Opinião

Os contratos com a Petrobras e os juros de mora

A previsão sobre os juros de mora em caso de inadimplemento e sobre como será feito o cálculo traz segurança jurídica para as partes e reduz o custo geral do contrato, além de evitar litígios

Por Márcio Ávila

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Os contratos celebrados pela Petrobras com prestadores de serviços e fornecedores de materiais não costumam prever como serão calculados os juros de mora em caso de inadimplemento contratual, bastando verificar, para tanto, as minutas-padrão disponíveis no seu sítio eletrônico. É o caso, por exemplo, da minuta-padrão do contrato de fornecimento de FPSO, de manutenção de oleoduto e gasoduto terrestre, de serviço de poços, dentre outros[1].

Essa previsão deveria estar presente em todas as minutas-padrão porque a forma de se mensurar o inadimplemento contratual depende de parâmetros seguros. Não é interessante nem para o contratante, nem para o contratado, deixar para um juiz ou para um grupo de árbitros a decisão sobre a forma de se calcular os juros de mora, ainda que existam peritos para auxiliar nesta questão.        

É preciso observar que a cláusula de reajustamento de preços prevista nas minutas-padrão não representa os juros de mora porque se refere aos custos da execução contratual. Os preços contratuais são reajustados anualmente em consequência da variação dos elementos que compõem a fórmula de reajustamento, a qual contém índices relacionados ao produto ou ao serviço. Por exemplo, no reajustamento do preço do serviço de escoamento de petróleo realizado por meio de caminhões, devem ser considerados índices que reflitam o preço: dos combustíveis e lubrificantes para a produção; de artigos de borracha em razão do desgaste dos pneus dos veículos; da mão de obra, etc.      

Os juros moratórios pressupõem a inexecução contratual, o que é o oposto do reajustamento de preços motivado pela execução do contrato. Quando o instrumento contratual não contém a estipulação de índice de atualização, deve ser aplicada a regra do art. 406 do Código Civil, cuja atual redação estabelece que “quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal”. Contudo, diante da vagueza da norma, a grande dificuldade é precisar exatamente qual é a “taxa legal” e como ela deve ser aplicada.  

A importância de se determinar contratualmente os juros de mora pode ser provada pela divergência, existente em diversos tribunais, entre a aplicação da taxa de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, prevista pelo art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional e a aplicação da Taxa Selic. Este debate foi o principal pano de fundo do julgamento do Recurso Especial 1.795.982 no âmbito da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça publicado em outubro de 2024, que teve por objetivo esclarecer se a redação do art. 406 do Código Civil fazia referência à taxa de 1% (um por cento) ao mês ou à Taxa Selic[2].

Na ocasião, a Corte Cidadã solucionou a controvérsia ao determinar a inaplicabilidade do dispositivo do CTN porque o mesmo trataria do inadimplemento do crédito tributário em geral, ao passo que a norma do Código Civil determinaria especificamente a fixação dos juros à mora de pagamento dos impostos federais, que constituem espécie do gênero tributo. Este entendimento foi sedimentado por 6 votos a 5, o que comprova que a matéria não era pacífica nem no STJ até então.

Em tempos de análise consequencialista, parece que o entendimento pacificado no STJ não foi o melhor. Quando a Selic estiver abaixo da inflação, por exemplo, haverá um recado claro ao devedor: o benefício de não pagar é maior que o custo de pagar. Será um estímulo ao inadimplemento. Por essa razão, seria muito melhor se fosse adotada a taxa de juros de 1% (um por cento) ao mês, de maneira que tanto o credor quanto o devedor saibam o custo do inadimplemento.             

A Lei nº 14.905/2024 alterou a redação do art. 406 do Código Civil e estabeleceu que os juros de mora são a Selic menos o IPCA, mas diversas arestas continuam em aberto, existindo quatro possibilidades de cálculo dos acréscimos legais da mora: a) atualização cumulada da obrigação e capitalização composta; b) atualização separada da obrigação e capitalização simples; c) atualização cumulada da obrigação e capitalização simples; e d) atualização separada da obrigação e capitalização composta. É evidente que o credor vai preferir a interpretação que leve à aplicação da atualização cumulada e da capitalização composta, enquanto o devedor vai preferir a atualização separada e a capitalização simples. Nesse jogo de incertezas, os litígios não são resolvidos, os negócios não deslancham e a insegurança jurídica se perpetua.

O § 2º do art. 406 do Código Civil, com a alteração da Lei nº 14.905/2024, prevê que a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional. Porém, a Lei nº 4.595/64, que criou o CMN, não prevê essa competência para regular a taxa de juros de todas as obrigações civis do País (vide os incisos do seu art. 4º). Seria mais apropriado que o próprio Código Civil previsse a metodologia de cálculo e a forma de aplicação, reproduzindo conceitos básicos de matemática financeira. Essa delegação ao CMN é de constitucionalidade duvidosa.     

Em resumo, é salutar que as minutas-padrão da Petrobras passem a conter previsão sobre os juros de mora em caso de inadimplemento contratual e sobre como será feito o cálculo (se atualização cumulada ou separada e se capitalização composta ou simples). Esse tipo de previsão traz segurança jurídica para as partes e reduz o custo geral do contrato, além de evitar litígios sobre o tema.     

 

[1] Também foram pesquisadas as seguintes minutas-padrão nas quais não há previsão dos juros moratórios: manutenção de equipamentos industriais; contrato de bens típicos de operação; afretamento de sondas; manutenção de equipamentos em cargas programadas (refino); armazenagem e movimentação de bens e cargas; manutenção e reparação em unidades de produção marítima; afretamento de embarcação de apoio - bandeiras brasileira e estrangeira e prestação de serviços; e de sondas terrestres. 

[2] STJ, Corte Especial, REsp nº 1.795.982/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 21/08/2024, DJe 23/10/2024.

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