Opinião

A Reforma Tributária e os regimes aduaneiros especiais

O PLP nº 68/2024 torna complexa a aplicação dos regimes aduaneiros especiais quando cria conceitos guarda-chuva e remete para o regulamento a identificação das espécies. Aliás, qual regulamento: o atual ou um futuro regulamento?

Por Márcio Ávila

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O presente artigo traz algumas considerações sobre o tema da Reforma Tributária e os benefícios fiscais no Comércio Exterior. Tratei desse tema recentemente, em palestra proferida no XII Congresso Nacional de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, realizado no Espírito Santo pela Ordem dos Advogados do Brasil. Nesse artigo vou me ater à forma como os regimes aduaneiros especiais, tão relevantes para a indústria do óleo e gás, estão sendo tratados no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024. 

A primeira observação a ser feita é que a lógica da tributação no comércio exterior é bem distinta do racional desenvolvido no mercado interno. No ComEx, trabalha-se muito com desonerações tributárias ou regime suspensivo na importação, atendidas determinadas condições, seja para estimular a exportação, seja para garantir a competitividade do país na atração de investimentos externos, ou ainda para garantir atividades dependentes de bens de capital que não fabricamos. As razões são as mais variadas. 

A segunda observação é que os atuais regimes aduaneiros especiais são fruto de duras conquistas dos operadores do comércio exterior. 

As duas observações acima são relevantes para a compreensão das ideias expostas a seguir. O PLP nº 68/2024 apresenta quatro regimes aduaneiros especiais (trânsito aduaneiro, depósito, permanência temporária e aperfeiçoamento). À primeira vista, o PLP estaria atendendo ao princípio da simplicidade (art. 145, parágrafo 3º da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/2023) e estaria alinhado com o Código Aduaneiro Europeu e os Anexos da Convenção de Quioto Revisada, mas não é bem assim. 

Ao tratar do regime especial de trânsito aduaneiro, o PLP fala de modalidades conforme a legislação aduaneira (art. 83, caput) e ao abordar os regimes de depósito, de permanência temporária e de aperfeiçoamento, esclarece que suas espécies são determinadas conforme regulamento (respectivamente, art. 84 parágrafo 1º, art. 86, parágrafo único e art. 88, parágrafo 1º).  

O que salta aos olhos é que o PLP não simplifica os regimes aduaneiros especiais. Ao contrário, cria quatro gêneros, numa espécie de guarda-chuva conceitual, e suas espécies dependem do que estiver previsto em regulamento. Existe uma atecnia nesse proceder porque o PLP é uma lei nacional, o que abrange a União, os Estados e os Municípios, enquanto a competência para legislar sobre direito aduaneiro é exclusiva da União.

Se a reforma é tributária e não aduaneira, o PLP não deveria propor novos conceitos de direito aduaneiro ou, pelo menos, conceitos que se propõem a abarcar diversos regimes aduaneiros especiais. O art. 156-A da Constituição Federal, também introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, prevê, no seu parágrafo 6º, que a lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para as hipóteses de diferimento e desoneração do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação. Ora, disciplinar hipóteses de desoneração do IBS não se confunde com a criação de conceitos de direito aduaneiro. Existe um avanço desnecessário. Aliás, diferimento é um instituto não utilizado nos regimes aduaneiros especiais, o que demonstra um certo desconhecimento do constituinte derivado quanto ao direito aduaneiro. Novamente, a reforma é tributária, não aduaneira.      

Essa avocação indevida da matéria aduaneira traz ainda outras complexidades: os quatro conceitos guarda-chuva trazidos pelo PLP nº 68/2024, dedicados ao IBS e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), seriam também aplicáveis aos tributos usualmente incidentes nos regimes aduaneiros especiais existentes (imposto de importação, IPI na importação, PIS-importação, Cofins-importação, ICMS-importação e AFRMM)? Entendo que não, mas essa é mais uma dúvida que a redação atual do PLP não consegue responder a contento.               

Outro ponto é que alguns regimes aduaneiros especiais não se encaixam nos conceitos de trânsito aduaneiro, depósito, permanência temporária e aperfeiçoamentos previstos para o IBS e a CBS. Como dito no início deste artigo, os atuais regimes aduaneiros especiais são fruto de duras conquistas dos operadores do comércio exterior e é natural a utilização de desonerações tributárias ou regimes suspensivos na importação. Não faz sentido que a reforma tributária pretenda um retrocesso no bojo de um processo de conquista de regimes aduaneiros para fins de IBS e CBS. 

Por fim, o PLP nº 68/2024 é silente quanto ao drawback serviços, mas o ComEx depende dessa atividade. Ora, a reforma tributária é para todos os setores da economia e não apenas para a indústria. É necessário desonerar todos os serviços prestados para a produção de mercadorias que serão exportadas. A medida garante a entrada de divisas para o País e é de interesse nacional.  

Em conclusão, o PLP nº 68/2024 torna complexa a aplicação dos regimes aduaneiros especiais quando cria conceitos guarda-chuva e remete para o regulamento a identificação das espécies. Aliás, qual regulamento: o atual ou um futuro regulamento? Se for o atual, vamos depender da hermenêutica para encaixar o regime especial no guarda-chuva criado pelo PLP? Os regimes aduaneiros especiais não deveriam estar previstos em lei ordinária? Essas perguntas demonstram a complexidade e os desafios criados pela redação do PLP.  

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