acrescentar um novo inciso ao art. 161, em cumprimento à Constituição Federal. De acordo com a justificativa do Poder Executivo contida no próprio PLP (item 118, p. 332), “não foram incluídos os lubrificantes no regime específico em razão do extenso rol desses produtos (mais de onze mil itens registrados na ANP), bem como da sua significativa variação de preços, o que dificulta sobremaneira a fixação de uma única alíquota específica” que seja aplicada a nível nacional. Contudo, deve-se buscar uma solução segura que atenda ao comando constitucional e garanta a monofasia.

Pode-se dizer que o PLP 68/2024 facilita a discussão sobre a Reforma Tributária, porque pavimenta os termos da EC 132/2023. A Câmara dos Deputados tem o desafio de aprimorar o Projeto, suprindo lacunas e saneando eventuais contradições.     

Outros Artigos