Opinião

Processo Administrativo de Responsabilização e sanções aplicáveis

Na aplicação das sanções, sobretudo as de multa, é necessário que as orientações dos órgãos de correição e o proceder das estatais tenham finalidade punitiva ou corretiva e não arrecadatória.

Por Márcio Ávila

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Empresas públicas e sociedades de economia mista atuantes na área de energia devem atender tanto à Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) quanto à Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). Nesse sentido, devem promover a abertura de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) quando encontrarem indícios de atos lesivos à Administração Pública. Estes podem consistir, por exemplo, em fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; em criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública, ou celebrar contrato administrativo, dentre outras hipóteses[1].

Caso determinado PAR conclua pela responsabilização da pessoa jurídica, comumente são aplicadas as sanções de (i) multa; (ii) publicação extraordinária da decisão condenatória, e (iii) a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pelo prazo de até dois anos. É sobre a penalidade de multa que o presente artigo vai se ater porque sua aplicação produz um reflexo financeiro considerável para as empresas fornecedoras de materiais e prestadoras de serviços que contratam com estatais.    

Uma multa aplicada com base no Decreto nº 8.420/2015[2], por exemplo, pode chegar a pouco mais de R$ 50.000,00, enquanto no Decreto nº 11.129/2022[3], por exemplo, pode chegar, em determinada hipótese, ao valor de R$ 1.500.000,00. Tudo dependerá da data dos fatos ocorridos e das circunstâncias envolvidas.

A multa, que pode variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo[4], sofre a influência de circunstâncias que a majoram (agravantes) e que a minoram (atenuantes). Por exemplo, a gravidade da infração é uma circunstância que majora a multa. A cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações a reduz.  

A questão é que os percentuais correspondentes a essas circunstâncias que aumentam ou reduzem a multa não estão previstos na Lei Anticorrupção, mas no decreto que a regulamenta: ou o Decreto nº 8.420/2015 ou o Decreto nº 11.129/2022, a depender do caso concreto. É de conhecimento comum que a norma aplicável em determinada situação é a que estava em vigor no momento em que o ato ocorreu, a não ser que a norma sancionadora posterior seja mais benéfica.

Portanto, os percentuais de agravantes e atenuantes previstos no atual Decreto nº 11.129/2022 devem ser aplicados aos supostos atos ilícitos praticados a partir de 18 de julho de 2022, data em que entrou em vigor (art. 71). Por outro lado, os atos anteriores a essa data devem se submeter aos percentuais previstos no Decreto nº 8.420/2015, vigente até então.

Dito isto, imagine-se o seguinte caso: determinada pessoa jurídica foi sancionada por uma empresa estatal em agosto de 2024, em razão de supostos atos ilícitos ocorridos em dezembro de 2021. Diante deste cenário, indaga-se: qual o decreto aplicável ao caso? A resposta é simples: evidentemente, o Decreto nº 8.420/2015, vigente à época dos fatos. Contudo, na prática, algumas estatais vêm procedendo à aplicação dos percentuais previstos no Decreto nº 11.129/2022, o que é passível de crítica.

O próprio Decreto nº 11.129/2022 prevê no art. 69 que “as disposições deste Decreto se aplicam imediatamente aos processos em curso, resguardados os atos praticados antes de sua vigência”. É irrelevante, nesse sentido, a legislação sancionadora vigente na data de instauração do processo administrativo, e sim a legislação vigente na época dos fatos que tal processo vier a apurar.     

No caso acima apresentado, pode ser extraída a conclusão segundo a qual a aplicação da sanção deve ser julgada “de acordo com os critérios então vigentes, ou seja, as disposições do Decreto nº 8.420/2015”, extraída da página da Controladoria Geral da União (CGU) na internet[5].

Apesar dessa orientação, algumas estatais procedem de maneira diversa em seu PAR e aplicam o Decreto nº 11.129/2022 em casos semelhantes ao aqui exemplificado, com a justificativa de, inclusive, estarem seguindo recomendação internamente dada pela CGU. Fica o questionamento: como é possível existirem duas orientações distintas vindas de um mesmo órgão?

Essa contradição, além de prejudicial por si só, pode fazer com que multas sejam calculadas com base em decretos inaplicáveis à data dos fatos apurados e, ainda, sejam arbitradas a maior. O prejuízo, assim, é automático para as empresas contratadas, sancionadas com multas por vezes astronômicas, as quais, somadas ao afastamento em licitações e à obrigatoriedade de divulgação da sanção em meios de comunicação, desafiam sua própria subsistência no mercado.

Na aplicação das sanções, sobretudo as de multa, é necessário, pois, que as orientações dos órgãos de correição e o próprio proceder das estatais tenham finalidade punitiva ou corretiva e não arrecadatória.

É imperativo, portanto, que as empresas sancionadas estejam atentas à base legal das penalidades aplicadas e ao seu respectivo fundamento jurídico. Eventuais incongruências podem ser objeto de ação anulatória de multa ou de redução da mesma, tendo por fundamento o eventual equívoco em sua aplicação. A regra é clara: o tempo em que o fato ocorreu rege a legislação que lhe será aplicável e a aplicação de norma posterior apenas será admitida se for para beneficiar a empresa punida.   

 

[1] Previstas no art. 5º da Lei Anticorrupção.

[2] Decreto vigente até 17 de julho de 2022, que foi revogado pelo Decreto nº 11.129/2022.

[3] Decreto que, atualmente, regulamenta a Lei Anticorrupção.

[4] Art. 20, caput do Decreto nº 11.129/2022 e art. 17, caput do Decreto nº 8.420/2015.

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